Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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O SENSORIAMENTO REMOTO E SUA REGULAMENTAÇÃO

Raimundo Mussi  *

 

I – Introdução

Desde o início das atividades espaciais, o sensoriamento remoto se figurava como um dos mais promissores usos da tecnologia espacial.

Certamente, o uso do espaço para estabelecer enlaces de telecomunicações de grandes distâncias foi o que apresentou maior crescimento nos últimos anos, e está arraigado ao
dia-a-dia, em todo o globo terrestre, mesmo sem que perceba a maioria da população.

Entretanto, o sensoriamento remoto ocupa o segundo lugar na importância do uso do espaço, logo após as telecomunicações. Observa-se, inclusive, que esse segmento dos
produtos espaciais vem, ultimamente, apresentando significativo crescimento.

Esse crescimento é devido, fundamentalmente, a dois fatores: a disponibilização de imagens de alta resolução, ou seja de maior precisão e riqueza de detalhes; e pela ampla oferta de imagens, inclusive pela Internet.

Essa oferta de imagens de qualidade, por sua vez, vem ampliando emprego, tanto quantitativo, quanto em novas aplicações como, por exemplo, no gerenciamento do solo. E a tendência desse conjunto oferta/demanda de imagens geradas por satélites, é de crescimento constante. Tal fato tem estimulado a formação de sistemas de satélites de sensoriamento remoto exclusivamente com fins comerciais.

Esse quadro caracteriza claramente a necessidade de uma regulamentação que ordene adequadamente o emprego do sensoriamento remoto, visando principalmente a utilizá-lo como uma ferramenta para o desenvolvimento sócio-econômico, resguardando a soberania dos países que são sensoriados por terceiros.

Mas, por suas próprias características, o sensoriamento apresenta obstáculos aos métodos clássicos de regulamentação.

Nessa rápida exposição, procurar-se-á apresentar a situação atual e prospectiva da regulamentação relativa ao sensoriamento remoto no escopo das Nações Unidas, dos
Estados Unidos e do Brasil.

II - Conceituação do Sensoriamento Remoto

Não é meu propósito apresentar com maior detalhe as tecnologias associadas ao sensoriamento remoto. Para os interessados nesse aspecto há uma vasta literatura disponível, da qual saliento o livro "Fundamentos do Sensoriamento Remoto", do colega pesquisador do INPE, Dr. Mauricio Alves Moreira, que, para sua leitura e entendimento, exige apenas a matemática aprendida no segundo grau.

Entretanto, para que o sensoriamento remoto possa ser adequadamente regulamentado é preciso que alguns de seus aspetos tecnológicos sejam conhecidos.

Primeiramente, teremos de especificar o que seja o sensoriamento remoto, pois caso contrário não há como poder regulamentá-lo.

Tentar definir precisamente o que é o sensoriamento remoto é uma tarefa hercúlea, e sem garantia de êxito. Podemos, entretanto, conceituá-lo de forma genérica como: " A coleta e a medida de uma grandeza física irradiada, feita por instrumentos embarcados em um veículo espacial, compreendendo o armazenamento dos dados obtidos, sua transmissão para o solo, seu processamento e o uso da informação decorrente.

Porém, no que concerne a sua regulamentação, o sensoriamento remoto pode ser conceituado da forma mais restrita: "O conjunto de ações para, utilizando instrumentos embarcados em satélites artificiais, obter informações sobre o meio ambiente terrestre, seus recursos naturais, o homem, e as ações e produtos antropogênicos".

Para efeitos desta exposição tomar-se-á exclusivamente esse conceito restrito de sensoriamento remoto.

Como foi visto, o sensoriamento remoto está fundamentado em medições que são tomadas por instrumentos embarcados. Esses instrumentos são denominados "sensores".

Os sensores, entre outras classificações, podem ser denominados de passivos ou ativos. São passivos aqueles que dependem exclusivamente de fontes externas de radiação, entre os quais se destacam as câmeras; são ativos os que geram a radiação que será medida por reflexão, entre os quais se destaca o radar. De forma simplória poder-se-ia comparar um sensor passivo a uma câmara fotográfica e um sensor ativo, a mesma máquina com um "flash".

‘Os sensores também podem ser classificados pela banda, ou seja, a faixa da freqüência da radiação para qual foram construídos. Assim, teremos sensores para bandas visual, infravermelho, termal, etc.

