Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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BREVES NOTAS SOBRE O PROTESTO AERONÁUTICO

Sylvio Mário Brasil
Advogado e membro da SBDA

I. INTRODUÇÃO

1. Muito pouco valor têm atribuído a doutrina e a jurisprudência ao protesto aeronáutico, mas não se lhe pode retirar a importância como instituto de expressivo interesse jurídico. De sorte que a investigação dessa arguta, mas pouco conhecida, construção jurídica é de relevância para aqueles que se propõem a estudar com afinco o Direito Aeronáutico. Como bem ressalta o Profº Eduardo Cosentino(1), dentro da peculiaridade de regras do transporte aéreo, determinadas situações jurídicas se submetem a certas formalidades destinadas a fixar com precisão os direitos e obrigações das partes. Assim, em caso de danos a carga ou a bagagem(2), o interessado deverá interpor, num prazo de caducidade, um protesto escrito, que demonstre sua inequívoca vontade de reclamar. Seu fundamento e o modus procedendi, veremos adiante.

II. CONCEITO

2. É raríssimo encontrar definição doutrinária, ou mesmo legal, para protesto aeronáutico. O Profº Diego Esteban Chami(3), renomado autor argentino, um dos poucos que conceituaram o protesto aeronáutico, assim resumiu:

"La comunicación escrita que dirige el destinatário de las mercaderías o el pasajero respecto del equipaje, al transportista indicando la existencia de irregularidades en los efectos transportados y que impide la caducidade de los derechos de los danificados."

3. Ou, em outras palavras:

"É a notificação dirigida por escrito ao transportador pelo prejudicado (passageiro, se em caso de danos a bagagem; expedidor ou destinatário, se se tratar de carga), a fim de declarar impropriedades havidas em seus pertences, durante a execução do contrato de transporte, inibindo a extinção dos direitos respectivos, além de permitir ao transportador demonstrar o cumprimento do contrato."

4. Não se deve confundir protesto aeronáutico, porém, com o marítimo (ou formado a bordo), que, não obstante a correlação e o princípio inspirador, não tem as mesmas características do primeiro. O protesto marítimo refere-se a toda anotação feita no diário de navegação de fatos ocorridos a bordo relativos a danos ou avarias que podem sofrer a embarcação, a carga ou passageiros. É considerado, também, como qualquer deliberação do comandante com sua tripulação. Contudo, para adquirir eficácia plena, deve ser ratificado pela autoridade legal, no prazo fatal de 24h (vinte e quatro horas).(4)

III. NATUREZA JURÍDICA

5. O protesto não é típico do Direito Aeronáutico, embora muito escassos sejam os exemplos encontrados na legislação comum. Senão vejamos: o Código Civil Brasileiro, na seção relativa a mora, artigo 952 c/c o artigo 960, in fine, dispõe que o inadimplemento da obrigação, líquida e positiva (de fazer ou de dar), no seu termo, constitui em mora o devedor. Mas, em não havendo prazo ajustado para cumprimento da obrigação, inicia-se a mora a partir da interpelação, notificação ou protesto. Como regra geral, o Código estabelece que a fixação de prazo para o vencimento da obrigação dispensa qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora. É, nos ensinamentos inesquecíveis do mestre Clovis Bevilaqua(5), a mora ex re(6), por aplicação do princípio dies interpellat pro homine.(7)

6. Entretanto, o Código Comercial (arts. 135 a 205) exige interpelação judicial, mesmo que haja prazo estipulado para cumprimento da obrigação. O Código de Processo civil, Seção X, art. 867, cuidou do protesto judicial, assegurando a todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, fazer por escrito seu protesto. Caso a lei não preveja expressamente que o protesto, a notificação, ou a interpelação deva ser judicial, poderá, qualquer deles, ser feito extrajudicialmente, que não tem o mesmo rigorismo daquele.

7. Em qualquer dos diplomas legais mencionados, a interpelação, a notificação e o protesto representam ato constitutivo da mora solvendi (8). Ou, segundo o Direito português, "o ato da intimação que o credor faz ou manda fazer àquele que está sujeito à obrigação, para que a cumpra."(9) Clovis Bevilaqua lecionava que o "protesto não tem como escopo criar ou excluir direito. Na constituição da mora, não há direito novo para o credor, mas positivação do fato, que é a exigência do pagamento no tempo e no lugar devidos."(10)

8. Ainda vale citar, nesse compasso, o Código de Defesa do Consumidor(11) que, no artigo 26(12), fixa prazo decadencial para o consumidor apresentar sua reclamação pelos vícios do produto ou do serviço. Ora, ao que parece, a legislação aeronáutica e a do Consumidor não entendem o protesto apenas como instrumento para constituição em mora do mau prestador de serviço, mas, principalmente, como verdadeiro pressuposto formal e insubstituível para a interposição da ação de reparação de danos.

