Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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A Globalização e os Acordos Bilaterais. *

Expedito Albano da Sileira
Advogado, especialista em Direito Aeronáutico.

O Sistema bilateral de transporte aéreo fundado na Convenção de Chicago, está obsoleto. No entanto sobreviverá por algum tempo. O novo ciclo está se formando. A globalização dos serviços e os Acordos Multilaterais Regionais já constituem etapa intermediária do novo transporte aéreo internacional.

Durante algum tempo conviverão: os Acordos bilaterais, a globalização de serviços através da associação de empresas, e os Acordos multilaterais regionais.

A institucionalização do sistema (Acordos multilaterais globais), terá como precursora os Acordos Multilaterais Regionais.

Não há indicação de como a globalização dos serviços (associação de empresas) será tratada num Acordo Multilateral Global. É possível que a globalização dos serviços (associação de empresas), e o Acordo Multilateral Global convivam. Não são incompatíveis. São complementares. O Acordo Multilateral Global institucionalizaria as operações. A globalização dos serviços seria realizada através das associações de empresas.

O Sistema de Chicago fundou-se no tripé: OACI; ESTADO e IATA, e o transporte aéreo internacional foi institucionalizado através dos Acordos bilaterais.

A Conferência de Chicago não conseguiu regular o Sistema de transporte aéreo através do Acordo Multilateral. Não obtendo aceitação, a Convenção recipiendou o assunto em alguns artigos. O art.6º, estabeleceu que os serviços regulares seriam normatizados pelos Estados. A Conferência finalmente redigiu dois outros instrumentos para cobrir a matéria retirada da Convenção: O Acordo de Trânsito (1ª e 2ª liberdades) e o Acordo de Transporte ( as 5 liberdades do ar).

O Acordo de Trânsito das liberdades não comerciais generalizou-se. Obteve aceitação universal. O Acordo multilateral de Transporte das 5 Liberdades do Ar, jamais entrou em vigor. Os fundamentos para a rejeição de um Acordo Multilateral Global continuam inalterados. Está ressuscitado nos Acordos Multilaterais Regionais, com um suporte fundamental: dois parceiros importantes ( Estados Unidos e Europa) estão perseguindo um Acordo Multilateral Global ou um Acordo Multilateral Regional que abranja os seus respectivos mercados. O Acordo Multilateral está sendo precedido da associação de empresas aéreas para a operação de serviços globalizados.

As 5 Liberdades do ar foram finalmente adotadas no Acordo Bilateral das Bermudas, firmado entre os Estados Unidos e a Inglaterra. O Acordo tipo Bermudas e as 5 liberdades do ar generalizaram-se nos Acordos bilaterais. Foi a base para a formação do transporte aéreo internacional.

O Brasil firmou os primeiros Acordos bilaterais na década de 40. Seguiu o modelo Bermudas. Hoje vigoram cerca de 60 Acordos, principalmente nas Américas, Europa Ocidental, alguns países da Ásia, do Oriente Médio e da África. Continuaremos com os Acordos bilaterais por algum tempo. As empresas brasileiras, no entanto, já participam de serviços globais, através da associação de empresas e, certamente, participarão de outras associações que estão se formando, ainda no regime dos Acordos bilaterais ou além deles. Os Acordos Multilaterais Regionais e o Mercado Único Regional constituirão a evolução intermediária do transporte aéreo brasileiro, principalmente no Mercosul e Chile e na América Latina, para finalmente chegar ao Acordo Multilateral Global.

Os Acordos bilaterais tinham como pontos essenciais: a propriedade da empresa e das aeronaves; a capacidade dos serviços; as freqüências; os direitos de tráfego ( as 5 liberdades do ar), as rotas e as tarifas. Alguns desses pontos: a empresa, a capacidade, os direitos de tráfego, as rotas e os preços são peculiares ao transporte aéreo, seja o Acordo bilateral ou multilateral. A diferença entre um e outro é que o Acordo bilateral dificilmente assegurará uma operação econômica para o transporte aéreo internacional.

A 5ª liberdade, de exercício controvertido, tornou-se o elemento dinâmico para a evolução dos Acordos aéreos e talvez para a aceitação no futuro do Acordo Multilateral Global. A necessidade de uma operação econômica determinou a associação das empresas, e as diversas formas de cooperação como o "code sharing", para vencer as restrições e operar os serviços, sem limitações.

