A Resolução 293 e a nova Regulamentação
aplicável ao Registro Aeronáutico Brasileiro
Adolpho Julio C. de Carvalho *
(ajcarvalho@pn.com.br)
Felipe Bonsenso Veneziano **
(fveneziano@pn.com.br)
O Registro Aeronáutico Brasileiro
(“RAB”) é o órgão mantido pelo Governo Federal responsável, dentre
outros, pela matrícula e inscrição de atos, contratos e instrumentos
relativos às aeronaves civis. Por ano lida com cerca de 500
processos em um tempo médio de análise de 15 dias para cada um,
apesar de contar com menos de cinco analistas alocados para essas
funções.
Desde 1992 seu funcionamento era
regido pelo Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 47 (“RBHA
47”), resultado da atividade normativa do Departamento de Aviação
Civil (“DAC”), vinculado ao Ministério da Aeronáutica. Ao longo de
mais de vinte anos essa regulamentação sofreu alterações pontuais.
Com a criação da Agência Nacional
de Aviação Civil (“ANAC”) em 2005 e consequente extinção do DAC, um
dos principais objetivos da da nova reguladora passou a ser a
substituição dos normativos editados pelos militares. Observando os
princípios que vinculam a Administração Pública a ANAC deu início,
então, a uma série de audiências públicas para discutir atualização
da regulamentação, dentre as quais o mencionado RBHA 47.
No entanto, diferentemente de
outros RBHA que foram substituídos por Regulamentos Brasileiros de
Aviação Civil (“RBAC”) para o caso do RAB a ANAC optou por propor
minuta de Resolução, figura normativa diversa e que se diferencia do
padrão adotado no âmbito da Organização da Aviação Civil
Internacional – OACI.
De qualquer sorte, concluída a
Audiência Pública 12 de 2012 da ANAC foi finalmente editada e
publicada no Diário Oficial da União a
Resolução ANAC n° 293, de 19 de novembro de 2013 (“Resolução
293”), a qual dispõe sobre o funcionamento do RAB e que, dentre
outros, revogou o RBHA 47.
Preliminarmente à análise das
mudanças relevantes contidas na Resolução 293 vale mencionar que,
conforme mencionado anteriormente, a opção por regulamentar o RAB
através desse tipo de diploma legal, e não através de RBAC –
conforme a expectativa inicial – vai de encontro ao preceito de
uniformização tão caro à aviação civil, nos moldes da Convenção de
Chicago, esta recepcionada no ordenamento jurídico-legal brasileiro
através da promulgação do Decreto n° 21.713, de 27 de agosto de
1946. Isso porque pelo artigo 37 de referida Convenção, os Estados
Contratantes, dentre os quais o Brasil, se obrigaram a colaborar com
objetivo de atingir a maior uniformidade possível em seus
regulamentos, sempre que isto trouxer vantagens para a atividade.
Tanto os Estados Unidos quanto a União Europeia regulamentam as
atividades dos seus respectivos registros aeronáuticos (equivalentes
ao RAB) através dos normativos de número 47 e que em muito se
assemelhavam, inclusive na ordem dos dispositivos e temas tratados,
ao extinto RBHA 47. Espera-se que a solução encontrada pelos
reguladores brasileiros não prejudique a aviação civil, de maneira
geral ou dificulte o relacionamento com outros países.
Especificamente em relação aos
ineditismos da Resolução 293 destaca-se, primeiramente, a realização
de recadastramento quinquenal de aeronaves, conforme artigos 55 e
seguintes. Assim, torna-se obrigatório aos operadores e
proprietários das aeronaves civis matriculadas no Brasil efetuarem o
recadastramento, através de formulário próprio, dos registros que
não tiverem sofrido alteração nos últimos cinco anos, de modo a
manter o cadastro nacional de aeronaves atualizado.
