Revista da SBDA
Direito Aeronáutico e Direito Espacial

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Workshop sobre Direito Espacial na Ásia

José Monserrat Filho *

O 2º Workshop sobre Direito Espacial promovido pelo Escritório da Organização das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (United Nations Office for Outer Space Affairs – OOSA) e pela República da Coréia foi realizado de 3 a 6 de novembro de 2003, na sede do Instituto Nacional de Pesquisas Aeroespaciais, na cidade coreana de Daejeon, a 160 km de Seul.

O 1º Workshop teve lugar em Haia, Holanda, de 18 a 21 de novembro de 2002.

O Brasil é o único país candidato a sediar o 3º Workshop em 2004.

Participantes

O Workshop na Coréia reuniu 97 participantes inscritos de 25 países, sob o tema geral "Tratados das Nações Unidas sobre o Espaço Exterior: Ações no Nível Nacional" (United Nations Treaties on Outer Space: Actions at the National Level).

Da América Latina participaram duas pessoas: Ciro Arevalo, embaixador da Colômbia na Áustria e junto às Organizações Internacionais sediadas em Viena, e o autor destas notas, como representante da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA).

Os 14 países asiáticos que enviaram representantes foram: Camboja, Coréia, Índia, Japão, Malásia, Mongólia, Myanmar, Nepal, Singapura, Sri Lanka, Tailândia, Usbequistão, Vanuatu e Vietnã. A República Democrática Popular da Coréia, a Rússia, o Paquistão, o Casaquistão, as Filipinas, Laos e o Afeganistão não foram representados.

Dois países africanos estiveram presentes: Marrocos e Nigéria. Um do Oriente Médio: Irã. Quatro da Europa: França, Holanda, Itália e República Tcheca. Os EUA se fizeram representar por quatro pessoas, um advogado independente, uma professora universitária e dois funcionários do Departamento de Estado. Da Austrália compareceram dois advogados privados, um deles também professor universitário.

Destaque-se a presença maciça de coreanos, compondo mais da metade do conjunto de participantes: 52 do total de 97. Eram pessoas ligadas aos Ministérios de Relações Exteriores e de Ciência e Tecnologia, à Força Aérea, bem como a Universidades e instituições públicas e empresas envolvidas com atividades espaciais. Foi uma clara e exemplar estratégia do Governo da Coréia de aproveitar ao máximo o workshop para instruir e ampliar a experiência jurídica e política de seu pessoal especializado.

O 1º Workshop teve 104 participantes, de 41 países: 15 da Europa (Alemanha, Austrália, Bélgica, Bulgária, Eslováquia, Finlândia, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Reino-Unido, República Tcheca, Rússia, Suécia e Suiça), 5 da América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia, México e Uruguai), 7 da África (Gâmbia, Gana, Marrocos, Nigéria, Ruanda, Tunísia e Zimbabwe), 11 da Ásia (Bangladesh, Camboja, China, Coréia, Ilhas Salomon, Índia, Kiribati, Malásia, Nepal, Tailândia, Usbesquistão), mais EUA e Austrália. Participaram também representantes de 7 organizações internacionais (Escritório da ONU para Assuntos do Espaço Exterior – OOSA, União Internacional de Telecomunicações – ITU, Organização Mundial de Propriedade Intelectual – WIPO, Agência Espacial Européia – ESA, Organização Européia de Exploração de Satélites Meteorológicos – Eumetsat, Centro Europeu de Direito Espacial – CEDE e Universidade Internacional do Espaço – ISU). Houve apenas 22 participantes do país hospedeiro, a Holanda.

Parece claro que o 1º Workshop foi mais amplo do que o 2º.

Objetivos

Dois eram os objetivos do 2º Workshop:

"a) Promover a compreensão, a aceitação e a implementação dos Tratados e Princípios das Nações Unidas sobre espaço exterior, especialmente na região da Ásia e do Pacífico; e

b) Discutir a implementação dos Tratados das Nações Unidas sobre espaço exterior no nível nacional, identificar as mudanças comuns que os Estados podem precisar introduzir em sua legislação nacional quando se tornarem Partes dos tratados, em particular as mudanças não óbvias que se aplicam tanto aos países que exercem atividades espaciais quanto aos que não exercem."