9. De todo modo, particularmente, em Direito Aeronáutico, sem engano, o protesto é pré-requisito essencial para a propositura de ação de responsabilidade, inclusive a regressiva do segurador, sub-rogado nos direitos do segurado. Nos expressos termos legais, à falta de protesto tempestivo, qualquer ação contra o transportador somente será admitida se fundada em dolo seu ou de seus prepostos (arts. 26 (4), da Convenção de Varsóvia(13) e § 4º, do art. 244 do Código Brasileiro de Aeronáutica).(14)

 

10. É sempre proveitoso fazer referência aos ensinamentos do insigne advogado e jurista brilhante, Aguinaldo Junqueira(15), segundo o qual "ainda que danos ou atraso de bagagem houvessem ocorrido, os autores, seriam, como de fato são, carecedores da presente ação no que tange a esse transporte, -- por FALTA DE PROTESTO na forma escrita indeclinável e no prazo peremptório previstos em lei."

Com a reconhecida autoridade acrescenta:

 

"A falta de protesto dentro do prazo legal acarreta, fatalmente, a conseqüência jurídica da inadmissibilidade da ação judicial." E cita JUGLART para ilustrar a assertiva(16):

"A privação de direito é brutal e ela atua como o cutelo de uma guilhotina..."

 

11. Cosentino também se pronunciou sobre o tema:

 

"Nuestra jurisprudencia ha analizado com toda precisión el fundamento que inspira la medida. Así es como ha declarado que la especificidade o autonomía de la materia está dada por las modalidades (rapidez es una de ellas) del transporte, que imponen la conveniencia de una protesta (origem) para dar al transportador acasión de hacerse de pruebas (objeto) lo cual afinza la seguridad jurídica y de este modo fomenta la actividad aérea (consecuencia).

 

La completa relación de la Excma. Cámara el lo Federal de la Capital, ha puesto de relieve la concatenación causal de circustancias fácticas que han precipitado la exigencia de orden legal. Su cabal cumplimiento resguarda la seguridad jurídica. El transportador aéreo, no puede estar sujeto a reclamos diferidos en el tiempo que dificulte la obtención de los medios probatórios de los hechos generadores del perjuicio, al haberse desprendido de la "guarda de la cosa" mediante la entrega efectiva a su destinatario." (17)

12. Videla Escalada, em sua mais recente obra jurídica (Manual de Derecho Aeronáutico, 1996)(18), parece aderir aos antecessores. Segundo o mestre argentino, dentre as causas eximentes de responsabilidade que pode invocar o transportador aéreo – com relação, exclusivamente, ao transporte de coisas, está o descumprimento, pelo autor, da exigência de formular o protesto escrito nos prazos fixados pela Convenção de Varsóvia, com as alterações que lhes foram introduzidas em Haia. Entendimento esse já sedimentado pelos tribunais argentinos, inclusive pela Suprema Corte.(19)

Em síntese, protesto é ...

Obrigação inescusável do titular dos direitos sobre a carga ou a bagagem, como condição indispensável para promover a ação de reparação de danos.

III. FORMALIDADES LEGAIS

13. Do texto da lei, como já antes mencionado, depreende-se que não se admitirão ações contra o transportador se não houver protesto tempestivo, salvo em caso de dolo deste, que, todavia, deverá ser provado, e não apenas conjecturado ou meramente alegado. Nunca é cansativo reiterar que, embora não necessite o passageiro provar que houve culpa do transportador; deverá ele, nos termos da lei civil, demonstrar o dano sofrido e não apenas alegá-lo. Assim não fosse, estar-se-ia protegendo o enriquecimento sem causa, o que é repugnado pelo Direito. Mas, isso é uma outra história...

14. O respeito ao prazo para protesto, por atraso ou avaria de carga ou bagagem registrada, é pressuposto essencial e imprescindível para a procedência da ação de responsabilidade. Assim, em caso de avaria ou atraso, o danificado deverá interpor -- dentro de um prazo de caducidade -- o protesto que expresse sua inequívoca disposição de demandar. De tal modo, e somente assim, a empresa poderá tomar conhecimento do dano e arbitrar as medidas que julgar pertinentes para a solução do problema. Sem embargo, como dispõem o "caput" do art. 244, do CBA, e o inc. 1 do artigo 26 de Varsóvia, presumem-se entregues em bom estado as mercadorias que o destinatário haja recebido sem protesto. A presunção, "iuris tantum", é a favor do transportador, e uma conseqüência da ausência de protesto tempestivo a ele dirigido. A caducidade do prazo para apresentar o protesto, nos termos do § 4º, do art. 244, do CBA, e do inc. 4, do artigo 26, da lei convencional, somente deixa de produzir seus efeitos, como já antes salientado, se, comprovadamente, o transportador houver agido com dolo.