Os mercados de tráfego cresceram, aumentou a capacidade das aeronaves e o seu raio de ação. Os serviços aéreos exigem continuadamente espaço para a expansão. Precisam das 5 liberdades e mais o exercício da 6ª, 7ª e 8ª liberdades. Tudo indica que teremos no início do século 21 serviços internacionais com o exercício de todos os direitos de tráfego, e certamente veremos a assinatura de um Acordo Multilateral Global, pelo menos, para as áreas mais dinâmicas do transporte aéreo internacional. Poderá haver uma dicotomia nas instituições para a operação do transporte aéreo internacional. Teremos contendores de primeira classe (operações globais) e os de segunda classe ( os alimentadores do sistema).

A formulação de qualquer política sempre objetiva vencer dificuldades e obter vantagens econômicas. É o retrato da competividade de cada País, no cenário internacional. É o chamado custo / benefício. O liberalismo e o protecionismo são faces da mesma moeda, brandidos segundo os interesses de cada um. A passagem atual do bilateralismo para multilateralismo busca encontrar uma instituição que atenda à dimensão do mercado de tráfego e assegure às empresas a operação do mercado, sem limitações.

E a política brasileira, na passagem do bilateralismo para o multilateralismo? Tem de ter consciência de que é um parceiro importante para a globalização do sistema e ao mesmo tempo saber das suas limitações para uma competição generalizada, com as regras atuais. Há um mercado brasileiro muito importante no Mercosul e Chile, América Latina, e para os Estados Unidos e para a Europa. Qualquer operação de transporte aéreo no Atlântico Sul e nas três Américas, precisa contar com a participação do mercado brasileiro. Isso tem peso nas negociações. O Brasil é ponto chave para a formação do triângulo Atlântico Sul, Américas e Atlântico Norte. É necessária, no entanto, a atualização dos atuais Acordos com os países do Mercosul e Chile, e, perseguir firmemente a subscrição de um Acordo Multilateral Regional, para o Mercosul e Chile. Temos de reconhecer que estamos muito atrasados, e ter presente:

1º) a globalização é inevitável. Nada podemos fazer para evitar que os interesses específicos dos Estados se concretizem num Acordo Multilateral Regional ou mesmo global. No entanto, a globalização tem velocidade diferente nas diversas partes do mundo, e não está consolidada em nenhuma parte e precisa generalizar-se para ter resultado econômico. Temos ainda margem de manobra para a formulação de política, que atenda aos interesses brasileiros;

2º) ao Brasil não interessa participar no momento de um Acordo Multilateral Global. Não temos estrutura empresarial, para um bom desempenho econômico. O custo será elevado e as vantagens reduzidas. Interessa fundamentalmente no entanto participar das negociações para a constituição do Acordo Multilateral Global. Precisamos consignar os pontos do interesse do transporte aéreo brasileiro;

3º) a globalização dos serviços através da associação de empresas é um outro processo irreversível.É tarefa importante da política aérea brasileira: a inserção das empresas brasileiras nos serviços internacionais globais, que vão refletir-se no Acordo Multilateral Global.

O conjunto dos Acordos firmados com a Europa e o Acordo firmado com os Estados Unidos estão desequilibrados. Não atendem aos interesses brasileiros. A capacidade não guarda proporção com a demanda. É excessiva. Os transportadores aéreos brasileiros estão sendo sufocados. Os preços estão a nível de "dumping". O Brasil negociou na Europa como se ainda existisse somente a Europa das Pátrias. Não levou em conta a criação do Mercado Único Europeu. A Argentina, o nosso principal parceiro no Mercosul, e mercado fundamental para o transporte aéreo brasileiro tem um Acordo desatualizado. Os interesses brasileiros estão sendo prejudicados. A assinatura do Acordo de Céus Abertos entre os Estados Unidos e a Argentina, está no rol dos desequilíbrios, podendo ser corrigido com a atualização do Acordo, com a Argentina e a revisão do Acordo com os Estados Unidos.

Advogamos a revisão dos Acordos com os Estados Unidos e com a Europa; o estabelecimento de parâmetros para a inserção dos transportadores brasileiros nos serviços globalizados; a atualização dos Acordos do Brasil no Mercosul e Chile, e a realização de Acordo Multilateral Regional no Mercosul e Chile, estendendo-o posteriormente para os países do Pacto Andino e para a América Latina.

Os Estados Unidos e a Europa já foram bem além. Estabeleceram política com vistas à unificação dos respectivos mercados de tráfego e à participação nas grandes correntes de tráfego de, para e através de seus territórios. A África firmou um Acordo Multilateral Regional, para a Unificação do Mercado Africano.

