Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
CAUTELA E CONTRACAUTELA Reis Friede *
Muito embora as normas infraconstitucionais relativas às medidas cautelares, em termos gerais, e às medidas liminares, em termos particulares, disciplinem diversas sanções para os eventuais prejuízos provocados pelo deferimento da providência cautelar - desde que promovida de forma maliciosa ou por erro grosseiro pela parte vindicante -, nem sempre a indenização prevista na lei poderá alcançar a própria irreparabilidade de determinados danos importantes impostos ao requerido/impetrado (ou mesmo a terceiros) pela própria efetivação da medida.
"A concessão de liminar, inúmeras vezes, causa danos a terceiros, atingidos pelos efeitos da medida, o que empenha a obrigação de indenizar, se o
impetrante agiu com culpa (A parte que, maliciosamente, ou por erro grosseiro, promover medida preventiva responderá também pelos prejuí-
zos que causar) - CPC de 1939, art. 688, parágrafo único" (J. Cretella Jr., in Comentários às Leis do Mandado de Segurança, art. 7º, II e III, p. 193).Nesses casos - ou ainda nas situações em que os eventuais prejuízos não são indenizáveis por ausência dos requisitos para tanto -, nem mesmo a chamada caução em garantia ou contracautela, prevista em vários dispositivos da legislação infraconstitucional, especialmente o art. 804 do CPC/73 (e exigida ou não ao sabor do prudente arbítrio do juiz), pode ser indicada como efetiva solução ao problema que, por seu turno, somente poderá ser realmente evitado através da rigorosa observância do anteriormente mencionado requisito indispensável da não-produção do periculum in mora inverso.
"A contracautela não é conditio sine qua non do deferimento da medida liminar e sim providência destinada a evitar o periculum in mora resultante da concessão imediata da providência cautelar. Do contrário, acabariam neutralizados os efeitos das medidas liminares, ou se dificultaria demasiadamente sua concessão (...)" (José Frederico Marques, in Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1976, vol. 4, p. 370).
É evidente, entretanto, que em certas situações a caução, ou contracautela exigida pelo julgador, perfaz-se em providência suficientemente eficaz para afirmar, em última análise, o difícil e almejado equilíbrio cautelar no processo em discussão, garantindo a plena viabilidade do mesmo, no sentido da efetividade final do decisum meritório objetivado; como também é verdade que, em certos casos, o deferimento da medida liminar a uma das partes não possui o condão de impor qualquer ônus excepcional à outra parte, mantendo o desequilíbrio original que se buscava corrigir com a concessão da medida.
(Conforme salienta Galeno Lacerda (in Comentários ao Código de Processo Civil, Das Disposições Gerais - Art. 804, Rio de Janeiro, Forense, ps. 345-346), caução constitui meio genérico de garantia. O Código usa a expressão "caução real ou fidejussória", já empregada pelo Código Civil nos arts. 419 e 729, para abranger as duas espécies destacadas pela doutrina. Como exemplos de caução real, citam-se a hipoteca, o penhor, a anticrese e o depósito de títulos de crédito, equiparável a penhor pelos arts. 789 e segs. do Código Civil, bem como o de outros títulos e valores mercantis. Consideram-se também cauções reais os depósitos judiciais em garantia, feitos em dinheiro ou em outros bens móveis ou imóveis, embora não formalizados em penhor ou hipoteca. As cauções fidejussórias possuem natureza pessoal. Seu exemplo típico é a fiança, mas nelas incluem-se igualmente outros negócios jurídicos de garantia, como a cessão ou promessa de cessão condicional de créditos ou direitos de outra natureza.
Qualquer destas modalidades serve à contracautela, apesar de serem mais comuns e usuais a fiança e o depósito em dinheiro. A jurisprudência tem admitido, também, o depósito de mercadorias e o penhor (RT 500/112 e 114).)Por todas essa razões, é importante entendermos que a própria diversidade das situações não permite uma espécie de "regra geral" que vincule, de forma absoluta, o deferimento da medida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que a produção de uma contracautela necessariamente obrigue o magistrado à concessão da medida liminar vindicada.
"Caução fidejussória ou real é condição que fica a critério do magistrado que concede a liminar, já que o art. 804 do CPC encerra norma meramente facultativa e não imperativa" (Ac. unân. 5.564 da 1ª Câm. do TJPR, de 10.3.87, no agr. 517/86, rel. des. Oto Luiz Sponholz; Adcoas, 1988, nº 116.596)
"Pelo art. 804 do CPC, a prestação de caução é ato que fica a critério do juiz (...)" (Ac. unân. da 1ª Câm. Do TJSC, de 8.11.88, no agr. 4.727, rel. des.
