Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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O Direito Espacial no Século XXI

José Monserrat Filho *

A necessidade civilizada de ordem em vez de caos tornou-se valor preferido e força condutora no desenvolvimento progressivo do Direito Espacial." Carlos Q. Christol (Space Law – Past, Present and Future, Kluwer, 1991, p. IX)

Os problemas jurídicos relacionados com o intenso processo atual de comercialização e privatização das atividades espaciais estiveram no centro das atenções do Workshop sobre "O Direito Espacial no Século XXI", promovido pelo Instituto Internacional de Direito Espacial (1), durante três dias, de 20 a 23 de julho de 1999, como fórum técnico da III Conferência das Nações Unidas sobre o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Unispace III), que teve lugar em Viena, Áustria, de 19 a 30 de julho.

Outro workshop, específico sobre as questões jurídicas da privatização das atividades espaciais, também realizou-se em Viena, em 19 de julho, por iniciativa do Instituto de Direito Aéreo e Espacial e da Cátedra de Direito Internacional dos Negócios da Universidade de Colônia, Alemanha, dentro de seu Projeto 2001 sobre o "Quadro Jurídico para o Uso Comercial do Espaço Exterior", iniciado em 1998 e a ser concluído em 2001. (2)

Este informe, porém, limita-se ao primeiro workshop, bem mais amplo e abrangente do que o segundo. Dele participaram 136 especialistas de 33 países, entre os quais apenas 21 especialistas de 10 países em desenvolvimento. (3) Dividido em oito sessões, o evento contou em cada uma delas com um expositor e debatedores especialmente convidados. Eis os temas abordados e seus respectivos expositores:

1) Os tratados existentes sobre questões espaciais criados pelas Nações Unidas: sua força e suas necessidades -- Vladimir Kopal (República Tcheca);

2) A expansão dos serviços globais de lançamento -- H. Peter van Fenema (Países Baixos);

3) A expansão dos serviços globais de comunicações -- Francis Lyall (Escócia, Reino Unido);

4) A expansão dos serviços globais de sensoriamento remoto -- Joanne Irene Gabrynowicz (EUA);

5) O papel das organizações internacionais na privatização e no uso comercial do espaço exterior -- Christian Roisse (França);

6) A expansão dos serviços globais de navegação -- Paul B. Larsen (EUA);

7) Possíveis marcos de regulamentação internacional da comercialização do espaço em expansão, inclusive a solução de controvérsias -- Peter Malanczuk (Países Baixos);

8) A preservação do meio-ambiente espacial -- Lubos Perek (República Tcheca).

As conclusões e propostas das sessões foram consolidadas no relatório do workshop, que mereceu minuciosa discussão no 1º Comitê da Unispace III. As delegações oficiais dos países participantes do evento acabaram incorporando muitas de suas idéias ao relatório final da Conferência, que estabelece uma agenda internacional para as próximas décadas, inclusive no campo do Direito Espacial.

As conclusões mais gerais

Três foram as conclusões mais gerais do workshop:

1) O Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, de 1867, conhecido como o "Tratado do Espaço", e os outros instrumentos internacionais (4) elaborados a partir dele "responderam com êxito ao desafio de criar um marco jurídico para a exploração e o uso pacífico do espaço exterior e preservaram o ambiente espacial em benefício da humanidade" – como afirma o relatório do workshop.

Em sua exposição na 1ª sessão do workshop, Vladimir Kopal, atual presidente do Subcomitê Jurídico do Copuos, observou que "provavelmente, a atual comunidade internacional não alcançaria acordo para elaborar alguns princípios diferentes capazes de substituir efetivamente aqueles que estão contidos no Tratado do Espaço".

Kopal notou também que os princípios do Tratado do Espaço "foram reconhecidos pela comunidade internacional como um todo e, assim, formam parte do Direito Internacional geral".