15. O jurista José da Silva Pacheco, em sua afamada obra "Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica"(20), com a categoria que lhe é peculiar, afirma:

 

"Não correndo protesto tempestivo, presume-se cumprido o contrato de transporte (arts. 244 e 245), nada restando ao destinatário pleitear relativamente à responsabilidade civil (art.262).

Nesse caso, somente lhe caberia ação se houvesse dolo do transportador, o que, aliás, teria de ser provado."

16. Ademais, do texto do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção, não se pode admitir interpretação ampla: o protesto deve ser encaminhado, nas formas admitidas, ao transportador, respeitados os prazos ali estabelecidos.

17. E quais seriam as formalidades legais para o protesto aeronáutico? De acordo com o § 1º, do art. 244 do CBA, o protesto será feito mediante ressalva lançada no documento de transporte ou mediante qualquer comunicação escrita, encaminhada ao transportador. A Convenção de Varsóvia impõe que todo e qualquer protesto se formulará mediante ressalva exarada no documento de transporte, ou por meio de outro escrito, expedido no prazo previsto para o protesto. (art. 26, inc. 3, dispositivo esse não emendado em Haia/1955).(21) Outrossim, as empresas aéreas costumam manter nos aeroportos, à disposição dos passageiros, formulário específico denominado P.I.R. (Property Irregularity Report), que é meio hábil para formular reclamação por danos ocasionados a bagagem despachada. Esse documento, entretanto, não representa prova efetiva contra o transportador, mas inverte, em benefício do reclamante, a presunção (relativa) de cumprimento integral do contrato. Além disso, pelo P.I.R. o usuário pode oferecer um conjunto de informações a respeito da bagagem, tais como características, qualidade, conteúdo, valor atribuído, ponto de partida e destino, etc., que permitam ao transportador proceder à sua busca e identificação imediatas.

18. É inequívoco o desejo do legislador no sentido de que o protesto deve ser dirigido ao transportador (contratual, sucessivo ou de fato), porque, nesse caso só existem dois sujeitos, vinculados por meio do respectivo contrato de transporte -- o expedidor (ou passageiro) e o transportador aéreo. O protesto não pode ser feito por intermédio de terceiros não vinculados contratualmente, sob pena de ineficácia plena. Portanto, o próprio interessado, direta e imediatamente, no prazo legal, deve encaminhar o protesto ao transportador, já que é necessário e essencial dar a este a oportunidade imediata de procurar os meios necessários para o cabal cumprimento de suas obrigações contratuais. Demais, somente pelo protesto poderá o transportador tomar ciência das irregularidades apontadas e diligenciar para saná-las, assim como preparar-se para, possivelmente, enfrentar, caso não ofereça solução, uma demanda em razão disso.

IV. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

19. Apenas para efeito de esclarecimento, pois não é o objetivo desse estudo, e até porque se trata de tema dos mais polêmicos e controvertidos da Teoria Geral do Direito, vale empregar umas poucas linhas para tecer alguns comentários sobre prescrição e decadência, especificamente no Direito Civil, já que em matéria penal, administrativa ou tributária, as considerações nem sempre são consonantes. Não há dúvidas de que há semelhanças entre os dois institutos. Mas, rios de tinta foram usados para estabecer-lhes as diferenças! Por partes: a principal similitude que se constata é a de que, em uma e outra, ocorre a extinção de um direito em conseqüência do não-exercício pelo titular do respectivo direito no tempo fixado em lei, que, sobre ele (direito) exerce eficácia extintiva.