Protásio Leal; Jurisp. Cat. 62/204).«(...) O instituto da caução tem por finalidade evitar o risco de abusos nas medidas cautelares, cuja concessão pertence exclusivamente à discrição do juiz. Assim como a concessão de medida cautelar sem audiência da parte contrária é faculdade que a lei concede ao juiz, da mesma forma a exigência de caução, ou dispensa, para a respectiva concessão liminar, fica exclusivamente ao arbítrio do magistrado, sem que se possa ter como ofensiva ao direito do interessado uma ou outra solução escolhida pelo julgador.(...)
Desde que conscientizado da existência do bom direito em favor do autor e inexistindo risco de lesão grave e de difícil reparação, pode o juiz dispensar a caução, sem que sua decisão implique ofensa, ao direito da parte contrária" (do voto do juiz Ney Paolinelli, rel. do ac. unân. da 3ª Câm. do TAMG, de 25.11.86, no agr. 5.002; RJTAMG 29/73)
"A providência estabelecida no art. 804 do CPC, como contracautela eventual, representa mera faculdade atribuída ao julgador, a quem se reserva, no exame de cada caso concreto, prudência e discrição na avaliação da sua necessidade. O fato de o Código estabelecer a obrigação de indenizar por parte dos que sucumbirem nas medidas cautelares quando a execução destas possa cau sar prejuízo aos requeridos - art. 811, do CPC - não implica, necessariamente, no dever de o juiz sempre determinar a prestação de caução pelos respectivos requerentes" (Ac. unân. da 4ª Câm. do 1º TACivSP, de 28.5.86, no agr. 357/84, rel. juiz José Bedran; JTACivSP 99/16)
É importante registrar, no entanto, que uma parcela minoritária da doutrina, e especialmente da jurisprudência, tem entendido de forma diversa, no sentido da absoluta vinculação do magistrado ao deferimento automático da medida liminar pretendida quando efetivado ou mesmo simplesmente requerido o depósito integral do quantum em discussão. Algumas decisões judiciais de 2ª instância chegaram até mesmo a admitir que o depósito do valor de um eventual tributo, objeto de possível discussão judicial, é um direito efetivo do autor que, inclusive, independe de medida cautelar.
"O ato judicial que nega o depósito preparatório, para discussão do débito, além de violar o disposto no art. 151, II, do CTN, submete a parte ao
risco da execução fiscal que ela pretende evitar. Não havendo prejuízo para o Fisco com o depósito da importância, que afinal lhe será entregue,
devidamente corrigido, caso vença a demanda, impõe-se a concessão da segurança para que seja expedida a guia do depósito." (MS 89.02.13214-5/
RJ - rel. des. Fed. Clério Erthal).Não podemos deixar de registrar, por outro lado, que há entre nós aqueles que simplesmente defendem a doutrina segundo a qual - presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris (ainda que ausentes os demais pressupostos da relevância do fundamento do pedido e da não-produção do denominado periculum in mora inverso e, até mesmo, do requisito previsto no art. 804 do CPC (no caso de ação cautelar)) - não poderá o magistrado exigir qualquer tipo de caução, por tal prática poder vir a neutralizar o objeto da cautela, considerando que "somente aqueles que tivessem situação econômica e financeira estável poderiam obstar o risco objeto último da tutela cautelar", além de genericamente alegarem que "o depósito de valores (para efeitos de caução), por não possuir expressa previsão legal, desvirtuaria o próprio espírito da lei relativa às medidas liminares e demais providências de natureza cautelar" (cf. a respeito Celso Agrícola Barbi, 1987, ps. 214-215; Celso Antônio Bandeira de Mello e Lúcia Valle Figueiredo et al., in Curso de Mandado de Segurança, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 110).
(Entendemos, data maxima venia, que os autores que sustentam este ponto de vista (posição minoritária na doutrina e na jurisprudência) cometem o erro de entender, de forma restritiva, o conceito amplo de cautela. Como já afirmamos - amparados na doutrina de Galeno Lacerda - "caução constitui meio genérico de garantia" que, por esta razão, transcende ao aspecto puramente financeiro. Por outro lado, em sendo genérico, também permite a modalidade de depósito do quantum em discussão até o julgamento do mérito como é, inclusive, uma praxe na Justiça Federal.)
* Mestre e Doutor em Direito, é Magistrado Federal, ex-Membro do Ministério Público. [Volta]