Esta afirmativa, porém, suscita "questões interessantes", pois cerca de metade dos países do mundo não ratificou o tratado e a maioria nem o assinou -- ressaltou um dos debatedores da sessão, Frans G. von der Dunk, professor do Instituto Internacional de Direito Aéreo e Espacial da Universidade de Lieden, Países Baixos. Num mundo de mais de 200 países, o Tratado do Espaço foi ratificado por 93 países (entre eles o Brasil) e assinado por 27. Frans von der Dunk acentuou que, entre os países que não participam de forma alguma deste documento central estão, por exemplo, o Casaquistão -- em cujo território situa-se a base de Baikonur, de onde são lançados os principais foguetes russos -- e outras antigas repúblicas da ex-União Soviética (menos a Rússia), bem como a maior parte das repúblicas da antiga Iugoslávia, além de Costa Rica, Coréia do Norte e Portugal. Daí a pergunta do debatedor: Será mesmo que o Tratado do Espaço é obrigatório para os países que não o ratificaram nem assinaram?

Isto indica claramente a necessidade de se ampliar o número de países-partes do Tratado do Espaço, até para não permitir que paire a mais leve dúvida sobre o reconhecimento geral de seus princípios.

2) "As importantes mudanças atuais nas atividades espaciais criaram, no entanto, a necessidade de levar adiante o desenvolvimento deste marco jurídico", sem que se deixe de proteger as conquistas da comunidade internacional" -- ainda conforme o referido documento.

A propósito, frisou Vladimir Kopal: "Muitas questões surgiram nos últimos anos em vista do crescente volume de atividades espaciais de empresas privadas. Essas estão agora envolvidas com negócios espaciais, não apenas fornecendo equipamentos ou objetos espaciais às agências estatais, mas também lançando seus próprios objetos e operando sistemas espaciais completos. Ademais, o processo de privatização de algumas organizações espaciais internacionais (5), até agora de caráter intergovernamental, também levantam questões neste campo. Tais questões devem ser estudadas à luz do Direito Espacial em vigor, e respostas adequadas devem ser dadas sem demora, a fim de assegurar um desenvolvimento seguro dos negócios espaciais."

Considerando a ausência de qualquer referência à face econômica das atividades espaciais no Tratado do Espaço, o já mencionado Frans von der Dunk enfatizou que a crescente privatização destas atividades "é talvez a área que mais precisa de maior regulamentação no nível global e o mais rapidamente possível".

Quanto às convenções específicas do Direito Espacial -- em especial as que tratam do salvamento e restituição de astronautas e objetos espaciais, da responsabilidade por danos causados por objetos espaciais, e do registro de objetos lançados ao espaço -- serão elas obrigatórias para os países que não os ratificaram nem assinaram? Para Frans von der Dunk, pode-se argumentar que sim, tendo em conta que esses instrumentos seriam meras extensões dos artigos V, VI e VII do Tratado do Espaço.

O Acordo da Lua, porém, a seu ver, está "morto", como declarou Karl-Heinz Böchstiegel ainda em 1993, no Colóquio do Instituto Internacional e Direito Espacial reunido em Graz, na Áustria. Esse acordo foi ratificado por apenas nove países e assinado por cinco. Mas tal opinião está longe de ser geral.

3) "O Subcomitê Jurídico do Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Copuos), como condutor do processo de criação do direito dentro das Nações Unidas, está hoje em posição única para estudar problemas do Direito Espacial de maneira exploratória. Tais problemas poderiam ser tratados pelo Subcomitê Jurídico de forma flexível, sujeitos à decisão do Comitê e da Assembléia Geral, na seqüência em que eles deveriam ser incluídos na agenda do Subcomitê", diz também o relatório. Isso certamente significaria conceder certo poder e maior autonomia ao Subcomitê Jurídico para pesquisar novos temas a serem por ele discutidos e desenvolvidos, mas sem diminuir o papel decisivo no caso exercido pelo Comitê e pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Hoje, o Subcomitê Jurídico não tem direito a tal iniciativa temática.

