Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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Contribuição para a Definição de Estado Lançador

Fernando de Oliveira Pontes
Assessor Jurídico do RAB
(Registro Aeronáutico Brasileiro

    Trata a presente contribuição de proposta de discussão acerca de alguns assuntos pertinentes à definição de Estado Lançador.

    Nosso objetivo é o de, inicialmente, apresentar subsídios e estudos que possam facilitar em alguns aspectos o entendimento sobre o Estado lançador.

    No paper apresentado pelo Dr José Monserrat Filho, alguns questionamentos foram aguçadamente despertados, gerando agora uma interpretação pelo viés do direito aeronáutico:

    Vamos, portanto abordar algumas perguntas elaboradas, começando com o item de número 13 do trabalho do Dr Monserrat:

    Nesta pergunta, entendemos que sim. Em princípio é fato inquestionável que as aeronaves e embarcações possuem uma nacionalidade, as quais determinam seu vínculo a um determinado ordenamento jurídico.

    Essas aeronaves e embarcações estando, portanto, subordinadas a um sistema de normas jurídicas, dependerão do local onde se situam (espaço aéreo e região do mar), para determinação do ordenamento pertinente.

    No caso específico de aeronaves, sabemos que as Convenções Internacionais que regulam as atividades de aviação civil internacional sempre excluem a aplicabilidade às aeronaves militares, de polícia e alfândega, o que, no Direito brasileiro, de forma resumida, entendemos tratarem-se de aeronaves militares e civis públicas (1). Dessa forma fiquemos inicialmente com as aeronaves civis privadas.

    As aeronaves civis privadas estarão sujeitas sempre ao ordenamento jurídico do local onde se encontram, conforme doutrina dominante e de acordo com o previsto no Parágrafo Único do artigo 3º do mesmo CBA, para as disposições de direito internacional privado: não perdem sua nacionalidade, porém ficam sujeitas às leis do Estado em que se encontram.

    Assim sendo, podemos concluir que as aeronaves civis privadas (e também embarcações) localizadas em alto-mar (em sobrevôo para as aeronaves) ou região que não pertença a qualquer Estado, consideram-se, na prática, situadas como se no seu território estivessem. É uma questão de parâmetro, de aplicação de um ordenamento jurídico

    Colocamos na prática pois, se analisarmos teoricamente, não há que se falar em extensão de territorialidade para essas embarcações e aeronaves: não há como se imaginar que uma embarcação (que não seja uma belonave), em alto-mar, seja a extensão do território do pavilhão que ostenta. Se assim fosse, poderíamos imaginar que essa embarcação, permanecendo em alto-mar, teria não só seu convés como território do Estado de sua nacionalidade, como também o espaço aéreo sobrejacente, e o mar subjacente ao convés. Além disso, aplicando por analogia a Convenção de Montego Bay (2) , a embarcação teria algumas prerrogativas não alcançadas pela lógica.

    Já para as aeronaves militares e civis públicas, apesar de não ser adotado o procedimento previsto pelo legislação brasileira correspondente (3), podemos entender que a interpretação, na prática, seja a mesma das aeronaves civis privadas.

    Temos assim, as aeronaves que, segundo entendimento, seriam consideradas territórios de seu Estado, caso se encontrassem no espaço aéreo de sua nacionalidade ou sobrevoando área que não pertença a nenhum Estado – segue-se igual entendimento para as embarcações.

    Para o lançamento de mar territorial ou espaço aéreo de outro Estado, entendemos ainda, pela ótica do direito aeronáutico, que o Estado lançador seria aquele em cujo local se encontraria a aeronave/embarcação ao momento do seu lançamento.

    Essa informação é questionável, porém devemos ressaltar dois aspectos importantes: A pessoa (normalmente jurídica) operadora da referida aeronave/embarcação solicitaria autorização ao Estado "sobrevoado" para realizar o lançamento, assim como, não estaria excluído também, para fins de responsabilidade, um terceiro Estado que viesse sofrer as conseqüências do lançamento (p. ex.: erro na trajetória do foguete que gerasse um acidente em outro Estado).