O sensoriamento remoto também pode ser classificado quanto ao seu produto. Nesse segmento, as classificação pode ser por: resolução espectral, ou seja a menor diferença de frequência que pode ser detectada; ou por resolução espacial, ou seja a menor porção do terreno que pode ser individualmente identificada. Há uma terceira resolução, que não depende dos sensores e sim do satélite, é a resolução temporal, que é o período de passagem do satélite sobre o mesmo ponto do globo terrestre.

III - Estado da Arte

Nos últimos anos, imagens de alta resolução, que eram exclusivamente para uso militar, passaram a ser amplamente disponibilizadas. Entretanto, ainda existem diferenças entre os produtos de mercado e os de uso militar.

Nesta exposição, por razões óbvias, nos ateremos aos produtos disponíveis para uso pacífico.

No Brasil, atualmente, é possível obter imagens de praticamente todos sistemas comercialmente disponíveis. O acesso a essas imagens, sempre em bases comerciais, em alguns casos pode ser feita por intermédio do INPE e, nos demais pelos representantes do sistema no Brasil ou pela Internet.

O INPE recebe diretamente sinais de satélites de sensoriamento remoto, processa esses sinais e disponibiliza imagens para usuários. Atualmente são disponíveis imagens dos seguintes sistemas:

- LANDSAT 7 - imagens em oito bandas - seis variando o comprimento de onda de 0,45 a 2,35 µm, uma termal e outra pancromáticas com resoluções espaciais de 60 a 15 m.

- LANDSAT 5 - imagens em sete bandas - seis variando de comprimento de onda de 0,45 a 2,35 µm e uma termal - com resolução espacial de 120 a 30m.

- CBERS - (satélite sino-brasileiro de recursos terrestres) - imagens procedentes de três diferentes câmeras, cobrindo seis bandas cujo comprimento de onda varia de 0.45 a 2,35 mm - uma termal e outra pancromática e com resoluções espaciais entre 2,58 a 19,5 m

- SPOT - imagens geradas por três diferente câmeras, uma massa espectral na faixa de 0,61 - 0,68 mm e duas multiespectrais cobrindo os comprimentos de onda de 0,5 a 1,75 mm; e com resoluções espaciais de 10 a 20 m.

Adicionalmente, o INPE, recebe imagens dos sistemas ERS e do Radarsat, esse último como seu próprio nome indica, com sensores ativos.

Os interessados em maior detalhamento dos produtos oferecidos pelo INPE podem consultar o "Manual do Usuário", no "site" www.inpe.gov.br .

Entre os sistemas essencialmente comerciais, salientam-se três. O IRS (Indian Resources Satellite), com resolução espacial de 4 a 5 m, o Ikonos, com resolução espacial de cerca de 1,0 m e o Quick Bird, com resolução espacial de cerca de 61 cm.

Deve ser observado que esses satélites, como os demais de órbita polar, tem uma resolução temporal de cerca de 21 dias, o que, de certo modo, limita o emprego de suas imagens.

Aquisição de imagens geradas por esses satélites podem ser adquiridas via Internet, mas os preços não são convidativos.

IV - A Regulamentação Internacional.

O único instrumento internacional regulatório do sensoriamento remoto é a Resolução 41/65 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, datada de 09 de dezembro de 1986, titulada "Princípios sobre o Sensoriamento Remoto.

Esse documento estabelece 15 (quinze) princípios que devem ser seguidos na execução de atividades de sensoriamento remoto.

Entretanto, por sua redação em termos bastante genéricos e o último princípio estabelecer que qualquer controvérsia deve ser solucionada por procedimentos de negociação, sua aplicabilidade é muito restrita, notoriamente pela diferença de meios que dispõem os países.

Exemplificando: o Princípio IV, que estabelece diretrizes gerais para as atividades de sensoriamento remoto tem como frase final: "Estas atividades (de sensoriamento remoto) não poderão ser efetuadas de modo a prejudicar os direitos e interesses dos Estados sensoriados". Ao divulgar amplamente imagens de países sensoriados, os países sensoriadores não poderiam estar afetando os interesses dos primeiros?

Também, se formos analisar o Princípio XII, que se refere ao acesso dos países sensoriados aos dados coletados sobre seu território, o mínimo que podemos dizer ser "letra morta" pois não é de forma alguma respeitado pelos sensoriadores.