Questões que precisam ser examinadas

O relatório do workshop assim se refere às suas conclusões e propostas mais específicas:

"A rápida expansão das atividades privadas no espaço exterior e com ele relacionadas requer o exame de muitos aspectos do Direito Espacial existente, em particular:

a) Os serviços de aplicação espacial que suscitam problemas de responsabilidade política (estatal), de responsabilidade civil e de jurisdição, não cobertos hoje pelo Direito Espacial;

b) O impacto da comercialização e da privatização das atividades espaciais nos aspectos públicos daqueles serviços;

c) Os problemas de direitos de propriedade intelectual e de transferência de tecnologia que requeiram tratamento especial em favor de uma uniformidade global na prática;

d) A proteção dos direitos dos investidores com respeito aos objetos e artefatos espaciais que possam requerer um enfoque totalmente novo, tendo em vista torná-la mais efetiva e executável;

e) A nacionalidade das naves espaciais.

f) A proteção do meio-ambiente em que se encontram atualmente as entidades privadas sem responder diretamente por ela.

Em função destas sugestões, o workshop recomendou a inclusão deste parágrafo no relatório final da Unispace III:

"Os Estados-membros das Nações Unidas devem iniciar discussão sobre os importantes problemas jurídicos emergentes, bem como buscar soluções para eles, e, em particular, reconhecer a necessidade de ampliar o papel da empresa privada no processo de criação de novas normas jurídicas. Com respeito à proteção do meio ambiente, devem ser examinadas a criação de regras padronizadas para os lançamentos e a avaliação dos impactos ambientais. As agências especializadas devem considerar a elaboração de regras padronizadas e de práticas recomendadas, assim como de modelos de parceria entre os setores público e privado em seus respectivos campos de atividades espaciais. O conceito de ‘serviço público’ e de suas várias manifestações deve ser mais desenvolvido, concedendo-se especial atenção ao interesse público global e às necessidades dos países em desenvolvimento. O princípio do comércio justo (fair trade) deve ser fortalecido. Também deve ser dada atenção aos diferentes aspectos dos problemas de responsabilidade civil e segurança dos proprietários, tendo em alcançar um quadro global coerente. As organizações internacionais envolvidas devem elaborar acordos para criar fóruns conjuntos efetivos e direcionados."

Administração de recursos globais limitados

O relatório do workshop também salienta:

"Com a expansão do uso do espaço exterior, comprovou-se que muitos recursos (órbitas, freqüências, acesso a estações terrestres de infra-estrutura) deixaram de ser ilimitados. Em conseqüência, esses recursos devem ser tratados por meio de um marco coerente de administração dos recursos globais. O interesse público global neste campo deve ser salvaguardado primeiramente por instituições públicas. Há hoje a necessidade de coordenação nesta área."

Daí mais este novo parágrafo proposto ao relatório da Unispace III:

"Os Estados-membros das Nações Unidas devem considerar a possibilidade de estruturas de coordenação para administrar os recursos globais relacionados com o espaço exterior. Este trabalho deve focalizar as necessidades, o potencial de controvérsias, os limites naturais, os valores, os custos e a crescente privatização das atividades espaciais. As organizações internacionais envolvidas em atividades espaciais devem buscar coordenação na etapa inicial do processo. É necessário criar pelo menos um código de conduta sobre os dejetos espaciais. Para tanto, deve-se levar em conta os trabalhos anteriores realizados na área, tendo em vista identificar possíveis modelos. O Subcomitê Jurídico do Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Copuos) deve discutir imediatamente este assunto, junto com o Subcomitê Técnico-Científico. O desenvolvimento de um regime jurídico para as órbitas baixas da Terra (LEOs) deve ser considerado, levando em consideração as recentes mudanças na Convenção da União Internacional de Telecomunicações com respeito ao status das LEOs como recursos naturais limitados. O problema da proteção à posse de nave espacial deve ser tratado imediatamente, por exemplo, por meio de um inventário internacional vinculado ao Registro de Objetos Espaciais mantido pela Secretaria-Geral das Nações Unidas. A Assembléia Geral deve estimular os Países-Membros a aderir à Convenção sobre Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico. A questão dos direitos do consumidor deve ser tratado no âmbito do papel das organizações internacionais. A Assembléia Geral, através do Copuos e/ou de encontros especiais para este fim, deve estudar em breve como melhor coordenar a florescente demanda de recursos globais gerada pela expansão das atividades espaciais, tanto governamentais como não-governamentais."

