Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
Aviação Civil e a Transição do Atual Modelo *
Maj.Brig. Venancio Grossi
Diretor-Geral do DAC
Com a quinta maior superfície mundial, o Brasil possui uma das maiores e melhores frotas de aeronaves e infra-estrutura aeronáutica do mundo, fazendo com que o transporte aéreo represente um importante instrumento de desenvolvimento e integração nacional.
A despeito da matriz de distribuição do setor transportes no país apresentar uma acentuada concentração no transporte rodoviário, as estatísticas mostram que o modal aéreo vem absorvendo, lentamente, uma fatia cada vez maior do mercado de passageiros e carga. No segmento de carga, em particular, esse crescimento da participação do transporte aéreo tem se dado, principalmente, no que se refere ao valor total das mercadorias transportadas e receitas geradas.
A crescente demanda por transporte aéreo, aliada aos contínuos avanços tecnológicos observados no setor, bem como o contexto geopolítico e econômico no qual ele está inserido, em permanente evolução, torna necessária a adoção de uma política para aviação civil que seja constantemente aperfeiçoada, sempre em consonância com as políticas de governo, a visão prospectiva e o contexto internacional.
Política Atual
A seguir tecerei alguns comentários sobre a política atual também conhecida como política de flexibilização do transporte aéreo:
A década de 80 foi marcada pela predominância do pensamento liberal, levando vários países a reduzir o controle sob as atividades econômicas de seus países.
Em harmonia com essa nova tendência, o então Ministério da Aeronáutica, a partir de 1989, definiu-se pela adoção de uma política de flexibilização gradual da regulamentação econômica existente sobre o setor de transporte aéreo brasileiro. Iniciou-se a sua implantação pela estrutura tarifária doméstica, com a instituição de um sistema de bandas aplicáveis sobre as tarifas aéreas, primeiro passo no processo de flexibilização tarifária pretendido. nesse sistema, ficou definida uma faixa de variação de preços para as passagens aéreas domésticas, em torno da tarifa básica fixada pelo DAC, dentro da qual as empresas aéreas poderiam determinar o valor das diversas modalidades de tarifas promocionais oferecidas ao público usuário
Dentro deste contexto, a Aeronáutica fez realizar, no final de 1991, a 5ª Conferência Nacional de Aviação Comercial V CONAC - que contou com a ativa participação de todos os segmentos da indústria de transporte aéreo.
A V CONAC caracterizou-se por seu aspecto pragmático, buscando alcançar resultados práticos e ao mesmo tempo de grande efeito. Dessa forma, formaram-se 4 comitês para abordar, separadamente: o transporte aéreo nacional, o regional, o internacional e o transporte aéreo não-regular (vôos charter).
A partir das discussões e reflexões ocorridas durante a V CONAC nasceram as diretrizes que fundamentaram a formulação da "Política para os Serviços de Transporte Aéreo Comercial do Brasil", com base na qual foram, então, expedidas diversas Portarias Ministeriais e Instruções de Aviação Civil IAC, em especial a partir de setembro de 1992.
Esta política, nitidamente marcada pela progressiva liberação de mecanismos normativos, em particular de ordem econômica, se traduziu em linhas gerais nas seguintes medidas:
extinção das áreas geográficas de operação e de exploração exclusiva, no caso específico das empresas aéreas regionais;
eliminação das barreiras à entrada de novas empresas aéreas no mercado;
criação do sistema de linhas aéreas especiais, ligando os aeroportos centrais do rio de janeiro, São Paulo e Belo Horizonte e desses aeroportos a Brasília;
flexibilização gradual das regras de concessão de linhas aéreas domésticas, ou seja, do controle da oferta; e
redução do controle sobre as tarifas aéreas.