Surpreendentemente a não realização pode acarretar o cancelamento
ex-officio da matrícula da aeronave, o que impossibilita sua
operação. O processo não deve gerar, contudo, grandes dificuldades
aos operadores, com exceção de grandes companhias aéreas que terão
que enfrentar burocracia extensa e adicional.
Além disso, outra exigência nova
está na obrigatoriedade, conforme o artigo 71, de apresentação dos
atos constitutivos – e respectiva tradução juramentada – dos
trusts (figura de Direito Americano sem equivalente no Brasil)
quando os mesmos figurarem como proprietários de aeronaves
matriculadas no Brasil. Entretanto essa nova exigência carece de
regulamentação – ou esclarecimento – adicional, já que não é a
legislação brasileira que determina o que seriam atos constitutivos
dos trusts, mas sim aquela na qual cada figura está inserida.
Confia-se que o RAB irá aceitar os documentos apresentados pelos
interessados, sem opor exigências adicionais, que estarão de acordo
com a legislação aplicável em cada caso.
Outra disposição inédita da
Resolução 293 está insculpida no artigo 106, o qual prevê a
possibilidade de registro temporário e provisório para aeronaves que
tenham sido apreendidas no âmbito da Lei 11.343, de 23 de agosto de
2006 que, dentre outros, estabelece normas para repressão à produção
não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. Conforme a nova
regulamentação o RAB poderá emitir certificados em favor da
instituição que tenha judicialmente obtido direito de uso de
aeronave apreendida por ser utilizada na prática de crimes de
tráfico e comercialização de drogas. A cooperação do RAB certamente
auxiliará na melhor aplicação de referida Lei, indo ao encontro de
políticas públicas relevantes.
Inovou-se também em relação aos
casos de sobrestamento, que é a formulação de exigências e pedidos
de documentos adicionais para conclusão de registros, e.g.
apresentação de procurações e recolhimento de emolumentos corretos.
Isso porque a Resolução 293 – conforme o artigo 17 – permite
expressamente a apresentação de pedido de reconsideração do
sobrestamento por parte do interessado, além de prever a data de
efetivo registro para os casos em que o cumprimento das exigências
do sobrestamento ou esgotamento do prazo de prenotação. Além disso,
depois de formulada a exigência pelo RAB, caso a mesma não seja
cumprida, permite-se agora que o interessado firme termo de
responsabilidade para entregar ao RAB documentação considerada não
essencial para o registro, nos termos do artigo 23.
Essas alterações em relação ao
sobrestamento e exigências constituem avanços positivos para o
funcionamento do RAB e traz vantagens para os operadores,
especialmente companhias aéreas, vez que flexibiliza as exigências e
diminui a burocracia para concluir registros imprescindíveis para
seu cotidiano. Cite-se a exigência de apresentação de documentos
consularizados e que, inúmeras vezes, não são fornecidos em tempo
pelos Consulados brasileiros, portanto fora dos limites de atuação e
interferência dos interessados. Não seria razoável manter aeronave
de operação regular de passageiros por conta da não apresentação de,
a título exemplificativo, procuração consularizada pelo interessado.
A expressa possibilidade do termo de responsabilidade soluciona essa
questão.
Ainda no âmbito de
desburocratização e flexibilização alterações positivas foram
inseridas pelo artigo 72, que elimina a exigência, para conclusão do
registro de aeronave, de apresentação da certidão de Nada Consta,
relativa às multas e débitos perante à ANAC. Outrossim, nos termos
do artigo 91 foi expressamente incluída a possibilidade de
cancelamento de matrícula de aeronave sem a necessidade de
apresentação do certificado de aeronavegabilidade para exportação
quando as questões relativas à transferência de responsabilidade
sobre a aeronavegabilidade estejam resolvidas entre a ANAC e a
autoridade de aviação civil do país do importador, excepcionalmente
nos casos de exportação e reexportação. Esses dois avanços aceleram
o trâmite dos processos e, especialmente em relação a não
apresentação do certificado, desburocratizam e simplificam
transações com outros países, como os Estados Unidos, tendo em
vista os acordos firmados entre a ANAC as autoridade aeronáutica
estrangeiras..