Tratava-se, portanto, de evento regional destinado a divulgar e debater as fontes atuais do Direito Espacial Internacional, tendo em vista, sobretudo, sua adoção pela legislação interna dos países. Não há indicações sobre o que se deve entender por "mudanças não óbvias", mas pode-se supor que a expressão se refira àquelas medidas legais domésticas situadas além da pura e simples ratificação dos tratados. Ou seja, o desenvolvimento de uma legislação nacional específica fundada nos, e coerente com, os instrumentos internacionais.

Formato

O 2º Workshop teve formato diferente do 1º. Dividiu-se em duas programações: uma para representantes governamentais, em especial para funcionários dos Ministérios de Relações Exteriores e da Justiça, e outra para especialistas em Direito Espacial. Ao se inscreverem, os participantes eram convidados a escolher entre uma ou outra. Mas houve sessões que reuniram os dois grupos. Ambos os segmentos discutiram basicamente problemas relacionados com os tratados das Nações Unidas sobre atividades espaciais.

O 1º Workshop optou por programação única para todos os participantes e dedicou sessão especial a "Programas Educacionais em Direito Espacial" – experiência valiosa não repetida na Coréia.

Atividades do 2º Workshop

No primeiro dia, 3 de novembro, a profª Joanne I. Gabrynowicz, diretora do Centro de Direito Espacial e Sensoriamento Remoto da Universidade do Mississipi, EUA, proferiu palestra para o setor de funcionários sobre "Introdução aos Princípios e Tratados sobre Espaço Exterior", seguida de debate.

Paralelamente, os especialistas assistiram a apresentação do texto para discussão (discussion paper) do prof. Robert C. Beckman, da Universidade Nacional de Cingapura, sobre o Acordo de Salvamento (Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e Objetos lançados ao Espaço Exterior, de 1968), bem como os comentários do prof. Setsuko Aoki, da Universidade de Keio, em Tóquio, Japão. A questão, depois, foi aberta ao debate mais amplo.

À tarde, em sessão conjunta, foram apresentados dez trabalhos sobre "Instituições e Políticas Nacionais para a Área Espacial". Eis a lista de seus autores:

E. Jason Steptoe, da Divisão de Direito Internacional e Comércio da Nasa, a agência espacial dos EUA;

Wenjuan Yin, do Departamento de Tratados e Direito do Ministério de Relações Exteriores da China;

Chiyoshi Kawamoto, diretor de Divisão da Agência de Exploração Aerospacial do Japão (Japan Aerospace Exploration Agency);

Jong-bae Choi, diretor da Divisão de Tecnologia Aeronáutica e Espacial do Ministério de Ciência e Tecnologia da Coréia;

Mazlan Othman, diretora geral da Agência Espacial Nacional da Malásia, ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Meio-Ambiente, e ex-diretora do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (OOSA);

Michael Davis, advogado, empresa Adelta Legal, da Austrália;

C. Jayaraj, secretário-geral da Sociedade de Direito Internacional da India;

Ida Bagus Rahmadi Supancana, consultor jurídico da Agência de Aeronáutica e Espaço da Indonésia;

Mohamed Said Riffi Temsamani, diretor-geral do Centro de Sensoriamento Remoto do Reino de Marrocos; e

Nipant Chitasombat, diretor do Centro de Política e Direito Espacial da Faculdade de Direito da Universidade de Chalalongkorn, de Bangkok, Tailândia.

No segundo dia, 4 de novembro, o prof. Peter van Fenema, da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, fez uma exposição para o setor de funcionários sobre a Convenção de Registro (Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1976) e os registros nacionais. Seguiu-se um debate, coordenado pelo próprio conferencista.

Simultaneamente, os especialistas assistiram e debateram duas palestras:

1) de Ricky Lee, advogado e professor de Direito Espacial na Austrália, sobre "A Convenção de Responsabilidade e os regimes nacionais de licenciamento", comentada por Fatimah Hashim, da Universidade Nacional da Malásia; e

2) de Y. Zhao, da City University de Hong Kong, China, sobre "A Convenção de Registro".

À tarde, os funcionários ouviram e discutiram a palestra do prof. Armel Kerrest, da Universidade de Brest, na França, sobre "A Convenção de Responsabilidade e os regimes nacionais de licenciamento".

