Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
Comentário
ASSISTÊNCIA A FAMILIAR DA VÍTIMA DE ACIDENTE AERONÁUTICO
(Lei americana obriga a empresa aérea estrangeira prestar assistência a familiar da vítima de acidente aeronáutico ocorrido com sua aeronave * ).
Dr. Helio de Castro
Farias.
Secretário Geral da
Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial.
Professor de Direito Aeronáutico do Instituto de Aviação Civil.
Ex-Presidente do Facilitation Advisory Committee da IATA.
1. Introdução.
Em boa hora o Congresso Norte Americano resolveu aprovar texto de lei para assegurar pronta assistência aos parentes das vítimas de desastres aeronáuticos, preenchendo lacuna até então existente na legislação americana e que certamente ainda persiste na maioria dos países membros da Organização da Aviação Civil Internacional(OACI), exceção feita aos países da União Européia, visto que, pelo Council Regulation 2027/97 (09.10.97) esse assunto já havia sido anteriormente regulamentado.
No caso do Brasil a legislação especial, Código Brasileiro de Aeronáutica, é omissa quanto a esse aspecto assistencial aos parentes das vítimas de desastres aéreos, tendo presente que a investigação oficial objetiva unicamente a prevenção do acidente descartando assistência aos parentes das vítimas, a responsabilidade civil, bem como sem admitir o procedimento contraditório.
Há pouco mais de um ano, ocorreu um acidente aeronáutico em um dos principais aeroportos da cidade de São Paulo envolvendo aproximadamente 100 pessoas entre passageiros e vítimas no solo, cujos herdeiros e sucessores aguardam até hoje uma decisão judicial sobre a indenização devida, sendo que a assistência prestada na ocasião aos parentes das vítimas foi de caráter humanitário e por iniciativa exclusiva da transportadora envolvida, sem qualquer obrigação legal.
Certo é que existe um consenso na comunidade aeronáutica internacional no sentido da lei assegurar de imediato uma assistência aos parentes das vítimas sempre que ocorrer um desastre, tragédia ou mesmo catástrofe vitimando várias pessoas vinculadas e protegidas por qualquer tipo de contrato. No âmbito da construção civil, no Rio de Janeiro, recentemente foi criada uma associação dos proprietário de um edifício que foi implodido após desabamento parcial; nessa mesma área e abrangendo diversas unidades da Federação, igualmente foi fundada uma associação nacional para coletivamente demandar os direitos dos lesados na aquisição de imóveis de uma construtora inadimplente; situação semelhante já ocorreu em relação à firmas comerciais concordatárias ou com falência decretada com relação aos credores e empregados, objetivando minimizar os prejuízos. Essas comunidades de vítimas ou prejudicados buscam se organizarem para coletivamente exercer maior pressão com a finalidade de obter o possível ressarcimento dos prejuízos individuais com brevidade, notadamente quando não há apoio na lei. As próprias empresas aéreas também entendem a necessidade dessa assistência aos familiares das vítimas e o chamado "Inter Carriers Agreement de Kuala Lampur" refere-se a esse assunto e configura um bom exemplo de iniciativa de transportadores aéreos.
A medida inserida na lei dos Estados Unidos da América é de todo salutar vis-á-vis a teoria humanística da solidariedade na adversidade e a filosofia do direito civil quanto à reparação do dano, qualquer crítica somente encontrará espaço no campo das definições e da sua operacionalidade pois no mérito é inatacável.
2. Das definições.
A definição de membro da família acolhida na lei especial dos Estados Unidos da América não é perfeita, entretanto, deve ser reconhecida a dificuldade decorrente da variedade das circunstâncias peculiares de cada vítima em relação ao grau de parentesco, herdeiros, sucessores, existência de convivente sobrevivente, legatários, demais interessados, etc. etc. Qualquer questionamento sobre a legitimidade do membro da família não deve impedir, com as cautelas de praxe, o primeiro atendimento assistencial pois caberá à Justiça, oportunamente, ao depois do desate das questões levantadas, decidir sobre a posse, guarda e partilha dos objetos pessoais salvados do desastre aeronáutico em causa.
As facilidades e recursos a serem colocados ao dispor dos familiares devem ser entendidas como mínimos, de modo a serem efetivados sem demora logo após o acidente aeronáutico.
As definições sobre passageiros e acidente aeronáutico adotadas na lei norte americana nos parece abrangentes e apropriadas.
