Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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Sugestões para a Elaboração de Acordo Concernente à Aquisição de Aeronaves e Bens de Grande Porte Segundo os Parâmetros do Unidroit *

Elio Monnerat Solon De Pontes **

                                                    Senhor Presidente.

É profundamente emocionado que participo destas Jornadas dedicadas a homenagear a personalidade extraordinária de Álvaro Bauzá Araújo unindo as palavras e os sentimentos solidários de todos os juristas do Brasil aos do Mundo e, especialmente aos deste querido país que tão justamente celebra um dos maiores vultos de sua admirável cultura jurídica, sempre atuante nos congressos jurídicos internacionais.

Como particular amigo e admirador de Bauzá, conforta-me esta oportunidade de prestar-lhe meu tributo pessoal de saudade e de admiração, uma vez que tardiamente soube do seu falecimento e me sentia em dívida inquietante para com a memória desse especialista que, durante tantos anos foi um símbolo vivo de sua Pátria, a República Oriental del Uruguay.

Considerando que a aquisição de aeronaves de grande porte, pelas empresas de aviação comercial, é fundamental para o funcionamento destas;

Considerando que a aquisição quanto menos dispendiosa mais conveniente será para as citadas empresas e, conseqüentemente, para os usuários e a economia dos países envolvidos;

Considerando um mundo globalizado em que cada dia mais dependem os países uns dos outros, sejam eles grandes ou pequenos, ricos ou pobres, fracos ou chocantemente poderosos;

Considerando que, nesse quadro de interdependência, os pactos aquisitivos de aeronaves, por mais simples que sejam, no plano dos acordos e convênios internacionais, acabam sujeitos ao conflito com a legislação interna ou seja, sujeitos à chamada "colisão das normas internacionais com as leis internas";

Considerando que é humanamente impossível obter preço adequado e conveniente aos vendedores e aos compradores enquanto as normas internacionais estiverem sujeitas, no momento de sua execução prática, às formalidades e delongas resultantes das peculiaridades de variadas e numerosas legislações internas que geram obstáculos intransponíveis à rápida solução ou à aplicação prática dos contratos aquisitivos de aeronaves e outros bens de grandes porte e custo e à solução dos conflitos dos mesmos resultantes;

Considerando que inúmeros países, a despeito de conscientes de sua autoridade e personalidade nacional ou seja, de sua soberania, não vacilam em proclamar a supremacia das disposições internacionais sobre as normas adjetivas e mesmo substantivas internas neles vigentes;

Considerando que, em casos especiais - que não ponham em risco os direitos de terceiros assegurados pela legislação interna dos países, a exclusivo critério dos respectivos governos e sem obrigação para estes - é possível permitir a adoção de regime especial que possibilite a obtenção de crédito internacional específico de vulto, de conformidade com cláusulas e sob condições padronizadas e garantias específicas, seja sob controle especial de órgão supranacional específico seja de órgão interno que possa atuar imune às restrições e formalidades impostas pelas múltiplas variedades das legislações internas específicas, seja mediante contrato firmado no exterior, sob legislação compatível com o regime contratual desejado; que, no silêncio, deveriam ser, à hipótese, normalmente aplicáveis;

Considerando que as empresas que comprovem ter condições suficientes de solidez, que lhes assegure ampla capacidade econômico-financeira para assumir compromisso direto com os fabricantes de aeronaves ou de outros bens de alto custo sem recorrer a qualquer crédito complementar de âmbito interno, poderão fazê-lo em condições resolutivas especiais, imunes à legislação processual interna, desde que tal solidez seja reconhecida e atestada pelos governos dos respectivos países sem qualquer outro compromisso destes senão a sumária observância das normas contratuais com total imunidade às disposições legais internas que lhe são peculiares;

Considerando que, havendo a anuência soberana dos Estados que a isso convierem, e desde que sejam preservados os legítimos direitos de terceiros, a solução ideal seria a adoção de dispositivos que assegurem, ao credor, o imediato exercício do seu direito de executar o devedor seja mediante decisão de Corte internacional seja de juízo nacional específico ou algum órgão expressamente designado para a solução prática e sumária de eventuais questões;

Considerando que é usual e rotineiramente reconhecido, em todos os países do Mundo, o direito dos vendedores de assegurar-se de seguro conhecimento da capacidade econômico-financeira dos clientes de honrar seus compromissos, antes de firmar, com estes, quaisquer pactos de compra-e-venda a crédito;