Enquanto isso, os especialistas estiveram envolvidos em duas palestras sobre o mesmo tema – "O Artigo VI do Tratado do Espaço":

1) da profª E. Back Impallomeni, da Universidade de Pádua, Itália, comentada pelo prof. Doo-hwan Kim, presidente honorário da Associação Coreana de Direito Aeronáutico e de Direito Espacial, e pelo prof. Sergio Marchisio, da Universidade de Roma; e

2) do prof. Soon-kil Hong, presidente da Universidade de Aviação de Hankuk, Coréia.

Ambas as conferências foram depois debatidas.

No terceiro dia, 5 de novembro, o prof. Frans von der Dunk, co-diretor do Instituto Internacional de Direito Aeronáutico e Direito Espacial da Universidade de Leiden, Países Baixos (Holanda), falou aos funcionários sobre "O Tratado do Espaço" e, depois, coordenou um debate a respeito.

Ao mesmo tempo, no âmbito dos especialistas, o prof. Hongkyun Shin, do Departamento de Direito Aeronáutico e Direito Espacial da Universidade de Aviação de Hankuk, da Coréia, abordou o tema "O Artigo II do Tratado do Espaço – O Sistema Emergente do Direito de Propriedade no Espaço Exterior", apresentação comentada, a seguir, pelo prof. Setsuko Aoki, da Universidade de Keio, Japão, e pelo advogado Les Tennen, dos EUA. Depois, houve discussão sobre o problema.

No quarto e último dia, em sessão conjunta para funcionários e especialistas, o prof. V. S. Mani, da Universidade Jawaharlal Nehru, da Índia, proferiu palestra sobre "O Acordo de Salvamento", igualmente seguida de debate.

Todos os participantes, reunidos sob a condução do prof. Vladimir Kopal, presidente do Subcomitê Jurídico do Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS), cumpriram duas tarefas:

1) Ouviram e debateram os breves relatórios dos coordenadores e presidentes das sessões realizadas, com propostas para constarem do documento final "Observações e Recomendações do Workshop"; e

2) Discutiram e aprovaram o documento final.

Destaques

Eis alguns fatos e idéias registrados no 2º Workshop que podem ser de interesse para o Brasil.

# Wenjuan Yin, do Departamento de Tratados e Direito do Ministério de Relações Exteriores da China, assim descreveu as ações de seu país para regulamentar internamente as atividades espaciais:

"Os esforços no campo da legislação espacial doméstica tiveram início em 1994. Mas um trabalho mais amplo na matéria só despontou em 1998, quando o Governo chinês promoveu a reforma do sistema de administração da indústria. A Administração Espacial Nacional da China (CNSA), a autoridade competente para atividades espaciais industriais e civis, é responsável pela preparação da legislação espacial, a formulação de políticas tecnológicas e industriais na área espacial, a elaboração de planos para o desenvolvimento espacial e o estabelecimentos de normas neste setor.

Visando implementar os tratados de Direito Espacial de que a China é parte, a CNSA, junto com outras agências governamentais interessadas, promoveu estudos sobre a legislação de Direito Espacial no país, por meio dos quais um marco regulatório geral e um regime jurídico eficaz serão estabelecidos.

A legislação espacial está entre as mais altas prioridades na agenda da CNSA. Uma força-tarefa especial foi criada com esse propósito, reunindo a competência de professores de Direito Espacial, de especialistas de agências governamentais do setor, bem como de pessoas das indústrias espaciais e afins. Ao mesmo tempo, alguns regulamentos institucionais ou simples diretivas foram elaborados, como os Dispositivos e Procedimentos sobre o Registro de Objetos Espaciais; os Dispositivos Provisórios sobre o Licenciamento de Projetos de Lançamentos Espaciais Civis; bem como a Regulamentação Provisória sobre a Responsabilidade por Danos Causados por Objetos Espaciais.

Os Dispositivos e Procedimentos para o Registro de Objetos Espaciais foram proclamados como um regulamento institucional, em 8 de fevereiro de 2001, e entraram em vigor naquele mesmo dia.