Pode-se apontar como principais resultados alcançados com a adoção dessas medidas:
a criação de novas empresas de transporte aéreo regular ( de 8 empresas em 1991 hoje, são 21 em operação);
somente na região amazônica, uma região extremamente carente de meios de transporte de superfície, passaram a operar regularmente as seguintes empresas de âmbito regional: TAVAJ, a partir de Rio Branco no Acre, a RICO, a partir de Manaus, a PENTA, de Santarém, a Nordeste, com operações amazônicas a partir de Belém, e mais recentemente a META, de Boa Vista, além da TABA, com sede operacional em Belém, que teve as suas operações bastante reduzidas desde 1995;
Ocorreu, ainda, uma expansão significativa das operações das empresas aéreas regionais, em particular das de maior porte como a Rio-Sul, a Nordeste, e a TAM esta última chegou mesmo a criar a sua própria empresa de âmbito nacional, a TAM Meridionais, que hoje faz diversos vôos internacionais, além de uma subsidiaria para atender as linhas do Mercosul a TAM Transportes Aéreos do Mercosul, com sede em Assunção, no Paraguai ( de 1991 a 1999 a oferta das empresas aéreas regionais multiplicou-se por sete, sendo que a sua frota saltou de cerca de 80 para mais de 200 aviões, muitos dos quais aeronaves a jato de última geração);
Verificou-se um incremento significativo das operações internacionais por parte das empresas aéreas nacionais (a oferta das empresas aéreas nacionais em vôos internacionais praticamente dobrou no período de 1991 a 1999, sendo que neste último ano, 1999, a participação das empresas nacionais na parte correspondente à bandeira brasileira foi a seguinte: Varig 69%; Vasp 19%;Ttransbrasil 7% e TAM 5%) até 1991 a Varig detinha sozinha mais de 95% da oferta internacional das empresas de bandeira;
Surgiram novas empresas para atenderem ao mercado de transporte aéreo não-regular de passageiros (vôos charter) e de carga, com a utilização de aeronaves de grande porte;
Aumentou o número de oferta de tarifas promocionais, inicialmente dentro de um sistema de monitoramento dos preços praticados através do estabelecimento de um sistema de bandas tarifárias ( as tarifas aéreas representam um assunto a parte, que será melhor detalhado posteriormente, ao longo desta palestra).
Os resultados alcançados até o final do ano de 1997 já seriam suficientes para se afirmar, com absoluta convicção que a adoção da política de flexibilização gerou as condições necessárias para o aumento no nível de competitividade nos diversos segmentos de mercado do transporte aéreo brasileiro, trazendo nítidos benefícios para os seus usuários, este último constituindo-se no principal objeto de atenção da política adotada.
A despeito do sucesso alcançado, mas ainda sob a inspiração das diretrizes emanadas da 5ª Conac, no que diz respeito ao processo de gradual liberalização do transporte aéreo brasileiro, algumas importantes medidas adicionais foram implementadas nos dois últimos anos, a saber:
Tarifas Aéreas
Portaria nº 986/DGAC, de 18 de dezembro de 1997 estabeleceu os critérios da liberação das tarifas aéreas. Segundo esta portaria, todas as empresas foram autorizadas a praticar qualquer desconto em suas tarifas. apenas os descontos acima de 65% tinham que ser solicitados ao DAC com seis dias de antecedência. Esta portaria foi revogada pela Portaria nº 701/DGAC, de 30 de dezembro de 1998, que determinou que os valores das tarifas domésticas sejam estabelecidas livremente pelas empresas de transporte aéreo regular, em função da classe dos serviços por elas prestados e de conformidade com os seus índices tarifários líquidos registrados no DAC. A portaria 701, em tese, concretizou o último passo no processo de gradual flexibilização tarifária, concebido pela aeronáutica em fins de 1989, praticamente liberando as tarifas aéreas domésticas, ficando sob o controle do governo apenas os procedimentos de reajuste geral das tarifas praticadas, em razão das disposições da lei do real relativos à revisão das tarifas públicas, categoria em que se enquadram as tarifas aéreas.