Adicionalmente, observa-se que são boicotadas todas as tentativas nos diversos foros internacionais, principalmente no COPUOS, de qualquer nova regulamentação
sobre sensoriamento remoto, ou mesmo de atualização de Princípios.

Assim, no contexto da regulamentação do sensoriamento remoto não há como esperar, em razoável horizonte, instrumentos eficazes. Em decorrência, caracteriza-se a necessidade da elaboração dos adequados instrumentos legais nacionais.

V - A Regulamentação nos Estados Unidos

Diversamente do contexto internacional, é abundante a regulamentação norte-americana quanto ao sensoriamento remoto. Desde 1992, anualmente, em média, são aprovadas pelo Congresso cerca de 5 (cinco) leis, que de alguma maneira estão relacionadas ao sensoriamento remoto".

A primeira entre as principais leis norte-americanas sobre o sensoriamento remoto é a denominada "Land Remote Sensing Act of 1994". Essa lei, ainda que particularmente dirigida ao sistema Landsat estabelece procedimentos gerais sobre o uso do sensoriamento remoto naquele país.

Nessa lei, deve ser observado que ao estabelecer a política de não discriminação de acesso aos dados coletados pelo sistema Landsat, por um lado, não é feita qualquer referência a participação dos países sensoriados na distribuição dos dados sobre os respectivos territórios, mas, por outro, estabelece que restrições podem ser aplicadas na divulgação de dados por razões de segurança nacional ou política externa, na forma do contido na seção 507 da lei.

Outro aspecto contido na citada lei, em seu Título II, é a regulamentação para o estabelecimento de sistemas privadas de sensoriamento remoto e para o recebimento direto de dados gerados pelo sistema Landsat.

Outra lei norte-americana que deve ser citada é a denominada "Commercial Space Act of 1998", na qual são estabelecidos regras gerais para o uso comercial das diversas formas das atividades espaciais. Como os principais aspectos da comercialização das atividades de sensoriamento remoto já tinham sido tratados na lei anteriormente referida, nesta última é tão somente reforçado o propósito de comercialização dos produtos decorrentes do sensoriamento remoto e determinado ao Secretário de Defesa que em prazo mínimo estabelecesse as condições para o uso privado de sistemas e produtos de sensoriamento remoto.

Vale a pena também citar o projeto de lei, que está em tramitação no Congresso Norte-americano, denominado "Remote Sensing Applications Act of 2001. Essa lei, se aprovada, estabelecerá fonte de recursos para estimular o uso de produtos decorrentes do sensoriamento remoto em bases comerciais e para uso oficial. Em termos práticos essa lei, por meio dos denominados "projeto piloto" será uma forma de, indiretamente, subsidiar sistema de sensoriamento remoto operados em bases comerciais.

Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados. Mas, não há o propósito de fazer uma análise comparativa e sim mostrar o cuidado que existe nos Estados Unidos de regulamentar os diversos aspetos do sensoriamento remoto.

VI - A Regulamentação no Brasil

No nosso país, o sensoriamento remoto é regulamentado no mais alto nível pelo Decreto-Lei no. 1177 de 21 de julho de 1971.

Resumidamente, esse Decreto-Lei apenas atribui ao então Estado Maior das Forças Armadas - EMFA a responsabilidade de controlar o aerolevantamento no pais e cria um registro das entidades habilitadas a realizá-lo. Deve ser notado que o segmento espacial do sensoriamento remoto não é mencionado nesse Decreto-Lei.

O Decreto-Lei 1177 foi sucessivamente regulamentado pelos Decretos números 71 267 de 25 de outubro de 1972; 75 779 de 27 de maio de l975; e 84 557 de 12 de março de 1980. Em nenhum desses instrumentos é explicitado o sensoriamento remoto espacial. Entretanto, em sua última regulamentação, o Decreto número 2278 de 17 de julho de 1980, cria o conceito de uma fase "aeroespacial" no aerolevantamento e pelo inciso II do Art. 11 exige uma autorização do EMFA para "execução de serviço da fase aeroespacial por meio de estação instalada no território nacional para a recepção de dados capitados por sensor orbital".