Sobre o licenciamento de lançamentos espaciais civis, a China adotou Dispositivos Provisórios em 21 de novembro de 2002. A Regulamentação Provisória sobre a Responsabilidade por Danos Causados por Objetos Espaciais foi colocada na agenda deste ano."

# O prof. C. Jayaraj, secretário-geral da Sociedade de Direito Internacional da Índia, enfatizou que seu país necessita adotar uma legislação espacial abrangente:

"A Índia pode enfrentar problemas de responsabilidade internacional por não cumprir ou violar suas obrigações segundo as convenções internacionais e problemas de responsabilidade civil por atos não proibidos pelo Direito Internacional. A Índia não tem legislação doméstica para lidar com as conseqüências de suas obrigações internacionais e nacionais. A Índia está envolvida com processos de privatização e globalização. A própria ISRO (Organização de Pesquisas Espaciais da Índia) está querendo privatizar algumas de suas atividades, enquanto a empresa Antrix Corporation está engajada no comércio. Isso introduz problemas legais de responsabilidade civil e de indenização por danos e perdas causados por objetos espaciais, bem como de registro e de seguro de objetos espaciais, de procedimentos e fóruns para a solução de litígios, etc. É, sem dúvida, surpreendente que a Índia, como nação ativa e avançada em programas espaciais, não tenha adotado uma legislação que regule as atividades espaciais realizadas por nacionais do país e por corporações dentro do território indiano. (…) … já está na hora de os parlamentares contemplarem a necessidade de ampla legislação espacial."

# Vale detalhar o debate sobre o Artigo II do Tratado do Espaço, pelo qual "O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio".

Em longa exposição sobre "O sistema emergente de Direito de Propriedade no Espaço Exterior", o prof. Hongkyun Shin, da Coréia, defendeu a prevalência da legislação doméstica sobre a internacional na matéria. Segundo ele, "na ausência de uma definição legal sobre o espaço exterior, o princípio da não-apropriação está destinado a uma amplitude e a uma aplicação mais estreitas". A seu ver, "o Artigo II não constitui base firme e estável para obrigar a legislação doméstica dos Estados-Partes a adotar a regra da não-apropriação" e que "como a questão da propriedade, inclusive o status sobre partes do espaço exterior, é tratada no contexto da legislação doméstica, foi permitido o direito de uso". O jurista coreano acrescentou ainda que "a legislação doméstica assumiu o papel de pavimentar o caminho para o regime do direito de uso". Nos "pontos para discussão", ele levantou a hipótese de que "uma empresa privada planeja explorar recursos naturais encontrados na Lua e vender seu produto a clientes na Terra", e fez três afirmativas: (1) "o direito da empresa vender é dado pelo Direito Civil e Comercial de seu país de registro (produto nada mais é que commodities no mercado)"; (2) "O lançamento das instalações (da empresa) deve ser autorizado pelo Estado lançador"; e (3) "As comunicações com as instalações na Lua são protegidas pelas normas da União Internacional de Telecomunicações". E mais: "O plano (da empresa) só pode ser considerado ilegal se proibido no nível nacional".

Comentando o texto do prof. Hongkyun Shin, o prof. Setsuko Aoki, da Universidade de Keio, Japão, concluiu que os corpos celestes não podem ser objetos de apropriação por Estados e não-Estados, ou seja empresas privadas; que "há direitos de propriedade sobre recursos naturais (depois de retirados e não mais "in place")"; que se trata de "direitos exclusivos de uso e não direitos de propriedade" e que o princípio do "uso equitativo" deve ser levado em consideração.

Já o advogado norte-americano Leslie I. Tennen, membro do Instituto Internacional de Direito Espacial, também comentando as teses do prof. Hongkyun Shin, salientou que "Os Estados não têm competência para autorizar seus nacionais, ou outras entidades sujeitas à sua jurisdição, a se envolverem em ações proibidas pelo Direito Internacional positivo para os próprios Estados".

A seu ver, "o reconhecimento pelo Estado das reivindicações de seus nacionais por propriedade extraterritorial constitui apropriação ‘por outros meios’, proibida pelo Artigo II, não importa o rótulo eufemístico utilizado para encobrir o óbvio."