Considerando que nenhuma legislação pode gerar, sistematicamente, embaraços descabidos à efetivação das sanções cabíveis aos inadimplentes;

Considerando, que, no entanto, resulta irrealístico pretender criar uma legislação adjetiva específica para a presente matéria, face à impossibilidade de harmonizá-la com as vigentes em todos os países;

Considerando que, com esse desiderato, é lícita a padronização dos contratos aquisitivos de aeronaves com um número tanto quanto possível reduzido de versões a serem codificadas e aprovadas pelas instituições envolvidas na aquisição e pelos governos interessados,

PROPONHO SEJA ESTUDADA a conveniência da celebração de Acordos Bilaterais entre Estados ou então entre grupos de Estados reunidos em mercados comuns de modo que o ajuste possa entrar em vigor mediante a ratificação mais rápida e expedita, segundo as linhas mestras assim resumidas:

Art. 1° - Ficarão imunes à legislação substantiva e adjetiva interna eventualmente aplicável, a execução e decisão de questões atinentes a contratos cujas normas e garantias obedeçam a padrão aprovado pelo governo do respectivo país, desde que firmados por empresas que comprovarem, perante este, solidez econômico-financeira que as credencie à obtenção de crédito internacional para aquisição de aeronaves, ou bens de alto custo sem reforço ou suplementação interna e sem que de eventual inadimplemento se infira qualquer repercussão que possa vulnerar direitos concretos ou potenciais de terceiros, no âmbito interno do país.

Art. 2°- A autorização governamental não implica em qualquer responsabilidade do governo que a conceder valendo, no entanto, como requisito para que possa o interessado, estabelecido no país, assumir o compromisso cogitado.

Art. 3° - Caberá à autoridade aeronáutica apreciar e codificar padrões de contrato a serem adotados e relacionar os requisitos necessários à caracterização da solidez econômico-financeira do interessado.(Art. 1°)

Art. 4° - Os países interessados indicarão o órgão judicial supranacional que venha a ser instituído, ou a autoridade judiciária a ser criada ou a existente a ser designada para a condução sumária da execução ou a solução de eventuais dúvidas ou conflitos que forem suscitados em decorrência do contrato internacional a que se refere o presente Acordo.

JUSTIFICAÇÃO

Admitamos, para argumentar, que o "regime especial" seja deferido a poderosa e conceituada grande empresa, de notória e inquestionável solidez, para aquisição de um bem de grande vulto.

O risco de inadimplemento, de ser executada ou de falência pressupõe-se nulo, situação essa perfeitamente atestável pelo governo correspondente para os fins de deferir à citada empresa, se for o caso, a faculdade de prevalecer-se do "regime especial" previsto e propugnado pelo UNIDROIT.

Os benefícios econômico-financeiros resultantes serão positivos para todos, não se nos antolhando prejuízos concretos para quem quer que seja. Outrossim, a conveniência prática de Acordo convolado entre dois Estados ou entre um Estado e aqueles integrantes de um Mercado Comum, por exemplo – ao invés de Convenção multilateral – é evidente, posto que enseja entendimento imediato, ou, pelo menos, muito mais rápido, desde que concordes os Governos interessados.

Ademais, se bem sucedido eventual acordo, servirá ele de modelo a ser seguido e, possivelmente, generalizado, podendo ser aperfeiçoado em função da experiência de sua utilização.

Permito-me, finalmente, ressalvar que se me não antolha viável a acolhida de acordo de tais características, sem que se imponha a necessidade de superar grandes óbices de natureza política, no Congresso de qualquer país

NOTAS:

Considerar, no caso, os seguintes artigos da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro:

Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1° - Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

§ 2° - O penhor regula-se pela lei do domicilio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontra a coisa apenhada.

Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1° Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

Art. 12 É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1° Só ã autoridade judiciaria brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

§ 2° A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o "exequatur" e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta , quanto ao objeto das diligências.

Art. 17 As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

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Trabalho apresentado no "Acto Académico en Homenaje al Profesor Alvaro Bauzá Araujo", Montevideu, Uruguai, novembro de 1999.  (Volta ao texto)

**  Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial.    (Volta ao texto)

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