Destacamos alguns pontos dessas políticas. Desejamos retirar elementos para análise a respeito do estágio atual do transporte aéreo internacional e aplica-las no que for adequado, ao transporte aéreo brasileiro. Constituem pontos da política americana:

a) o sistema de aviação civil é um vital recurso nacional. O trabalho a ser desenvolvido é o de identificar qualquer impedimento a uma indústria de transporte aéreo forte e competitiva. Devem ser tomadas todas as medidas para que a indústria se livre desses obstáculos;

b) as empresas dos Estados Unidos, que têm o menor custo e a maior eficiência do que a maioria dos seus competidores estrangeiros, estão em uma posição vantajosa de faze-lo, porém estão contidas pelo sistema internacional de protecionismo que deve ser modificado;

c) o sistema bilateral é anacrônico e bastante desgastante para atender às pressões de uma economia global. O sistema torna-se cada dia mais contencioso;

d) na história dos negócios americanos nunca houve uma importante indústria comercial, cuja eficiência operacional estivesse submetida de minuto a minuto, à interferência do Governo Federal, exceto a de transporte aéreo;

e) aumento substancial nos impostos, requisitos regulatórios onerosos; a falta de modernização do sistema de controle de tráfego aéreo, impuseram custos substanciais desnecessários imensamente irrecuperáveis às empresas aéreas;

f) as empresas aéreas suportam elevados custos fixos incluindo equipamentos, investimentos e infraestrutura, sistema de computadores e serviços de débito. Encontram-se com necessidade substancial de capital para fazer face ao desenvolvimento tecnológico e da compra de novos equipamentos;

g) é necessário o afastamento do atual sistema bilateral para um outro baseado em Acordos multilaterais que poderão ser regionalizados a princípio, porém eventualmente cobrir o Globo. Sejam portanto negociados Acordos Multilaterais Liberais, que englobem provisões para serviços de passageiros e cargas, charter, propriedade e investimentos além fronteiras, direitos de tráfego de 5ª e 6ª liberdades, oportunidade irrestrita de negócios e acesso livre aos mercados; um sistema de capacidade, subsídios governamentais e facilidades de imigração e alfândega;

h) é necessária elevação na hierarquia dos negociadores indicando no mínimo um Embaixador e criando uma carreira no Departamento de Estado orientada para a aviação, evitando descontinuidade e falta de experiência.

A política aérea européia não difere da política americana nos pontos fundamentais. Estão em estágio assemelhado. Eis alguns tópicos da política européia:

a)- As Autoridades públicas e governamentais devem se abster de intervir por razões não comerciais nas operações dos transportadores aéreos;

b)- a interferência nas operações individuais das empresas aéreas pelas Autoridades governamentais, não está de acordo com o espírito econômico e o mercado único de aviação na Europa. Tal interferência não deve ser permitida;

c)- as empresas aéreas deveriam ser livres para decidir o seu tamanho adequado e modo de operação;

d)- os Estados membros e a Comissão Européia deveriam, como regra, abster-se de interferir na política de preços dos transportadores aéreos;

e)- os aportes financeiros às empresas aéreas sob qualquer forma, deveriam como regra não ser aprovadas, se eles forem incompatíveis com práticas comerciais globais;

f)- reconhecendo as vantagens potenciais de alianças e fusões para usuários e operadores e à abdicação resultante do conceito de Empresa nacional, a Comissão Européia deveria, em princípio, ver favoravelmente as alianças e as fusões;

g)- a União Européia deverá utilizar um esforço maior para melhorar a estrutura do transporte aéreo e remover os gargalhos com vistas à economia potencial de custos;

h)- os impostos sobre combustíveis deveriam ser rejeitados;

i)- qualquer taxa adicional com impacto peculiar no transporte aéreo europeu, usuários e cargas, deveria ser evitada;

j)- a União Européia deveria acelerar o trabalho objetivando um sistema harmonizado de taxação das empresas e, neste sentido, examinar as possibilidades de melhorar o acesso às taxas nos contratos de "leasing" para a compra de aeronaves pela empresas aéreas européias, incluindo esquema de depreciação antecipada para investimento em novos equipamentos;

k)- a União Européia e os seus maiores parceiros comerciais, em uma base recíproca, deveriam trabalhar para retirar as restrições resultantes dos requisitos constantes dos Acordos bilaterais sobre propriedade efetiva;

l)- a Comissão Européia deveria examinar a maneira de facilitar novas estruturas financeiras para acesso ao capital, no sentido de expandir o número de opções de financiamento disponíveis aos administradores das empresas aéreas;

m)- estabelecer uma política externa comum, que deveria buscar conseguir um regime liberal da aviação, para encorajar a expansão e o crescimento recíproco dos serviços;

n)- assegurar oportunidades não discriminatórias para qualquer transportador da Comunidade exercer direito de tráfego, de qualquer ponto da Comunidade para pontos nos mercados internacionais.