Afirmando que revogar o Artigo II "seria contraprodutivo para os interesses da comercialização do espaço", ele lançou uma hipótese: "Se o princípio da não-apropriação fosse revogado e sua aplicação eliminada, qual seria a situação? Acaso não haveria uma ‘corrida espacial’ dado o claro registro de que os tesouros celestes estão abertos e disponíveis para serem arrebatados pelo mais rápido ou pelo mais forte?"

Tennen ainda acrescentou: "Nada haveria a impedir os Estados de reivindicar uma área impondo tributação substancial em forma de taxas, royalties, impostos, emolumentos de leilão e outros encargos para a aquisição de direitos de propriedade por entidades privadas com vistas ao uso da área e de seus recursos no solo ou subsolo, inclusive onde as reivindicações se sobrepusessem. Se a ‘apropriação privada’ fosse sancionada, separada e independente das reivindicações dos Estados, a situação seria ainda mais sombria e confusa. A propriedade privada com direitos ilimitados sobre bens celestiais adicionaria um fator significativo nos custos de gerenciar os empreendimentos. Isto é, a competência de todos os Estados de explorar e usar áreas ou o subsolo dos corpos celestes, garantida pelo Corpus Iuris Spatialis, não seria mais um direito assegurado pelo Artigo I do Tratado do Espaço, mas uma commodity disponível apenas para os licitantes com lances mais altos. Os monopólios e outras práticas avessas à concorrência limitariam ao invés de ampliar a comercialização do espaço." Daí sua convicção de que "não pode haver dúvida de que a doutrina da não-apropriação, lavrada no Artigo II, promove tanto atividades públicas quanto privadas no espaço, e contribui para manter um ambiente acessível, estável e pacífico".

A maioria dos especialistas presentes apoiou as posições do advogado norte-americano, que foi muito cumprimentado após sua exposição. Para eles, as empresas interessadas em usar recursos espaciais precisam, sim, da autorização do Estado respectivo, como ficou registrado no documento final do Workshop.

# O documento final assinala que "os Tratados das Nações Unidas sobre Espaço Exterior, considerados pelo Workshop, tomados em conjunto, oferecem um marco jurídico abrangente para a exploração e uso do espaço exterior".

Observe-se a expressão "os Tratados das Nações Unidas sobre Espaço Exterior, considerados pelo Workshop". Foi a solução de compromisso encontrada ante a proposta de representantes dos EUA de introduzir o termo "the core treaties" ("os Tratados principais"). A intenção dos proponentes era deixar clara a idéia de que a referência no documento não incluía o Acordo da Lua, que, como se sabe, o Governo dos EUA não aceita em hipótese alguma. Ou seja, eles recusavam a frase original – "os Tratados da ONU sobre Espaço Exterior, tomados em conjunto, oferecem um marco jurídico abrangente para a exploração e uso do espaço exterior –, pois ela abarcaria também o Acordo da Lua". Daí a sugestão de alijar esse acordo ressaltando que se tratava dos "tratados principais" e, não, portanto, de todos.

A proposta não foi aceita e logo procurou-se uma fórmula de atendê-la sem discriminar, mesmo discretamente, o Acordo da Lua. A solução de compromisso veio com as palavras "tratados considerados pelo Workshop", já que, de fato, o Acordo da Lua não constou da programação oficial do evento, embora tenha sido lembrado inúmeras vezes durante o debate sobre o Artigo II do Tratado do Espaço (princípio da não-apropriação) e o direito de propriedade no espaço, com relação ao qual os recursos da Lua não poderiam deixar de aparecer.

A solução satisfez a gregos e troianos, e foi assim lavrada no documento final. Ainda assim, ela permanece polêmica, pois pode ter aberto um precedente significativo na tradicional e firme posição da ONU e de seus órgãos de sempre considerarem os "cinco tratados" (o que inclui o Acordo da Lua) elaborados e aprovados no COPUOS e na Assembléia Geral das Nações Unidas.

Cabe recuperar os próprios objetivos do 2º Workshop, que, aliás, nortearam a criação e implementação de toda essa série de encontros:

"a) Promover a compreensão, a aceitação e a implementação dos Tratados e Princípios das Nações Unidas sobre espaço exterior, especialmente na região da Ásia e do Pacífico; e

b) Discutir a implementação dos Tratados das Nações Unidas sobre espaço exterior no nível nacional…"

É evidente que, aqui, se tem em vista todos os tratados, sem nenhuma exclusão.

