Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
APODERAMENTO ILÍCITO DE AERONAVES
Luis Ivani de Amorim Araújo *
Um dos temas que anteocupam não só os juristas e estadistas, mas, por igual, os usuários da aviação civil é o apoderamento ilícito de aeronave, isto é, o fato de um passageiro, de maneira injurídica, assenhorear- se do comando de uma aeronave em vôo, modificar-lhe a rota com o objetivo de conduzi-la para um local diverso daquele para onde deveria se dirigir.
É bem verdade que a denominação dessa figura delituosa originou longa discussão doutrinária. Embora reconhecendo ser desnecessário, tomamos posição em favor da utilização da expressão APODERAMENTO ILÍCITO DE AERONAVE, uma vez que seqüestro significa, em Direito Penal "privar alguém de sua liberdade" (artigo 148 do Código Penal), ou, no campo processual, a apreensão de coisa móvel ou imóvel, sobre o qual se litiga (artigo 822 do Código de Processo Civil), enquanto pirataria pode ser conceituada como toda e qualquer ação violenta praticada em alto mar por um navio privado contra outro navio, com o intuito de auferir lucro.
Outras denominações surgiram, sem acolhida no meio jurídico, como "HI JACK", vocábulo do "slang" ianque, que significa ataque a mão armada através da detenção de veículos e que se originou da frase "HI JACK" com que os salteadores cumprimentavam suas vítimas ao atacá-Ias.
Delito internacional, dado que atinge a livre comunicação entre os povos e a seguridade da aeronavegação, ensejou que os Estados procurassem coibi-lo através de convenções internacionais.
2. Assim é que a Convenção sobre o Alto Mar (Genebra,1958), ao observar que o alto mar está aberto a todos os membros da comunidade internacional, sendo por conseguinte, um dogma a liberdade de navegação e sobrevôo, reputa ato de pirataria toda ação ilegal de violência, de detenção ou de depredação perpetrado com o propósito pessoal pela tripulação ou por passageiros de um navio privado ou por uma AERONAVE particular e dirigida:
a) - contra um navio ou AERONAVE em alto mar ou contra pessoas e bens a bordo deles;
b) - contra um navio ou uma AERONAVE, pessoa e bens situados em um lugar não submetido à jurisdição de algum Estado.
Constata-se, dessa maneira, que a Convenção classifica como pirataria apenas os atos partidos de uma para outra aeronave, excluídos os que forem perpetrados por um passageiro da
aeronave.3. Em 14.9.1963, foi concertada a "Convenção sobre Infrações e certos outros atos praticados a bordo de aeronave", na cidade de Tóquio. Esta Convenção pretende apresentar um regime adequado de segurança para a navegação aérea e concede ao comandante da aeronave poderes hábeis para tomar as medidas que se fizerem mister para resolver os problemas relacionados ao amparo e segurança da aeronave e das pessoas e bens a bordo. Determina que, para os fins da aplicação do pactuado, reputa-se que uma aeronave está em vôo desde o instante em que se aplica a força motriz para despegar-se da terra ou do mar, até que se ultime a operação de aterragem e que o Estado de matrícula da aeronave será competente para exercitar a jurisdição sobre infrações e atos cometidos a bordo.
Em síntese - suas normas serão aplicadas para escarmentar os que praticarem atos que coloquem em perigo a segurança de aeronaves ou das pessoas e bens que se encontrem a bordo. De maneira clara, a Convenção conceitua como seqüestro ilícito de aeronave o fato de "uma pessoa a bordo, mediante violência ou intimidação, cometer qualquer ato ilegal de seqüestro, interferência ou exercício do controle de uma aeronave em vôo ou for iminente a realização desses atos", determinando, ainda, que os Estados partes no aludido convênio se obriguem a adotar medidas apropriadas a fim de que o comandante da aeronave recobre ou mantenha o controle da mesma. Além disso, o Estado no qual a aeronave aterre, deverá permitir que os passageiros e tripulantes continuem a viagem o mais rápido possível, devolvendo a aeronave e a respectiva carga aos legítimos proprietários.
