Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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-- COMENTÁRIO --

Plano de Assistência aos Familiares das Vítimas de Desastre Aéreo.

Comentários às Portarias nºs 18 e 19/DGAC, ambas de 12 de janeiro de 2000 * ,
do Diretor Geral do Departamento de Aviação Civil.

Hélio de Castro Farias
Secretário Geral da SBDA

Em boa hora o Departamento de Aviação Civil tomou a iniciativa de preencher, ao menos parcialmente, lacuna existente na regulamentação do transporte aéreo comercial no Brasil, no que diz respeito à obrigatoriedade das empresas aéreas que exploram transporte aéreo público no Brasil de elaborar um plano de assistência aos familiares das vítimas de desastre aéreo com, no mínimo, os procedimento preconizados nas referidas Portarias nºs 18 e 19/DGAC, de 12.01.2000.

Não obstante os elevados propósitos dessa iniciativa entendemos pertinentes os seguintes comentários a título de possível contribuição ao aperfeiçoamento dessas normas regulamentares.

Foi adotada a terminologia "desastre aéreo" definido na alínea "a" do artigo 10 da referida Portaria 19, entretanto, a legislação especial que tratar essa matéria tradicionalmente mantém o termo "acidente", conforme estabelecido nos artigos 86 e seguintes do Código Brasileiro de Aeronáutica e em outros Atos igualmente relevantes, inclusive titulando de Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos o órgão responsável por essas atribuições. O Dicionário Aurélio indica desast

re e acidente como sinônimos e o Dicionário Jurídico de Plácido e Silva não lista desastre como termo jurídico. Sem desejar penetrar na arte da significação, entendemos que as definições elencadas no citado artigo 10 seriam melhores identificadas como resultados de acidentes aeronáuticos em harmonia com o atual Código Brasileiro de Aeronáutica.

Ao definir "vítima" essa Portaria 19 indica pessoa a bordo, portanto, abrangendo também os tripulantes da aeronave, que passam a receber tratamento igual ao devido para os demais passageiros, procedimento esse de todo justo e elogiável.

Os Atos em consideração estão direcionados aos familiares das vítimas. Definida a vítima faltou definir com exatidão quem são seus familiares ou o membro da família a ser privilegiado com tratamento diferenciado, com informações prioritárias, assistência especial e o recebimento de despojos e pertences da vítima. Certo é que esses Atos ao se referirem aos familiares das vítimas prestigiou informações prestadas pelo próprio passageiro, a partir do momento em que solicita a reserva da viagem até a finalização do transporte aéreo contratado, porém, cabe ser ressaltado que o Instituto da União Estável, leis 8.971/92 e 9.278/96, atribuiu direito sucessório ao convivente sobrevivente, até com prioridade, em certas circunstâncias, sobre o cônjuge ainda que legítimo, situação não abordada na Portaria nº 19 ora em baila, que ignorou o direito sucessório dos conviventes já consagrado no movimento jurisprudencial pátrio. A declaração do passageiro não pode contrariar norma de direito público nem contrapor a linha sucessória instituída na legislação. Como essa Portaria 19 é obrigatória também para vôos internacionais, não importando a bandeira da empresa, deve ser acrescida a complexidade da inovação decorrente da união de pessoas do mesmo sexo, cada vez mais abrangentes no exterior e que inevitavelmente deve ser resolvidas "ex-vi legis" e com a aplicação do preceito "locus regit actum" que chega a admitir o casamento com todas suas implicações na esfera civil. Na alínea "e" do artigo 2º da Portaria 19 há referência ao desembaraço de pertences embarcados da vítima cuja interpretação deve incluir não somente os das bagagens despachadas e de mão, bem como jóias e outros valores transportados pela vítima. Ao entregar ou permitir a entrega de pertences a um familiar, mesmo que escolhido pelo obituado, a empresa aérea está praticando um partilha de bens extra autos que a regulamentação no âmbito da sua limitação não pode invadir a esfera tutelada pela lei das sucessões nem oferecer qualquer espécie de guarita sob pena de, pela via da conseqüência, ferir legítimos direitos sucessórios.

Nas alíneas "e", "f" e "g" do artigo 2º da Portaria 19 em análise fica a empresa envolvida investida na obrigação de auxiliar a família da vítima não somente no desembaraço legal junto aos órgãos públicos dos despojos e pertences da vítima, mas também no serviço funerário e a viagem para o local do desastre, provendo o transporte, hospedagem, alimentação e assistência médica e psicológica. Salvo melhor entendimento, o termo auxiliar "in casu" deve significar custear todas as despesas inerentes aos procedimentos listados nessas referidas alíneas, podendo o número de familiares ser limitado pela empresa aérea em questão(artigo 8º), determinação muito louvável diante das circunstâncias derivadas do acidente aeronáutico. O ônus dessas despesas certamente será coberto por uma apólice de seguro conveniente para, ao depois, refletir no custo do próprio transporte aéreo em geral pois essa é a prática sempre adotado, qual seja, o segurador nunca perde.