Fica, então, a pergunta: Será que a solução de compromisso se harmoniza com tais objetivos?

Observações e Conclusões

Eis, na íntegra, o texto em inglês das "Observações e Conclusões do Workshop" da Coréia:

Observations and Conclusions of the Workshop on Space Law

United Nations Treaties and Principles on Outer Space

a) The United Nations Outer Space Treaties considered by the workshop, taken together, provide a comprehensive legal framework for the exploration and use of outer space.

b) The United Nations Principles address important specific space activities and are available for considering the ongoing development of space law.

The Outer Space Treaty

a) The workshop noted that the Outer Space Treaty, in particular articles VI, VII and VIII, strongly suggests to States to consider establishing national space legislation in particular where private entities become involved.

b) The workshop encouraged States to authorize and provide continuing supervision for national space activities by way of national legislation or any other means in order to ensure that national activities are carried out in conformity with the provisions of the Outer Space Treaty.

c) With reference to article VI of the Treaty, the workshop noted that the concept of ‘international responsibility’ was broader than ‘State responsibility’ and included all acts and not only wrongful acts.

d) With reference to Article II of the Treaty, the workshop agreed that the principle of non-appropriation remains fully valid and vital.

e) The workshop noted the existence of divergent views as to whether, and if so, to what extent, the use of resources by private entities requires specific authorization under article VI of the Outer Space Treaty. Many legal specialists are of the view that authorization by the appropriate State Party is always required. Others are of the view that no specific authorization is required and that any breach of obligations under the Outer Space Treaty would be a matter to be resolved between the private entity and the State Party. Nevertheless the State Party would have the international responsibility for any breach of the private entity.

f) The workshop agreed that the use of resources by any private entity, whether or not specifically authorized, did not impute ownership of territory or resources in situ.

g) The workshop agreed that elaboration of an appropriate legal framework could encourage and facilitate the private use of space resources in ways that would be fully consistent with the principles of articles I, II, III and VI of the Outer Space Treaty.

Rescue Agreement

a) The workshop noted that some States not party to the Rescue Agreement had nevertheless provided information to the Secretary-General of the United Nations on objects discovered in their territory. The workshop welcomed such notifications and agreed that other States that had not yet become parties to the Rescue Agreement should be encouraged to provide information on objects discovered on their territory in accordance with the provisions of the Agreement. The workshop discussed whether the continued provision of information by States not parties to the Agreement could lead to the conclusion that the notification provisions of article V of the Rescue Agreement had become customary international law.

b) The workshop noted that under the Rescue Agreement ‘territory under the jurisdiction of a Contracting State’ should include maritime zones under the territorial sovereignty
of a state.

c) The workshop noted that while the Rescue Agreement provided that the launching authority shall bear the expenses of a Contracting Party in relation to fulfilling its obligations to recover a space object and to return a space object, there was no such equivalent provision for the rescue and return of astronauts.

d) The workshop agreed that it was desirable for a launching authority to provide, advance information to the greatest extent possible, to States concerned and the UN Secretary General on objects that are [of a hazardous nature and] returning to Earth, in particular those of a potentially hazardous nature. The workshop noted that such information could be provided under article IV of the Registration Convention which provides that the "State of registry may, from time to time, provide the Secretary-General of the United Nations with additional information concerning a space object carried on its registry".

e) The workshop noted that States may wish to consider elaborating the principle of providing assistance for rescue of astronauts in outer space as set out in article V of the Outer Space Treaty.

f) The workshop agreed that the term ‘personnel of a spacecraft’ employed in the Agreement should be construed to encompass all persons on board a spacecraft.

g) The workshop noted that non-registration of a spacecraft under the Registration Convention was no impediment to the implementation of the Rescue Agreement with respect to such a spacecraft.

The Liability Convention

a) The workshop noted that the changing nature of space activities, in particular the commercialization of outer space, had presented new challenges to the Liability Convention.

b) The workshop noted that the application of the concept of fault could be problematic in cases of damage to space objects in outer space where control of a space object was transferred from one State to another.

c) The workshop noted that while the Liability Convention clearly provided for direct damage to be compensated, indirect damage could only be claimed if a clear link between the space activity and the damage could be established. The workshop noted the view
that it was doubtful whether "moral" damages could be claimed.

d) The workshop noted that while the Liability Convention provided for the option of a non-binding Claims Commission award there would nevertheless be a strong impetus for the State concerned to honour such an award.

