Revista da SBDA
Direito Aeronáutico e Direito Espacial

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Os Contratos de "Dry Lease" e "Wet Lease"

Ricardo Bernardi *

Introdução

Pretende-se, nesse breve texto, analisar alguns relevantes aspectos jurídicos decorrentes dos chamados contratos de "dry lease" e "wet lease". Com o objetivo de evitar excessiva generalidade e, portanto, para possibilitar o alcance de conclusões objetivas a partir deste texto, daremos ênfase às mencionadas modalidades contratuais inseridas no âmbito do transporte aéreo regular internacional. Dessa forma, a análise leva em conta o regime jurídico implementado a partir do sistema dos tratados bilaterais em matéria de aviação civil dos quais o Brasil é signatário.

Conceitos: "wet lease" e "dry lease"

A tradução literal para o português das expressões "wet lease" e "dry lease" nos proporcionaria terminologia inadequada, desprovida de sentido, razão pela qual utilizaremos a terminologia na língua inglesa. "Dry lease" é entendido como um contrato celebrado entre duas companhias aéreas e que tem como objeto uma locação de aeronave. A obrigação principal da companhia locadora é simplesmente dar a aeronave em locação, devendo a locatária providenciar tripulação assim como cuidar da manutenção da aeronave, entre outros aspectos, e exercer sobre ela o controle operacional. Já o "wet lease" é entendido como um contrato, também celebrado entre duas companhias aéreas, que tem como objeto uma locação de aeronave acompanhada de tripulação. Neste caso, a obrigação da companhia aérea locadora, além de dar a aeronave em locação, abrange também o fornecimento da tripulação que conduzirá a aeronave e a responsabilidade pela sua manutenção, entre outros aspectos. Nesta hipótese, cabe à locadora e não à locatária o controle operacional sobre a aeronave.

Como ponto em comum entre o "dry lease" e o "wet lease" destaca-se o fato das partes serem companhias aéreas. Este aspecto comum entre as referidas modalidades contratuais é o elemento diferenciador com relação a outros contratos do mesmo gênero (locação), mas de espécies distintas, como é o caso do "leasing financeiro" ou arrendamento mercantil financeiro e do "leasing operacional" ou arrendamento operacional. Sem qualquer aprofundamento na análise destas duas modalidades contratuais e apenas para proporcionar um breve cotejo, vale mencionar que no "leasing financeiro" o locador é uma instituição financeira e o locatário pode ser uma empresa aérea ou não. O leasing financeiro mais se assemelha a um financiamento, muito embora mantenha as características jurídicas de uma locação, com opção de compra do bem. Já o "leasing operacional" é normalmente celebrado entre o fabricante da aeronave e o locatário, que pode ser uma companhia aérea ou não, e se consubstancia em uma locação, sem opção de compra.

Controle operacional

Controle operacional equivale ao controle físico sobre a aeronave, envolvendo o dever de providenciar e dirigir a tripulação assim como a manutenção do equipamento, entre outros aspectos. Não se confunde, portanto, com os direitos de tráfego, que tem relação com a autoridade econômica para a prestação dos serviços de transporte aéreo que, no caso de companhias aéreas estrangeiras, depende de designação do governo em que está sediada e autorização da autoridade aeronáutica brasileira, nos termos do disposto no artigo 212 e seguintes da Lei 7.565/86. Apenas empresas nacionais designadas ou estrangeiras designadas e autorizadas é que poderão prestar serviços de transporte aéreo internacional envolvendo pontos no território nacional e, neste sentido, vender tais serviços no Brasil nos termos do disposto nos tratados bilaterais sobre aviação civil celebrados entre o Brasil e nações
estrangeiras.

Conforme dispõe o tratado bilateral celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos da América, tomado aqui como exemplo, cada empresa designada poderá, nas operações de serviços autorizados, utilizar as suas próprias aeronaves ou aeronaves que tenham sido arrendadas (ou alugadas), fretadas ou intercambiadas. A partir do exemplo colocado, fica claro que empresas aéreas norte americanas designadas e autorizadas a prestar serviços de transporte aéreo de e para o Brasil nas rotas acordadas podem utilizar, entre outras opções, aeronaves locadas tanto no sistema de "dry lease" como também no sistema de "wet lease". No primeiro caso, como locatárias, passam a deter o controle operacional sobre a aeronave. No segundo, o controle operacional remanesce com o locador.