Positivas também as alterações que
atingem os processos de compra e venda de aeronaves. Isso porque em
relação às exigências de reconhecimento de firma por autenticidade
das partes envolvidas em operação foi consolidado o entendimento (e
sanados os recorrentes questionamentos) de que tal requisito de
formalismo adicional aplica-se apenas aos casos de transferência de
propriedade, conforme o artigo 12, e, além disso, foi ampliado e
uniformizado o prazo para comunicação de venda de aeronave para
trinta dias, seja pelo comprador ou pelo vendedor, nos termos dos
artigos 29 e 30.
Destaque-se também a alteração
relativa ao expresso reconhecimento pelo RAB do intercâmbio ou
interchange, através do qual uma aeronave matrícula estrangeira
pode operar no Brasil sob contrato específico e observadas
disposições de acordos bilaterais (por exemplo o celebrado entre
Brasil e Chile). Até a edição da Resolução 293 inexistiam
precedentes e mesmo regulamentação sobre o assunto, deparando-se o
RAB com vácuo legislativo que dificultava a operação nessa
modalidade. A inclusão, de acordo com o artigo 87, trará vantagens
para as companhias aéreas nacionais, consolidando e possibilitando a
consecução dos objetivos dos acordos bilaterais sobre o intercâmbio
de aeronaves, cada vez mais relevantes no mercado globalizado da
aviação.
Por fim, a Resolução 293
corretamente alterou as competências dos órgãos envolvidos com o
funcionamento do RAB, contemplando o novo contexto regulatório e
normativo representado pela criação da ANAC e da Secretaria de
Aviação Civil. Dessa forma foram excluídas referências obsoletas a
diversas repartições do extinto DAC que estavam presentes no RBHA
47, tornando a norma integralmente aplicável e de melhor compreensão
pelos interessados.
Da mesma forma que em relação aos
esclarecimentos necessários a respeito dos documentos considerados
atos constitutivos dos trusts, conforme mencionado acima, outros
pontos da Resolução 293 requerem a mesma atenção. Além desse, carece
de regulamentação específica o caso da obrigatoriedade de
comprovação de regularidade fiscal de transação, quando aplicável,
para fins de conclusão de registros. Isso porque a Resolução não
determina o rol de aplicabilidade da exigência, tornando a obrigação
inócua. Outros dois exemplos são a falta de menção aos documentos
celebrados em dois idiomas, bicolunados, de acordo com prática comum
adotada nesse setor e à possibilidade de apresentação de documentos
eletronicamente, através do sistema SIGAD-PD, já em funcionamento
para casos específicos como emissão de certidões.
Como se pode notar, de maneira
geral a edição da Resolução 293 foi positiva e representa importante
evolução para o funcionamento do RAB. Infelizmente não foram
considerados aspectos importantes e fundamentais, como a aguardada
regulamentação sobre a Convenção da Cidade do Cabo (promulgada no
Brasil em maio deste ano). Acredita-se, no entanto, que conforme a
Audiência Pública n°
09 de 2013, em breve será editada resolução específica sobre a
participação do RAB e do Brasil no Registro Internacional, para os
fins da Cidade do Cabo.
Espera-se, além disso, que a ANAC,
sensível aos anseios e necessidades dos operadores aéreos e
observando o contexto global, possibilite maior celeridade na
atualização dos diplomas normativos, especialmente a Resolução 293,
em face dos fatos novos que acompanharão os resultados dessa
Audiência Pública n° 09 e, do mesmo modo, em face das necessidades
de esclarecimento apontadas anteriormente sobre aspectos importantes
da regulamentação.
* ** Sócio
e Associado da Área Empresarial de Pinheiro Neto Advogados