The Registration Convention

a) The workshop noted that the Convention was useful both for space-faring and non-space faring States, provided that timely, complete and up-to-date information was furnished by the State of Registry.

b) The workshop noted that effective national regulations and prompt and complete reporting on space objects launched on the national registry by the States concerned could further increase the effectiveness of the Convention.

c) The workshop noted that a State’s liability did not depend on whether or not that State registered a space object in accordance with the provisions of the Registration Convention.

d) The workshop noted that the Registration Convention does not provide for the transfer of control and supervision from the State of Registry to another State.

e) The workshop noted that any questions arising from the transfer of a space object from one State to another could possibly be addressed by interpretation or application of the Registration Convention in such a manner as to enable the transferee to register a space object.

Conclusion

The workshop agreed that the United Nations Outer Space Treaties considered by it offered numerous benefits and that States are encouraged to ratify them.

"Observações e Conclusões do Workshop sobre Direito Espacial

Tratados e Princípios das Nações Unidas sobre Espaço Exterior

a) Os Tratados das Nações Unidas sobre Espaço Exterior, considerados pelo Workshop, tomados em conjunto, oferecem um marco jurídico abrangente para a exploração e uso do espaço exterior.

b) Os Princípios das Nações Unidas tratam de importantes atividades espaciais específicas e estão disponíveis para consideração no processo em curso de desenvolvimento do Direito Espacial.

Tratado do Espaço

a) O Workshop notou que o Tratado do Espaço, especialmente em seus Artigos VI, VII e VIII, sugere fortemente aos Estados que considerem o estabelecimento de legislação espacial nacional, em particular quando entidades privadas estiverem envolvidas.

b) O Workshop estimulou os Estados a autorizarem e promoverem supervisão contínua sobre as atividades espaciais nacionais por meio de legislação nacional e por qualquer outro meio, com o objetivo de assegurar que as atividades nacionais sejam realizadas em conformidade com os dispositivos do Tratado do Espaço.

c) Com referência ao artigo VI do Tratado, o Workshop assinalou que o conceito de "responsabilidade internacional" é mais amplo do que o de "Responsabilidade do Estado" e inclui todos os atos e não apenas os atos ilegais.

d) Com referência ao Artigo II do Tratado, o Workshop concordou que o princípio da não-apropriação permanece inteiramente válido e vital.

e) O Workshop notou a existência de opiniões divergentes sobre se e em que medida o uso de recursos requer autorização específica, por força do Artigo VI do Tratado do Espaço. Muitos especialistas entendem que a autorização pelo componente Estado-Parte é sempre necessária. Outros são de opinião de que não se requer nenhuma autorização específica e que qualquer violação das obrigações fixadas pelo Tratado do Espaço seria uma questão a ser resolvida entre a entidade privada e o Estado-Parte. Entretanto, o Estado-Parte arcaria com a responsabilidade internacional por qualquer violação cometida pela entidade privada.

f) O Workshop concordou em que o uso de recursos por qualquer entidade privada, especificamente autorizada ou não, não confere propriedade sobre o território ou sobre os recursos in situ.

g) O Workshop concordou em que a elaboração de um marco jurídico apropriado poderia estimular e facilitar o uso privado dos recursos espaciais de modo inteiramente consistente com os princípios dos Artigos I, II e VI do Tratado do Espaço.