Isso não quer dizer que, celebrado um contrato de "wet lease", os serviços de transporte aéreo passariam a ser prestados pelo locador. Muito pelo contrário, o locador apenas teria controle operacional sobre a aeronave, responsabilizando-se pela sua condução técnica (providenciando tripulação e manutenção) e não pelos serviços de transporte aéreo. Os serviços de transporte aéreo continuam sendo prestados pela locatária, nos limites previstos no tratado aplicável e sob sua integral responsabilidade, uma vez que a locatária é a empresa aérea designada e não a locadora.

Como exposto, nos contratos de "dry lease", o controle operacional sobre a aeronave é transferido ao locatário, ao passo que nos contratos de "wet lease", o controle operacional remanesce com o locador. Dessa forma, nos contratos de "dry lease", a aeronave deverá ser listada nas especificações operativas da empresa aérea locatária. Por outro lado, nos contatos de "wet lease", a aeronave remanescerá listada nas especificações operativas da companhia locadora que, se exigido pelas autoridades aeronáuticas, deverão ser apresentadas pela companhia aérea locatária, para fins de controle.

Política mundial com relação aos
contratos de "wet lease" e "dry lease"

Conforme preconizado pelo Presidente do Conselho da OACI na sessão de abertura da 5a Conferência Mundial sobre Transporte Aéreo, realizada em Montreal de 24 a 28 de março de 2002, na liberalização do transporte aéreo e integração do sistema de tráfego aéreo global deve haver uma sinergia entre aspectos econômicos e aspectos relativos à navegação aérea baseada na segurança da aviação civil.

Dentre os vários temas de relevância para a aviação civil mundial debatidos nesta Conferência, e também em outras já realizadas, encontram-se os contratos de locação de aeronaves, particularmente de "dry lease" e "wet lease". Em linhas gerais, concluiu-se que tais modalidades de locação trazem relevantes implicações, tanto no âmbito da segurança como também no âmbito econômico. Todavia, preocupações apenas surgem nas hipóteses em que a aeronave alugada estiver registrada em um estado distinto daquele em que está estabelecida a empresa que a utiliza nos serviços comerciais internacionais.

Dessa forma, duas questões relevantes surgem quando se analisam contratos de locação de aeronaves nas modalidades objeto deste artigo: a) questões econômicas e b) questões de segurança; que na realidade apenas surgem como fatores possivelmente limitadores destes contratos quando a aeronave locada for registrada em países distintos daqueles em que estão sediadas as companhias aéreas locatárias.

Nestes termos, conforme discutido na mencionada Conferência, a aprovação de contratos de "dry lease" e "wet lease" deve claramente estabelecer a extensão da responsabilidade das partes contratantes quanto à segurança das operações realizadas com a aeronave. Neste sentido, pode-se afirmar que, tratando-se de "dry-lease", o contrato de locação deve deixar claro que a responsabilidade quanto à manutenção e segurança de vôo cabe à locatária. Por outro lado, no "wet lease", deve ficar claro que a responsabilidade quanto à segurança de vôo e manutenção da aeronave cabe ao locador.

Tratando-se de relações bilaterais, os Estados normalmente permitem locações de aeronaves entre companhias aéreas das duas partes contratantes, enquanto restringem ou não locações, particularmente do tipo "wet lease", que envolvam companhias aéreas de terceiro país. Neste caso, sendo o locador uma companhia estabelecida em terceiro país que não é membro do tratado bilateral em questão, os Estados impõem como condição para a aprovação que as companhias que sejam parte no contrato de locação, tanto locadora como também locatária, tenham direitos de tráfego.

Como resultado das avaliações feitas pelas autoridades de diversos países através dos fóruns proporcionados pela OACI, e tendo como base as práticas acima brevemente resumidas, foram desenvolvidas cláusulas modelo sobre locação de aeronaves entre companhias aéreas. Note-se que as locações do tipo "leasing" financeiro e operacional, entre outras, em que o locador não é uma companhia aérea, não foram objeto de análise, uma vez que partiu-se do pressuposto que tais contratos são mundialmente admitidos por todas as nações. No que se refere ao "dry lease" e ao "wet lease", foram desenvolvidos modelos de cláusulas a serem inseridas em tratados bilaterais, com as seguintes características básicas:

a) Os países contratantes podem proibir o uso de aeronaves alugadas para a prestação de serviços de transporte aéreo desde que não sejam atendidos aos padrões de segurança previstos no tratado.

b) Atendidos os requisitos de segurança, as companhias aéreas de cada parte contratante poderão prestar serviços de transporte aéreo internacional utilizando aeronaves alugadas, através de "dry lease" ou "wet lease", de companhias de quaisquer das partes.

c) Também atendidos os mencionados requisitos de segurança, as companhias aéreas de cada parte contratante poderão prestar serviços de transporte aéreo internacional utilizando aeronaves alugadas, através de contrato de "wet lease", de companhias aéreas sediadas em terceiros países. Neste caso, a aprovação desses contratos apenas ocorrerá se, tanto locadora como também locatária, detiverem as necessárias autorizações. Dependendo de como são acordados os tratados bilaterais, a aprovação apenas se verificará se, em decorrência do contrato, o locador não se beneficiar de direitos de tráfego que, sem este contrato, não poderia exercer.