Vôos Charter
A Portaria nº 1003/DGAC, de 24 de dezembro de 1997, aprovou as instruções contidas na IAC 1501-1297, de 23 de dezembro de 1997, sobre a operação de vôos charter domésticos. De acordo com as regras vigentes, as empresas podem negociar livremente o preço da parte aérea em função dos serviços contratados. Com a atual instrução normativa, as operadoras e agências de turismo estão desobrigadas a vincular a parte terrestre (hotel, passeios etc) da parte aérea, na venda dos pacotes em vôos charter domésticos). Aguarda-se, ainda, com uma certa expectativa, os resultados concretos dessas medidas, no que tange aos vôos charter domésticos, haja vista que os mesmos podem representar uma alternativa mais barata de deslocamento dentro do país e, consequentemente, forte indutor da indústria do turismo nacional.
Ligações Aéreas Especiais
Portaria nº 005/GM5, de 9 de janeiro de 1998. Com base nesta Portaria, qualquer empresa aérea brasileira (nacional ou regional) foi liberada para operar as chamadas linhas aéreas especiais (linhas que ligam os denominados aeroportos centrais: Congonhas, Santos Dumont, Pampulha, entre si e com a Capital Federal Brasília). Através da Portaria nº 504/GC5, de 12 de agosto de 1999, os aspectos básicos contidos na portaria nº 005/GM5, que foi revogada, foram na sua essência, incorporados à estrutura geral do sistema de transporte aéreo regular, anteriormente regulamentado pela Portaria nº 687/GM5, de 15 de setembro de 1992, que também foi revogada. As linhas aéreas especiais passaram a ser tratadas como mais uma modalidade das linhas aéreas domésticas, junto com as linhas aéreas domésticas classificadas como nacionais e regionais. A Portaria 504, por sua vez, foi revogada pela portaria nº 676/GC5, de 20 de outubro de 1999 (publicada em 14 de dezembro), que eliminou a restrição de 50 assentos para as aeronaves a serem utilizadas na maior parte das linhas aéreas especiais. Esta mesma Portaria eliminou o limite de participação de qualquer empresa no mercado doméstico, até então estabelecido em 50%.
Descontos nas Tarifas Aeronáuticas em Vôos Promocionais.
Desde janeiro de 1998 o DAC adotou a política de reduzir as tarifas da infra-estrutura aeronáutica para os vôos promocionais. Com essa medida, o DAC, a DEPV e a Infraero vêm tentando garantir o sucesso dessa modalidade de vôos, oferecendo descontos nas tarifas cobradas das empresas aéreas pela utilização da infra-estrutura aeronáutica (tarifas de pouso e de uso das comunicações e dos auxílios à navegação em rota) na mesma proporção dos descontos praticados pelas empresas no preço das passagens aéreas, na totalidade dos assentos oferecidos na classe econômica. Esta iniciativa se constitui em uma contribuição especial da Aeronáutica, visando incentivar o turismo doméstico, alargar a parcela da população que se utiliza do transporte aéreo e reduzir os custos operacionais das empresas aéreas, propiciando o barateamento do seu preço. Esta política foi regulamentada pela Portaria nº 500/GC5, de 4 de agosto de 1999, que instituiu oficialmente o denominado programa de redução de tarifas da infra-estrutura aeronáutica para vôos promocionais domésticos de passageiros. De acordo com esta Portaria, os benefícios previstos no programa em tela poderão ser estendidos aos vôos não-regulares de passageiros ("charter").