Os Estados Unidos e a Europa, na obtenção dos objetivos constantes da sua política, estabeleceram uma política de "deregulation" a nível interno, ou a nível comunitário. Os Estados Unidos firmaram cerca de 40 "Acordos de Céus Abertos" na Europa e na América, sendo os dois últimos subscritos com a Itália e a Argentina.

Os Estados Unidos e a União Européia afirmaram que o reconhecimento da necessidade de mudança constitui a chave para a indústria, os seus empregados e os usuários do transporte aéreo alcançarem melhores dias. Essa mudança de mentalidade segundo eles é muito mais importante do que a sabedoria acumulada por qualquer grupo de pessoas ou mesmo por qualquer órgão.

As quatros empresas aéreas brasileiras operam em regime de "code sharing", principalmente com congêneres americanas e européias e uma empresa brasileira faz parte de associação global. O "code sharing" permite a operação nos mercados de tráfego, conservando a individualidade das empresas.

Sugerimos para debate:

- O sistema bilateral está esgotado, mas ainda será utilizado pelo Brasil e pela Comunidade Aeronáutica durante algum tempo. Como será possível moderniza-lo, antes da chegada do multilateralismo?

- A passagem ordenada do bilateralismo para o multilateralismo tem como pressuposto: a profissionalização da Administração Aeronáutica Brasileira e dos seus negociadores; a conscientização da importância do mercado brasileiro, e a percepção da força do mercado brasileiro e das possibilidades das empresas aéreas brasileiras para o encaminhamento da política.

- Atualização dos Acordos bilaterais, com os países do Mercosul e Chile. O Acordo de Céus Abertos, o Acordo Multilateral Regional, e o Mercado Único Regional.

- Atualização dos Acordos bilaterais na América do Sul e México.

- Renegociação dos Acordos Aéreos firmados com os Estados Unidos e a Europa para o restabelecimento do equilíbrio dos interesses das Partes.

- Estabelecimento de uma política ampla para o "code sharing", incluindo, terceiros países, e terceiros transportadores.

- A política de preços deve ficar a cargo das empresas, interferindo a Autoridade Pública somente para coibir abusos.

- Revisão do Custo Brasil e superação dos obstáculos às operações dos transportadores brasileiros.

- Revisão dos Regulamentos. Eliminar excessos, e conter o ímpeto regulatório, saindo da flexibilização para a desregulamentação do sistema.

- Reconhecer a importância das fusões e de "joint venture" para o fortalecimento das empresas na competição globalizada. As fusões só devem ocorrer, no entanto, se forem do interesse das empresas.

- Constituir um quadro de negociadores, e uma carreira permanente de profissionais especializados em transporte aéreo internacional, para evitar descontinuidade e falta de experiência.

Bibliografia:

1. A Convenção de Chicago, 1944.
2. Acordo sobre o Direito de Trânsito dos Serviços Aéreos Internacionais, Chicago 1944.
3. Acordo sobre o Transporte Aéreo Internacional, Chicago 1944.
4. O Transporte Aéreo Internacional e a Convenção de Chicago, 1976 – Hugo da Cunha Machado.
5. Relatório Anual do Conselho à Assembléia. OACI. 1993 a 1998.
6. AITAL – Boletim Informativo Set / Out e Nov / Dez 98, Jan / Fev, Maio / Jun e Set / Out 99.
7. "Aviation in 21st Century" Beyond Open Skies Ministerial, Chicago, 5-7 dezembro 1999.
8. Aviation Week & Space Technology, 1999 e 2000, até 31 de Jan.
9. Preservação do Transporte Aéreo Brasileiro, Dez.1999. Antônio Henrique Browne.
10. Acordo das Bermudas, 1946.
11. Liberalização no Acesso aos Mercados de Transporte Aéreo na África, Nov.1999, Yamoussoukro, Costa do Marfim.
12. "Comitê des Sages", para o Transporte Aéreo da Comissão Européia, 1993.
13. Recomendações da Comissão bipartidária do Congresso dos Estados Unidos, para assegurar o poder de competitividade das empresas americanas nos mercados doméstico e global, 1993.
14. Acordos bilaterais do Brasil, em vigor..


* Palestra apresentada no seminário "Modernização do Transporte Aéreo", da Gazeta Mercantil, em março de 2000.  (Volta ao título)

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