    Caso esse lançamento fosse realizado no Brasil, ainda que de aeronave estrangeira (4), desde que aeronave civil privada, a dúvida seria extinta: seria necessário uma autorização especial de órgão competente (5).

    Voltando para as Convenções que regulam as atividades da aviação civil internacional, a presença da responsabilidade do Estado lançador para as aeronaves civis privadas responsáveis pelo lançamento, está bem configurada, pois, ao observarmos a Convenção Relativa aos danos causados a terceiros por aeronaves estrangeiras – Roma/52 (6), que prevê nos princípios de responsabilidades, no seu artigo 1:

"1. Toda pessoa que sofra danos na superfície tem direito a reparação nas condições fixadas nesta Convenção, desde que prove serem os danos causados por uma aeronave em vôo, ou por pessoa ou coisa dela caída. Entretanto, não há direito à reparação se o dano não for conseqüência direta do fato que o produziu, ou se houver resultado apenas da passagem da aeronave pelo espaço aéreo, observadas as regras de circulação aérea aplicáveis.

2. Para os fins da presente Convenção, uma aeronave é considerada em vôo desde o momento em que a força motriz é aplicada para decolar, até o momento em que termina a operação de pouso. No caso de aeronaves mais leves do que o ar, a expressão ‘em vôo’ se aplica ao período compreendido entre o momento em que a aeronave se desprende do solo, até o momento em que nele seja novamente amarrada."

    E prossegue no seu artigo 2:

"1. A obrigação de reparar o dano previsto no artigo primeiro da presente Convenção recai sobre o explorador da aeronave.

2. a) Para os fins da presente Convenção, o explorador é aquele que utiliza a aeronave no momento em que o dano é causado. Entretanto, considera-se explorador aquele que, tendo conferido direta ou indiretamente a terceiros o direito de usar a aeronave, se reservou o controle de sua navegação;

b) Considera-se que utiliza uma aeronave aquele que dela faz uso, pessoalmente ou por intermédio de seus prepostos no exercício de suas funções, agindo ou não nos limites de suas atribuições.

3. O proprietário da aeronave inscrito no registro de matrícula é considerado explorador e, como tal, responsável, a menos que prove, no decorrer da ação para determinar sua responsabilidade, ser outra pessoa o explorador e que, tanto quanto as regras processuais o permitam, tome as medidas apropriadas para trazê-la a juízo."

    Merecem destaque também os artigos 9, 10 e 12:

Artigo 9:

"O explorador, o proprietário, qualquer pessoa responsável ... ou seus prepostos não incorrerão em outra responsabilidade em relação aos danos causados por uma aeronave em vôo, ou por pessoa ou coisa dela caída, além da expressamente prevista na presente Convenção. Esta disposição não se aplicará à pessoa que tenha intenção deliberada de provocar danos".

Artigo 10:

"Nenhuma das disposições da presente Convenção afeta a questão de saber se a pessoa responsável, em virtude de suas disposições, tem ou não recursos contra qualquer outra pessoa".

Artigo 12:

"1. Se a pessoa que sofrer os danos provar que estes foram causados por ação ou omissão deliberada do explorador ou seus prepostos, realizada com a intenção de provocar os danos, a responsabilidade do explorador será ilimitada, desde que, no caso da ação ou omissão deliberada dos prepostos seja igualmente provado que estes agiram no exercício de suas funções e dentro do limite de suas atribuições.

2. Se uma pessoa se apoderar de uma aeronave ilicitamente e a usar sem consentimento da pessoa que tem o direito de o fazer, sua responsabilidade será ilimitada."

    Cabe ressaltar que, apesar de constarem no texto da Convenção os valores máximos de indenizações, os Estados normalmente atribuem outros valores – bem mais elevados – para fins de indenização (cobertura de seguro), sendo que em alguns casos, como as aeronaves militares e civis públicas, essa responsabilidade muitas das vezes é ilimitada.