Cabe assinalar que o Brasil não assinou a Convenção sobre Registro de Objetos Lançados ao Espaço (6), mas agora está disposto a fazê-lo, tendo em vista criar ampla base legal para introduzir o Centro de Lançamento de Alcântara no mercado mundial de lançamentos comerciais.

Visando resguardar o interesse público global, Francis Lyall, professor de Direito Público da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e expositor da 3ª sessão do workshop sobre "A expansão dos serviços globais de comunicações", propôs a criação de "um organismo internacional regulador e supervisor encarregado de conceder licença para os serviços espaciais de telecomunicações civis". Lyall questiona se o interesse público geral está sendo satisfatoriamente atendido hoje quanto ao princípio da prestação de serviços globais de telecomunicações para todos, sem discriminação. Ele dúvidas por cinco motivos:

1) "A abordagem comercial busca a maximização do lucro, bem como a redução e, com freqüência, a exclusão das atividades não-comerciais (não lucrativas), o que não se ajusta ao princípio estabelecido pelas Nações Unidas e amplamente aceito de que as telecomunicações constituem um serviço público."

2) "Embora a necessidade de competição seja palavra de ordem muito utilizada, as empresas tendem a estabelecer posições dominantes no mercado. Na realidade, muitos países garantem a competição e diminuem o monopólio e as posições dominantes, com uma adequada supervisão governamental. Os EUA têm a Federal Communication Commission (FCC), o Reino Unido tem o Office os Telecommunication (Oftel) e a Monopolies Commission. A União Européia monitora e preserva a competição, pois é um de seus objetivos. Estes organismos exercem uma função útil. Esta supervisão, no entanto, não existe no nível internacional."

3) "Ex natura (pela própria natureza) as decisões de um país com relação a um sistema espacial tem efeito global, mas na concessão de licenças para organizações de telecomunicações, cada país procura assegurar os interesses de seus nacionais, sem levar necessariamente em consideração o bem-estar do mundo como um todo."

4) "Aliado ao ponto anterior, há insuficiente separação entre a supervisão técnica e a instalação das telecomunicações internacionais, e as orientações políticas e econômicas envolvidas. Comprovam isso o tamanho e a composição das delegações (e seus parasitas) às Conferências da União Internacional de Telecomunicações, bem como o lobby por vantagens comerciais que parece estar envolvido."

5) "Sempre que um elemento de uma delegação está efetivamente devotado a somente uma parte da agenda da Conferência, o resultado geral da Conferência pode acabar distorcido e insatisfatório."

Para Lyall, "muitas dessas dificuldades poderiam ser aliviadas ou de todo resolvidas com a criação de um organismo internacional regulador e supervisor, encarregado de autorizar as atividades espaciais civis de telecomunicações". E mais: "Nesse trabalho de autorização, o órgão regulador deveria se guiar por normas técnicas e agir tendo em vista os melhores interesses do mundo como um todo, levando na devida conta o bem-estar tanto dos países desenvolvidos como dos países menos desenvolvidos."

Criar mecanismos para solução de controvérsias

Destaca ainda o relatório do workshop:

"O desenvolvimento em curso das atividades espaciais requer a solução de crescente número de problemas. As atividades espaciais têm sido crescentemente afetadas pelo corpo de normas em expansão do Direito Econômico Internacional, que vêm apagando as fronteiras entre o direito público e o privado, e gerando mais confiança em regras-padrão e práticas recomendadas. Neste quadro, é importante contar com mecanismos apropriados de solução de controvérsias para converter em realidade, de maneira flexível e oportuna, os princípios do Direito Espacial."