Acrescente-se que o Estado de matrícula da aeronave será competente para exercer a jurisdição sobre infrações e atos praticados a bordo, sem embargo de a Convenção não excluir qualquer jurisdição penal exercitada de conformidade com as leis nacionais.
Finalmente, as infrações cometidas a bordo de aeronave matriculada num Estado pactuante serão consideradas, para fins de extradição, praticadas, não só no lugar onde houver ocorrido, mas também no Estado de matrícula da aeronave.
4. Tivemos, em seguida, a Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronave concluída em 16.12.1970, em Haia. O mencionado acordo considera que este delito é cometido por qualquer pessoa que a bordo de uma aeronave em vôo, ilicitamente, pela força ou ameaça de força, ou por qualquer outra forma de intimativa, se apodere ou exerça controle da referida aeronave ou tente exercitar qualquer um desses atos. Peça essencial da Convenção é o artigo 8° ao estatuir que o delito deverá ser considerado extraditável, em todo tratado de extradição existente no Estado contratante.
5. Em 23.09.1971 foi assinada a Convenção para a repressão aos Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, em Montreal. O referido ato considera passível de punição qualquer pessoa que, ilegal e intencionalmente:
I - realize um ato de força contra uma pessoa a bordo de uma aeronave em vôo se o mencionado ato possa por em perigo a segurança da aeronave;
II - aniquile uma aeronave em serviço ou Ihes produza dano que a inabilite de voar ou possa colocar em risco a sua segurança em vôo;
III - coloque ou faça colocar numa aeronave em serviço, por qualquer meio, um dispositivo ou substância capaz de destruir a referida aeronave, ou de lhe causar dano que a torne incapaz de voar, ou que possa colocar em risco a segurança em vôo;
IV - destrua ou deteriore facilidades de aeronavegação ou interfira na sua operação, se qualquer dos mencionados atos for capaz de colocar em risco a segurança da aeronave em vôo;
V - transmita informação que saiba ser falsa colocando em risco, desse modo, a segurança de uma aeronave em vôo.
Além disso, também é considerado delinqüente o que tenta cometer qualquer desses atos ou seja cúmplice de pessoa que pratique ou tente referidos delitos.
Considera-se que uma aeronave está em vôo desde o instante em que todas as suas portas externas estejam trancadas após o embarque até o momento em que qualquer das mencionadas portas seja aberta para o desembarque. Sobrevindo aterrissagem sem espontaneidade, o vôo é tido como continuado até que as autoridades competentes assumam a responsabilidade pela aeronave e pelas pessoas e bens a bordo.
Afirma, finalmente, que o Estado pactuante em cujo território o suposto criminoso for encontrado, se não o extraditar, se obrigará, sem qualquer exceção, tenha ou não o crime sido cometido no seu território, a castigá-Io.
Constata-se, por conseguinte, que as Convenções supramencionadas têm por alvo a segurança e regularidade da navegação aérea, não só em benefício dos Estados sobrevoados e dos terceiros na superfície como simultaneamente das pessoas e bens que sejam transportados.
6. Finalmente, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, firmada em 10.12.1982, em MONTEGO BAY (Jamaica) também se inquietou com o tema em análise, afirmando que constitui pirataria;
I) - todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros...de uma aeronave privada, e dirigidos contra:
a) - ...uma aeronave, em alto mar ou pessoas ou bens a bordo;
b) - ...uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado;
II) - todo ato de participação voluntária na utilização de ...uma aeronave, quando aquele que a pratica tenha conhecimento de fatos que dêem a ... essa aeronave o caráter de. ..aeronave pirata;
III) - toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados anteriormente.
Devemos esclarecer que somente podem executar apresamento por motivo de pirataria as aeronaves castrenses e os tribunais do Estado que o realizou podem decidir as penas a aplicar e as medidas a tomar no que se relaciona às aeronaves ou aos bens sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé .
Com o objetivo de autorizar o tráfego aéreo contra exorbitâncias do Estado na defesa de sua segurança, foi firmado em Montreal (1984) um Protocolo no qual foi acordado que todo Estado pode obrigar uma aeronave estrangeira que viole seu território a aterrar, impondo-lhe, contudo, o respeito aos tripulantes e passageiros.
* Professor da Universidade Cândido Mendes (Volta)