    Para encerrar este primeiro quadro, entendemos também por analogia (segunda parte do número 2 do artigo 1º da Convenção de Roma de 1952) que, para a efetivação do lançamento de objetos espaciais por aeronaves, o momento inicial se daria a partir da decolagem do seu vetor, entendendo-se aí a aeronave.

    Esse entendimento também é discutível, principalmente pelo fato de que as convenções mais modernas que possuem no seu bojo a definição de aeronave em vôo, entendem que a aeronave se considera em vôo, quando suas portas são fechadas, não mais quando a aeronave se desprende do solo ou quando emprega sua força motriz para decolagem.

    Concluímos, dessa forma, que a aeronave possui papel preponderante na definição de Estado lançador, quando a mesma participa da etapa de colocação do foguete no espaço.

    A responsabilidade, portanto, é vinculada ao seu local de registro. Entretanto, se considerarmos que a referida aeronave opera em Estado estrangeiro, esse Estado também estará envolvido e, portanto, assim também será considerado, pois do seu Estado (espaço aéreo) foi efetivado o lançamento.

    Quanto ao Estado de registro, consideramos a posição do Professor Armel Kerrest, no que diz respeito à compulsoriedade do registro, de forma parcial.

    Qual seria o objetivo do Estado de Registro? Resguardar garantias? Transferir propriedade, posse e responsabilidade de operação, desses objetos, apenas? Ou seria apenas a questão da responsabilidade para fins de indenização pelo retorno à Terra?

    Ainda pelo viés do direito aeronáutico e, visando oferecer mais uma contribuição, vale dizer que o Registro de aeronaves tem como objetivo conferir uma nacionalidade e matrícula a uma determinada aeronave, inscrevendo todos os direitos e gravames incidentes, explicitando operador, inclusive para fins de responsabilidade, emitindo seu certificado de matrícula com o resumo de sua situação jurídica, além de ser um banco de dados. Não vincula, obrigatoriamente, o Estado de Registro a possuir aviação civil, apesar de considerarmos ser condição sine qua non.

Notas:

1. Conforme o Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA, em seu artigo 107:

"Art 107 - As aeronaves classificam-se em civis e militares.

§ 1º Consideram-se militares as integrantes das Forças Armadas, inclusive as requisitadas na forma da lei, para missões militares (art 3º, I).

§ 2º As aeronaves civis compreendem as aeronaves públicas e as aeronaves privadas.

§ 3º As aeronaves públicas são as destinadas ao serviço do poder público, inclusive as requisitadas na forma da lei; todas as demais são aeronaves privadas ..."                        (Voltar)

2. Convenção sobre mar territorial, do qual o Brasil é signatário e estipula que a extensão do mar territorial corresponde a 12 milhas. (Voltar)

3. Conforme o Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA (Lei nº 7565, de 19 de dezembro de 1986) em seu artigo 3º, entendemos que a interpretação é a mesma das aeronaves civis privadas, ou seja: também não prevalece a extraterritorialidade. Assim sendo, o artigo supra prevê:

"Consideram-se situadas no território do Estado de sua nacionalidade:

I – as aeronaves militares, bem como as civis de propriedade ou a serviço do Estado, por este diretamente utilizadas (art. 107, §§ 1º e 3º);

II – as aeronaves de outra espécie, quando em alto mar ou região que não pertença a qualquer Estado.

Parágrafo Único. Salvo na hipótese de estar a serviço do Estado, forma indicada no item I deste artigo, não prevalece a extraterritorialidade em relação à aeronave privada, que se considera sujeita à lei do Estado onde se encontre."         (Voltar)

4. Conforme trabalho realizado pela Orbital Sciences Corporation, lançando o foguete Pegasus de uma aeronave.   (Voltar)

5. Conforme artigo 21 do CBA.     (Voltar)

6. Promulgada pelo Decreto nº 52.019, de 20 de maio de 1963.        (Voltar)

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