Acordo sobre Salvamento

a) O Workshop notou que alguns Estados não Partes do Acordo sobre Salvamento fornecem, não obstante, informações ao Secretário Geral das Nações Unidas sobre objetos descobertos em seu território. O Workshop saudou tais notificações e concordou em que outros Estados, ainda não Partes do Acordo sobre Salvamento, devem ser estimulados a fornecer informações sobre objetos espaciais descobertos em seu território, em conformidade com as normas do Acordo. O Workshop discutiu se o contínuo fornecimento de informações por Estados não Partes do Acordo pode levar à conclusão de que os dispositivos sobre notificação do Artigo V do Acordo sobre Salvamento tornaram-se um Costume de Direito Internacional.

b) O Workshop notou que, pelo Acordo sobre Salvamento, "o território sob a jurisdição do Parte contratante" deve incluir as zonas marítimas submetidas à soberania territorial do Estado.

c) O workshop notou que, se o Acordo sobre Salvamento dispõe que a autoridade de lançamento arcará com as despesas da Parte Contratante em relação ao cumprimento de suas obrigações de recuperar o objeto espacial e devolvê-lo, não há um dispositivo equivalente para o salvamento e retorno de astronautas.

d) O Workshop concordou em que é desejável que a autoridade de lançamento forneça, na maior extensão possível, informações antecipadas aos Estados envolvidos e ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas sobre os objetos que retornam à Terra, em particular aqueles de natureza especialmente perigosa. O Workshop notou que essas informações poderiam ser fornecidas, de acordo com o Artigo IV da Convenção de Registro, o qual dispõe que "Cada Estado de registro poderá fornecer, de tempos em tempos, ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas informações adicionais sobre um objeto espacial inscrito em seu registro".

e) O Workshop notou que os Estados podem querer considerar a elaboração do princípio da prestação de assistência para salvamento de astronautas no espaço exterior, como reza o Artigo V do Tratado do Espaço.

f) O Workshop concordou em que o termo "pessoal de uma nave espacial" utilizado no Acordo sobre Salvamento deve ser concebido de modo a incluir todas as pessoas a bordo de uma nave espacial.

g) O Workshop notou que o não-registro de uma nave espacial em conformidade com a Convenção de Registro não é impedimento para se aplicar o Acordo sobre Salvamento em relação a essa nave espacial.

Convenção de Responsabilidade

a) O Workshop notou que as mudanças nas atividades espaciais, em particular a comercialização do espaço exterior, apresentam novos desafios à Convenção de Responsabilidade.

b) O Workshop notou que a aplicação do conceito de culpa pode ser problemático em casos de dano a objetos espaciais no espaço exterior quando o controle de um objeto espacial foi transferido de um Estado para outro.

c) O Workshop notou que, enquanto a Convenção de Responsabilidade dispõe que o dano direto deve ser compensado, o dano indireto poderia ser reclamado apenas se clara vinculação entre a atividade espacial e o dano puder ser reclamada.

d) O Workshop notou que enquanto a Convenção de Responsabilidade permite a opção por uma Comissão de Reclamação com sentença não-obrigatória, há, entretanto, forte incentivo para que o Estado envolvido honre tal sentença.

Convenção de Registro

a) O Workshop notou que a Convenção é útil tanto para os países que realizam atividades espaciais quanto para os que não realizam, desde que o Estado de Registro forneça informação pronta, completa e atualizada.

b) O Workshop notou que a regulamentação nacional efetiva e a inscrição imediata e completa no registro nacional pelos Estados envolvidos sobre o objeto espacial lançado poderão aumentar ainda mais a eficácia da Convenção.

c) O Workshop notou que a responsabilidade civil do Estado (liability) não depende do fato de ter ele registrado ou não o objeto espacial, segundo os dispositivos da Convenção de Registro.

d) O Workshop notou que a Convenção de Registro não dispõe sobre a transferência de controle e supervisão de um Estado de Registro para outro Estado.

e) O Workshop notou que todas as questões levantadas pela transferência de um objeto espacial de um Estado para outro podem ser tratadas pela interpretação ou pela aplicação da Convenção de Registro de tal maneira que habilite o Estado ao qual o objeto espacial foi transferido a registrá-lo.

Conclusão

O Workshop concordou em que os Tratados das Nações Unidas sobre Espaço Exterior considerados por ele oferecem numerosos benefícios e que os Estados devem ser estimulados a ratificá-los.

 * Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA), membro da Diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro da Academia Internacional de Astronáutica e do Comitê Espacial da International Law Association (ILA). Esteve presente, representando a SBDA, nos dois Workshops sobre Direito Espacial, promovidos pelo Escritório da ONU para Assuntos do Espaço Exterior, na Holanda e na Coréia, respectivamente em 2002 e 2003. [Volta]

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