Como esse Decreto não estabelece condições diferenciadas para a outorga da autorização no caso de dados decorrentes do sensoriamento remoto, sua aplicação ficou em alguns casos nocivos aos interesses nacionais. Pois, não podendo ter controle da plataforma de coleta de dados, regras demasiadamente rígidas poderiam levar a situação de ser impedido o acesso a dados sobre nosso território, amplamente divulgados a terceiros.

Face a esse quadro, em uma ação conjunta do Ministério da Defesa, em sua condição de sucessor do EMFA, do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Agência Espacial Brasileira. foi elaborado Projeto de Lei sobre aerolevantamento e levantamentos espaciais, encaminhado ao Congresso Nacional pelo Executivo por meio da Mensagem número 1248 de 08 de setembro de 2000.

Esse Projeto de Lei, cujo substitutivo foi, recentemente aprovado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa nacional da Câmara dos Deputados, merece uma atenção específica.

Primeiramente, deve ser lembrado que um dos propósitos da nova Lei é separar as competências e atribuições no que concerne ao aerolevantamento e ao levantamento espacial.

Assim. seu Art. 4o. define o Levantamento Espacial, que é um segmento específico do sensoriamento remoto.

"Art. 4o. - Entende-se por levantamento espacial o conjunto de operações de recepção, registro, processamento, interpretação, tratamento ou distribuição de dados sob qualquer forma, da parte terrestre, aérea ou marítima do território nacional, bem como das águas jurisdicionais brasileiras, oriundas de sensores ou equipamentos instalados em plataforma espacial".

Vê-se que o campo atribuído ao conceito de "levantamento espacial" é bastante vasto e, em alguns casos, de difícil regulamentação. Entretanto, tal amplitude é necessária pois muitas vezes deverão se regulamentados casos específicos.

O Art. 13 do Projeto de Lei atribui à AEB ações de controle, fiscalização, normatização, autorização referentes ao levantamento espacial. O Parágrafo 3o. desse artigo ressalva os aspectos de segurança com a interveniência do Ministério da Defesa.

O Art. 14 do Projeto de Lei estabelece finalidades para as ações da AEB no que concerne ao levantamento espacial, em termos práticos, define diretrizes que devem ser seguidas pela AEB nessa atuação. Ressalta-se o numeral "V" desse artigo, que cria o Cadastro de Levantamento Espacial do Território Nacional - CLETEN.

Pelo Art.15, as ações de levantamento espacial são dirigidas para entidades brasileiras, mas o Art. 16 estabelece condições de excepcionalidade para a participação de entidades estrangeiras. O Legislativo introduziu no Projeto de Lei enviado pelo Executivo para que uma empresa estrangeira seja autorizada a executar atividades de levantamento espacial no país, o Congresso Nacional deve ser ouvido.

Tarefa complexa será propor a regulamentação dessa lei. Como foi visto, seu alcance é amplo e muitos de seus aspectos não podem ser genericamente regulamentados.

A AEB criou um Grupo de Trabalho para assessorá-la em todos os aspectos do sensoriamento remoto. Uma das atribuições desse Grupo será elaborar uma minuta para o Decreto de regulamentação da Lei, assim que aprovada. A AEB espera contar, para realização dessa tarefa, com o assessoramento da SBDA.

VII - Conclusão

Como pôde ser observado, foi uma apresentação muito breve, sobre tema atual e complexo. Maior detalhamento, como seria desejável, não foi possível, não só pelos exíguos tempos para sua preparação e para a própria exposição, mas também, e principalmente, pela pouca capacitação do expositor no campo jurídico.

O campo da regulamentação do sensoriamento remoto é uma área totalmente aberta à pesquisa. Entre muitos temas possíveis, apenas como exemplo, cito uma ampla e detalhada análise comparativa entre as regulamentações sobre sensoriameto remoto existentes em diversos países e como é aplicada.

Neste apresentação mal pudemos vislumbrar a ponta do "iceberg". Mas se, de alguma forma , foi desperto o interesse de especialistas em Direito sobre o tema, considero que o objetivo desta exposição foi atingido. Pois, a muito curto prazo, será necessário o assessoramento jurídico especializado para que a regulamentação do sensoriamento remoto em nosso país seja realizada de forma adequada.

* O Dr. Raimundo Mussi é Diretor de Normatização e Licenciamento da Agência Espacial Brasileira.     (Volta)

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