A partir da análise do tratamento legal conferido no âmbito do transporte aéreo internacional, pode-se verificar que contratos de "dry-lease" e "wet lease" são amplamente admitidos, desde que a companhia aérea locadora e a locatária sejam estabelecidas em quaisquer dos países membros do tratado e desde que observados os requisitos de segurança. Nesta hipótese, a locadora não precisa necessariamente ser a empresa aérea designada, ainda que detenha controle operacional sobre a aeronave, o que ocorre particularmente nos contratos de "wet lease", uma vez que os serviços de transporte aéreo continuam a serem prestados pela locatária, esta sim uma empresa de transporte aéreo designada (e autorizada pela autoridade aeronáutica brasileira, caso estrangeira). Segundo as conclusões a que chegaram os representantes dos diversos países participantes das conferências da OACI, é aconselhável que se criem regras, ou nos tratados ou nas legislações internas dos países, pré-autorizando esses contratos. Por outro lado, especificamente nos contratos de "wet lease", caso a locadora seja uma empresa aérea estabelecida em terceiro país, deverá ser designada detentora de direitos de tráfego, sendo também necessária a obtenção de outras autorizações que se façam necessárias.

Como exemplo, podemos mencionar que, no âmbito do tratado bilateral celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos, as companhias aéreas brasileiras "A" e "B" poderão celebrar entre si contratos de "wet lease". Com base neste contrato, a empresa aérea "A", designada pelas autoridades brasileiras poderá prestar serviços de transporte aéreo para os Estados Unidos da América utilizando as aeronaves da companhia "B", ainda que esta não seja a empresa designada.

Da mesma forma, as empresas aéreas norte americanas "D" e "E" poderão celebrar entre si contratos da mesma natureza para que a empresa "D", designada pelo governo dos Estados Unidos e autorizada a operar no Brasil, preste serviços de transporte aéreo utilizando as aeronaves da companhia aérea "E", ainda que esta não seja uma empresa aérea designada.

Por seu turno, suponhamos que a companhia aérea "D" celebre um contrato de "wet lease" para alugar uma aeronave da companhia "X" e que "X" seja uma empresa aérea sediada em terceiro país que não o Brasil ou os Estados Unidos. Neste caso, o contrato apenas poderia ser aprovado se "X" for uma empresa designada, e portanto, detiver direitos de tráfego para o Brasil, sem prejuízo de qualquer outra autorização exigida pelo governo brasileiro.

Feitas estas considerações, parece que é consenso a aceitação de forma cada vez mais ampla de contratos desta natureza na medida que viabilizam o desenvolvimento do setor do transporte aéreo, o qual, em decorrência da crise por que passa, necessita deste e de outros mecanismos que o tornem, acima de tudo, viável.

Conforme relatado na referida Conferência da OACI, o uso de aeronaves alugadas, considerando-se nesta categoria além do "dry lease" e "wet lease" o arrendamento financeiro e operacional, continua a desempenhar papel relevante na prestação dos serviços de transporte aéreo internacional. Nos últimos cinco anos, o número de companhias aéreas regulares que utilizaram aeronaves alugadas aumentou em vinte por cento. Em 2001, 84 % das 532 empresas aéreas prestadoras de serviços de transporte internacional em operação no mundo utilizaram aeronaves alugadas. Mais de 45 % de todas as aeronaves destas companhias são alugadas. Entre 1996 e 2001 o número de aeronaves alugadas de outras companhias aéreas elevou-se em 33 %. A tendência de crescimento de locação de aeronaves continua, o que reflete as vantagens econômicas do aluguel em comparação à compra. O crescimento da utilização destas modalidades de locação para uso de aeronaves acarreta várias conseqüências positivas, inclusive facilitando a entrada de novos concorrentes no mercado, uma vez que colabora para diminuir as barreiras econômicas para tanto, em benefício da concorrência como um todo.

* Professor de Direito Aeronáutico em São Paulo e também nos cursos da SBDA.
Advogado militante em São Paulo e Rio de Janeiro.

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