Em conexão com isso, propôs-se este adendo ao relatório da Unispace III:

"A Assembléia Geral deve considerar o desenvolvimento de mecanismos efetivos para a solução de controvérsias surgidas no processo de comercialização do espaço. Estes mecanismos devem levar em conta as regras existentes de arbitragem usadas na prática internacional da solução de controvérsias."

Propor um tratado sobre sensoriamento remoto

O workshop entendeu ainda que é preciso criar "regulamentação apropriada" para os serviços comerciais de sensoriamento remoto e suas implicações sobre a cooperação internacional e as aplicações científicas e industriais. A medida se justificaria em vista da constatação de que "estão surgindo restrições nacionais ao acesso aos dados (de sensoriamento remoto}".

Esta visão conduziu à proposta desta emenda ao relatório da Unispace III:

"O Subcomitê do Copuos deve iniciar a elaboração de um projeto de tratado sobre o sensoriamento remoto desde o espaço exterior, com base nos Princípios Relativos aos Princípios sobre Sensoriamento Remoto da Terra desde o Espaço Exterior (Resolução 41/65 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 3 de dezembro de 1986), levando em especial consideração o crescimento ampliado dos serviços comerciais de sensoriamento remoto e preservando o princípio do acesso aos dados sem qualquer discriminação."

Reuniões simultâneas dos Subcomitês Jurídico e Técnico-Científico

O relatório do workshop assinala ainda:

"Muitos dos problemas emergentes são influenciados pelos rápidos avanços das ciências e tecnologias espaciais. O Direito Espacial deve se fundar na base sólida de fatos científicos e tecnológicos para garantir formulação jurídica eficaz. A interação entre cientistas e juristas fortalecerá a importância do Direito Espacial."

A partir dessa reflexão, sugeriu-se acrescentar ao relatório da Unispace III a seguinte frase: "O Subcomitê Jurídico e o Subcomitê Técnico-Científico devem, em geral, realizar suas reuniões simultaneamente, para que o trabalho dos dois órgãos possa ganhar mais interação."

Por fim, o workshop avaliou os serviços globais de navegação por satélite, em expansão, como um dos rumos mais desafiantes das atividades espaciais. E recomendou que o Copuos examine os aspectos legais e outros dos Sistemas Globais de Navegação por Satélite, conhecidos pela sigla GNSS (Global Navigation Satellite Systems), que prestam serviços tanto de navegação quanto de localização e posicionamento, o que lhes dá um crescente e variadíssimo leque de utilidades cada vez mais importantes.

Breves considerações finais

O Workshop sobre "O Direito Espacial no Século XXI" foi um dos eventos mais profundos e conseqüentes do Fórum Técnico da Unispace III. O amplo levantamento e detalhado exame das questões políticas e jurídicas das trepidantes atividades espaciais do nosso tempo, bem como o penetrante olhar prospectivo sobre as próximas décadas, fizeram-se acompanhar de propostas ao mesmo tempo realistas e ambiciosas, que dão muito o que pensar.

O resultado é um conjunto de textos de valor inestimável para o entendimento e o estudo dos principais problemas e tendências atuais deste setor estratégico para o desenvolvimento e o futuro de todos os países e de toda a humanidade. Perpassa a maioria das exposições e intervenções a preocupação de abordar os temas de modo isento e racional, erigindo o interesse humano geral como critério básico insubstituível. Cabe reconhecer, porém, que várias de suas recomendações e propostas, embora justas e até oportunas, apresentam maior peso moral e acadêmico, dadas as grandes dificuldades políticas existentes hoje para sua implementação jurídica.

A lamentar temos a escassa participação de especialistas dos países em desenvolvimento, inclusive do Brasil – mais um demonstrativo do crescente gap entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento em campos que envolvem ciência e tecnologia de ponta.

A presença brasileira no workshop, com apenas um único representante, seguramente esteve aquém do nível de seus programas, aspirações, necessidades e – em especial -- de sua cooperação internacional nesta área. Tal insuficiência sugere a necessidade premente de se conceder, no Brasil, muito mais atenção e importância ao estudo do Direito Espacial com todas as suas implicações políticas e econômicas, das quais tivemos aqui apenas uma pálida idéia.