No artigo 3º da Portaria 19 é mencionada a ativação do Setor de Coordenação de Crise como uma das responsabilidades da empresa aérea, entretanto, nada deve impedir a terceirização dessa obrigação, por razões óbvias de caráter econômico, de eficiência e praticidade, a qual poderá ser sub-rogada à uma organização especializada nesse ramo e autorizada a funcionar pela autoridade competente. A regra a ser observada é a que diz, se a lei não proíbe é permitido. A recorrência de acidente aeronáutico em uma empresa aérea pode levar tempo superior à uma década, o que sob o prisma da economia e de memória parece não justificar manter um setor especializado permanentemente atualizado e em stand-by para operar em regime de emergência.

A referida Portaria 19 foi omissa em relação aos procedimentos consagrados no artigo 28 da Convenção para Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional(Convenção de Montreal, 1999) embora ainda não vigentes por falta do número determinado de adesões mas que já direcionam a melhor doutrina do Direito Aeronáutico no sentido de acolher suas inovações, entre outras, o pagamento adiantado de indenizações associado à assistência aos familiares das vítimas, com as restrições e ressalvas contidas nesse citado artigo 28 da Convenção de Montreal(1999) e vis-à-vis outras iniciativas como o IATA Intercarrier Agreement elaborado em Kuala Lumpur, Malásia 1995, e mesmo da OACI que vieram desaguar na Conferência Diplomática de Montreal(maio, 1999) e refletem a orientação de prestar assistência aos familiares da vítima sem demora, para atender ao menos as necessidades mais prementes. O acidente aeronáutico causando a incapacidade ou morte do passageiro pode representar sérias dificuldades para seus familiares, por vezes sem poder aguardar as formalidades burocráticas e processuais.

Finalmente merece destaque o fato de que o transporte aéreo tem indiscutível cotação internacional, portanto, a introdução de procedimento normativo adotado unilateralmente acarreta sempre dificuldade para sua observação no exterior sem que esteja amparado na Convenção da Aviação Civil Internacional e nos seus Anexos, notadamente o Anexo 9 que trata da Facilitação. A internacionalização do transporte aéreo engloba não apenas a empresa transportadora mas igualmente serviços auxiliares e indispensáveis prestados por outras organizações, a exemplo dos "ground handling" nos aeroportos e das reservas globalizadas pelo sistema tipo Amadeus e outros similares, os quais sem uma coordenação internacional teriam problema para incorporar aos seus procedimentos padrões computadorizados exceções aplicáveis a um determinado país. As regras da Portaria 18 sem apoio das normas internacionais aprovadas pelos Estados Contratantes e sem as respectivas "deviations" significa medida em desarmonia com as obrigações internacionais assumidas pela Administração da Aeronáutica Civil Brasileira que participa do Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional. Os modernos procedimentos permitem o embarque de passageiro em Viena com conexão imediata em Paris para o Rio de Janeiro, podendo o despacho ser direto, inclusive da bagagem, para o destino final e sem qualquer formalidade no aeroporto de transbordo; as reservas podem ser identificadas em grupo e sem individualização, pode ser "no-name" e outras modalidades que implicariam na introdução de burocracia há muito abolida internacionalmente. Todos esses procedimento desenvolvidos em nome da facilitação, do conforto do usuário e da modernidade, inclusive o "paper less ticket" e o comércio eletrônico deveriam ter merecido consideração ao serem formulados os procedimentos das referidas Portarias 18 e 19, a fim de evitar atritos no campo internacionale não prejudicar o passageiro.

As Portarias 18 e 19 focalizadas representam um importante passo inicial para introdução na regulamentação do transporte aéreo no Brasil de regras básicas e mínimas a serem observadas diante dos imprevistos resultantes dos acidentes aeronáuticos, amenizando a morosidade dos procedimentos técnicos e judiciais e assegurando aos familiares da vítima um atendimento digno e oportuno. O cotejo com regulamentação semelhante adotada em outros países e as experiências anteriores vividas caso a caso poderão servir como mecanismos para suprir alguma deficiência porventura ainda existente, bem como, sua incorporação às normas e procedimento internacionais para justificar sua implementação no transporte aéreo internacional.

* Publicadas no DOU respectivamente de 25.02.2000 e 16.03.2000. (Volta ao título)

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