Como eu já disse anteriormente, a evolução das tarifas aéreas sob a égide da política de flexibilização merece uma atenção especial quanto aos resultados alcançados, dentre os quais gostaria de destacar:
aumento do leque de opções de tarifas promocionais para os usuários dos serviços de transporte aéreo, fruto da utilização , com sucesso, pelas empresas, tanto nacionais quanto regionais, da moderna técnica de gerenciamento de "yield", há muito adotada em outros países, a qual viabiliza economicamente a prática de diversos níveis tarifários em um mesmo vôo. Atualmente esses níveis têm variado de 10 a 55% de desconto sobre a tarifa básica.
leque de opções de preços aos usuários foi ainda mais expandido com a oferta de vôos "charter" desvinculados de pacotes turísticos, entre as principais cidades brasileiras, com preços muito reduzidos, viabilizados pelas novas regras desses serviços, instituídas em 1997.
a introdução de programas de incentivo ao turismo interno, com vôos promocionais regulares entre cidades brasileiras, envolvendo principalmente etapas longas, em horários noturnos, com aproveitamento da ociosidade da frota e com tarifas extremamente atrativas, chegando a descontos de até 60% sobre a tarifa básica. Esses programas chegaram a representar, na época de sua implantação, reduções de até 36% sobre a tarifa promocional média praticada nas ligações por eles atingidas.
com relação à tarifa básica, os efeitos das novas medidas, e do conseqüente acirramento da competição, se fizeram sentir na ligação Santos Dumont/Congonhas, rota de maior densidade de tráfego da rede doméstica, onde a redução da tarifa praticada chegou a índices significativos.
para as pequenas empresas regionais, também as novas medidas estimularam a prática de tarifas promocionais, principalmente pela busca dos benefícios do programa de redução das tarifas da infra-estrutura aeronáutica.
Novo Modelo
Caros senhores, chegamos ao final do século 20 com o setor de transporte aéreo brasileiro praticamente desregulamentado, em particular no que concerne os seus aspectos econômicos, com as empresas aéreas buscando otimizar ao máximo os seus custos, operando em um ambiente continuamente mais competitivo, tanto no âmbito doméstico quanto no internacional, e praticando tarifas substancialmente menores que as observadas no passado.
Além das medidas já mencionadas, adotadas no final de 1999, um outro passo importante que cabe ser aqui mencionado diz respeito à criação da Comissão de Coordenação de Linhas Aéreas Regulares - COMCLAR (Portaria nº 692/DGAC, de 20 de outubro de 1999), em substituição à antiga Comissão de Linhas Aéreas - CLA, que, durante mais de 20 anos, foi responsável pela aprovação das linhas aéreas domésticas regulares no país. Dois aspectos importantes que diferenciam a COMCLAR da antiga CLA, que merecem destaque especial, são:
1. a simplificação e desburocratização do processo de análise e aprovação de novas linhas aéreas regulares ou alterações de linhas aéreas já existentes (escalas, freqüências, equipamentos ou ajustes de horários) dando maior agilidade ao processo (conforme as novas regras, a comissão tem um prazo máximo de 8 dias para apresentar a solução do pedido à empresa solicitante, a contar da 1ª reunião após a entrega do pedido, reunião esta que se dá uma vez por semana de acordo com as normas anteriores o prazo médio para solução do um mesmo tipo de pedido era de três semanas, podendo, em alguns casos, estender-se ainda mais);
2. a eliminação das empresas aéreas no processo de análise de concessão de linhas aéreas, cuja participação se tornou inócua face aos critérios mais liberalizantes e estritamente técnicos adotados, principalmente, após a publicação da Portaria nº 676/GC5, em 14 de dezembro de 1.999.
Na verdade, estas medidas já fazem parte de um novo modelo de gestão dos negócios da aviação civil, dentro do qual está prevista a criação da Agência Nacional de Aviação Civil ANAC. A Agência terá por finalidade regular e fiscalizar a aviação civil, a infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.
Bem senhores, espero que com esta breve apresentação tenhamos sido capaz de dar uma idéia do processo de modernização do transporte aéreo brasileiro, em especial no que tange à sua transição para um novo modelo de gestão, mais eficiente e eficaz, voltado para um sistema de transporte aéreo cada vez melhor e mais seguro, atendendo em sua plenitude aos anseios da sociedade e das necessidades de desenvolvimento do país.
* Palestra apresentada no seminário "Modernização do Transporte Aéreo", da Gazeta Mercantil, em março de 2000. (Volta ao título)