Referências

1) O Instituto Internacional de Direito Espacial, criado em 1958, é vinculado à Federação Internacional de Astronáutica, fundada em 1951.

2) O diretor do Instituto de Direito Aéreo e Espacial e o titular da Cátedra de Direito Internacional dos Negócios da Universidade de Colônia, Alemanha, é o prof. Dr. Karl-Heinz Böchstiegel, que também é membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial.

(3) Estes são 33 países que tiveram participantes no Workshop sobre "O Direito Espacial no Século XXI": Alemanha, Argentina, Áustria, Austrália, Bangladesh, Brasil, Bélgica, Canadá, China, Colômbia, Coréia do Sul, Espanha, Finlândia, França, EUA, Hungria, Índia, Indonésia, Irã, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Malásia, México, Países Baixos, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Rússia, Suécia, Suiça e Tailândia. Como se vê, só 10 dos chamados países em desenvolvimento estiveram representados no evento (Argentina, Bangladesh, Brasil, China, Índia, Indonésia, Irã, Malásia, México e Tailândia).

(4) Os cinco principais tratados do Direito Espacial são: 1. Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, de 1967, Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 19 de dezembro de 1966, aberto à assinatura em 27 de janeiro de 1967, em vigor desde 10 de outubro de 1967. Tem 93 ratificações (inclusive a do Brasil) e 27 assinaturas; 2. Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e Objetos lançados ao Espaço Cósmico, aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 19 de dezembro de 1967, aberto à assinatura em 22 de abril de 1968, em vigor desde 3 de dezembro de 1968. Tem 83 ratificações (inclusive a do Brasil) e 24 assinaturas; 3. Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 29 de novembro de 1971, aberta à assinatura em 29 de março de 1972, em vigor desde 1º de setembro de 1972. Tem 76 ratificações (inclusive a do Brasil) e 26 assinaturas; 4. Convenção sobre Registro de Objetos lançados ao Espaço Cósmico, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 12 de novembro de 1974, aberta à assinatura em 14 de janeiro de 1975, em vigor desde 15 de setembro de 1976. Tem 39 ratificações e 4 assinaturas. O Brasil não o assinou; 5. Acordo sobre as Atividades dos Estados na Lua e nos Corpos Celestes, aprovado pela Assembléia geral da ONU em 5 de dezembro de 1979, aberto à assinatura em 18 de dezembro de 1979, em vigor desde 11 de julho de 1984. Tem 9 ratificações e 5 assinaturas. O Brasil não o assinou. Ver Direito Espacial – Coletânea de convenções, atos internacionais e diversas disposições legais em vigor, organizado pela Núcleo de Estudos de Direito Espacial da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA) e editado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) e SBDA, Brasília, 1997.

(5) As principais organizações intergovernamentais que estão sendo privatizadas, vale esclarecer, são estas:

- Intelsat (International Telecommunications Satellite Organization), primeiro sistema global de telecomunicações por satélite, criada em 1964 por um grupo de países liderados pelos EUA;

- Intersputnik, estabelecida em 1971 por iniciativa da estão URSS e países do leste europeu, em resposta à Intelsat;

- Inmarsat (International Maritime Satellite Organization), que iniciou suas atividades em 1979, dedicada especialmente às comunicações marítimas em casos de acidentes, tendo mais tarde se voltado também para as comunicações aéreas e terrestres móveis;

- Eutelsat (European Telecommunications Satellite Organization), fundada em 1985 para implementar uma rede digital se serviços de telecomunicações.

A transformação dessas organizações foi amplamente debatida na sessão do workshop sobre seu papel na privatização e uso comercial do espaço.

(6) Porque o Brasil não assinou a Convenção de Registro. Ver número XX da revista da SBDA.

 

* Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA) e membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial. Participou da Conferência das Nações Unidas sobre o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Unispace III) e do Workshop sobre "O Direito Espacial do Século XXI", como membro da delegação oficial do Brasil na qualidade de consultor jurídico indicado pela SBDA.    (Volta ao texto).

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