3. Dos procedimentos.
O detalhamento dos procedimentos a serem observados pela empresa aérea em causa evidentemente geram despesas que devem ser suportadas pela mesma, tendo presente que a lei determina o cumprimento dessas obrigações mediante prévio compromisso em escritura pública e impede a aprovação de pedidos da empresa aérea estrangeira que não atender formalmente o compromisso de assistir os familiares dos seus passageiros vitimados em desastre aeronáutico quando ocorrido com sua aeronave.
Cabe ser notado que os auxílios referem-se exclusivamente aos familiares dos passageiros, sem qualquer menção ao destinado à eventual vítima na superficie, salvo melhor juízo, também merecedora de assistência.
Fato relevante é a permissão para que esse serviço aos familiares dos passageiros possa ser executado por terceirização, o que possibilita a constituição de organizações especializadas na coordenação e prestação desse tipo de serviços às empresas interessadas, evitando a ociosidade de mão de obra especializada e reduzindo os custos devido a operação ser conjunta.
Recentemente a mídia informou sobre a assistência recebida pelos familiares dos passageiros de uma aeronave suiça acidentada após partida dos Estados Unidos da América em vôo para Europa; aparentemente funcionou de maneira satisfatória a alteração incluída na lei dos Estados Unidos da América combinada com a regulamentação da União Européia, visto que até assistência psicológica foi prestada aos parentes das vítimas, segundo informou a imprensa internacional. Essa assistência, de acordo com a lei, deve ser prestada sem discriminação dos passageiros em relação às classes dos bilhetes de passagem e inclui os passageiros transportados gratuitamente, sem dúvida um exemplo de solidariedade humana.
4. Da conclusão.
Trata-se de novo enfoque para assistir os familiares dos passageiros vítimas de acidentes aeronáutico, complementando, sem interferir ou reduzir, os limites da responsabilidade civil estabelecidos nas Convenções Internacionais e no próprio contrato de transporte aéreo. Essas providências podem ser interpretadas como responsabilidades adicionais às previstas no Sistema de Varsóvia(Convenção de Varsóvia, Protocolo de Haya, Protocolos de Montreal e Atos Complementares). A aceitação dessas responsabilidades para com terceiras pessoas não integrantes do contrato de transporte aéreo implicitamente alteram esse contrato de adesão de maneira "sui generis" agregando benefícios a outras pessoas não transportadas contratualmente(nada impede o repasse desses custos ao passageiro mediante alteração do preço da passagem ou proteção adicional incluída na apólice de seguro).
Esse procedimento assegurado pela lei, em tese, garante prontamente uma assistência aos familiares das vítimas, incluindo entre outras medidas, como no caso do avião suíço, o transporte dos familiares para o local do sinistro, diárias para hospedagem e alimentação até o funeral ou definição do sinistro quanto aos corpos dos passageiros.
A obrigação da empresa aérea procurar e notificar um ou mais familiares do passageiro, solicitar ajuda de um familiar para notificar os demais, o estabelecimento de um ponto de contato para troca de informações constituem orientação básica, sem impedir adoção de outras providências, para assistir os familiares.
O uso de linhas telefônicas "tool-free" (0-800) e "internet" devem complementar o sistema de interação da empresa com os familiares das vítimas.
A adaptação de lei semelhante à legislação brasileira seria uma oportunidade para também procurar incorporar à Comissão de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos as finalidades conclusivas para fins indenizatórios, embora desvinculada da assistência aos familiares propriamente dita, por ser matéria de outra esfera administrativa.
A relevância dessa matéria para o transporte aéreo está a merecer imediata consideração das autoridades do Poder Executivo e do Congresso para garantir ao Brasil adoção de lei atual que atenda as atuais condições do transporte aéreo de passageiros de e para o território nacional. É de se esperar que ao raiar do novo Século a legislação aeronáutica brasileira tenha agasalhado modernos procedimentos de caráter social como acontece com a assistência ao familiares das vítimas. Na ausência de uma União na América Latina ou na América do Sul poderia ser cogitada a efetivação de uma regulamentação similar à da União Européia ou dos Estados Unidos da América ou uma combinação dessas duas sob o manto do Mercosul. Enfim, havendo vontade política não haverá dificuldade que não possa ser ultrapassada para prover essa novação na legislação aeronáutica, podendo caber ao Brasil o papel de arauto para levar essa bandeira aos Países do Mercosul.
(*) NOTA:
O título 49 do Código dos Estados Unidos da América foi
alterado para determinar que Comitê Nacional de Segurança dos Transportes e as empresas
aéreas estrangeiras individualmente devem estabelecer procedimentos objetivando prestar
assistência aos familiares dos passageiros vítimas de acidentes aeronáuticos ocorridos
com empresas aéreas estrangeiras,
(Public Law 105-148, 105th Congress, December 16th, 1997). (Volta ao texto)