20. Quanto às distinções, a doutrina civilística, na lição de Zelmo Denari(22), costuma generalizar a afirmação de que a decadência atinge fatalmente o direito, enquanto que a prescrição, pressupondo existente o direito, extingue o exercício da ação que visa a tutelá-lo, nos termos da lei formal. Mas, o mesmo autor afirma: "o que se desmente à simples constatação de que não se deve fundamentar uma distinção na eficácia temporal de dois institutos."(23) Há ainda o entendimento de que a decadência se relaciona à atuação de um poder (direito potestativo)(24), e a prescrição com o exercício de um direito subjetivo. Ambos, portanto, poder e direito subjetivo, devem ser exercitados para evitar que se consumem, respectivamente, a prescrição e a decadência pelo decurso do tempo. Se comparado o fenômeno com a lei adjetiva, temos que alguns processualistas compartilham da tese de que a preclusão, ainda que esta se refira exclusivamente à perda de uma faculdade processual, em muito se aproxima da decadência. Seria, pois, uma decadência de direitos processuais, embora não impeça a renovação em outro processo, o que não ocorre com a decadência de direito material, que obsta definitivamente o exercício do direito.(25)

21. Na visão de Kelsen(26), o decurso do prazo de prescrição extingue o próprio direito subjetivo, pois, perdendo este a possibilidade de fazer com que a obrigação do devedor venha a ser cumprida coercitivamente, extinto estaria, em conseqüência, o direito subjetivo. Para ele, o direito subjetivo é mero reflexo da obrigação, pois um direito subjetivo pressupõe uma obrigação jurídica correspondente. Em outras palavras, Zelmo Denari(27) explica que, por decadência, entende-se a extinção de direitos subjetivos que deixaram de ser constituídos pela inércia dos respectivos titulares, em determinado período de tempo. A prescrição, assim entendida, como a extinção do direito subjetivo plenamente constituído, que deixa de ser exercido em determinado período de tempo, pela inatividade do respectivo titular. Portanto, a decadência significa o perecimento do direito subjetivo ainda não constituído, por inação do titular, pois o direito já nasce com prazo certo para ser exercido, enquanto a prescrição, pelas mesmas razões, extingue o direito subjetivo plenamente assentado.

22. Finalizando, é da tradição do nosso Direito Civil a afirmação de que a decadência, contrariamente à prescrição, não pode ser suspensa ou interrompida, e que corre contra menores. Porém, O Código do Consumidor, ao arrepio da doutrina ortodoxa, inovou. O já citado artigo 26 desfez essa tradição ao dispor que a decadência pode ser obstada pela reclamação formulada pelo consumidor até a resposta negativa do fornecedor ou, ainda, mediante a instauração de inquérito civil até seu encerramento (§2º, incs. I e III, do art. 26).

23. Daí se concluir que vale o que diz a lei! Quando silente, recorre-se à doutrina. Então, do texto expresso da lei aeronáutica, o prazo para formular o protesto é, efetivamente, de decadência ou caducidade, que sujeita, portanto, o passageiro ou expedidor incauto que pretendia acionar o transportador, ao perecimento do seu direito. Ou seja, não exercitado o direito no prazo legal, devido à inércia do titular, fica inabilitada a própria ação de responsabilidade.

V. OS PRAZOS PEREMPTÓRIOS

24. São os seguintes os prazos fatais, computados em dias corridos -- que não sofreram alteração pelos Protocolos de Montreal,(28) estabelecidos pela lei para oferecimento do protesto:

24.1. Convenção de Varsóvia (art. 26)

a) em caso de avaria da bagagem, dentro de 3 (três) dias; se de carga, 7 (sete) dias, a contar do respectivo recebimento;

b) em caso de atraso, prazo de até 14 (quatorze) dias, tanto para bagagem quanto para carga, a partir da data em que a bagagem ou a carga haja sido posta à disposição do destinatário.

24.2. PROTOCOLO DE HAIA (art.15)

a) em caso de avaria da bagagem, dentro de 7 (sete) dias; se carga até 14 (quatorze) dias, a contar do recebimento;

b) em caso de atraso, prazo de até 21 (vinte e um) dias, tanto para bagagem quanto para carga, a partir da data em que a bagagem ou a carga haja sido posta à disposição do destinatário.

24.3. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA (art.244)

a) em caso de avaria, até 7 (sete) dias, para bagagem e carga, a contar do recebimento;

b) em caso de atraso, até 15 (quinze) dias, para bagagem e carga, a partir da data em que a bagagem ou a carga haja sido posta à disposição do destinatário.

25. Cabe aqui uma observação: quando a carga for sujeita a trânsito aduaneiro, a jurisprudência tem admitido, mas não sem receber severas críticas dos especialistas, que o prazo para oferecer o protesto inicia-se no momento em que o transportador entrega a mercadoria à custódia das autoridades aduaneiras, desde que, disso, tenha sido notificado expressamente o destinatário.

26. Importante notar que não há na legislação consultada, em qualquer circunstância, envolvendo carga ou bagagem, prazo determinado para protesto por perda total ou extravio. Isso significa que ao expedidor ou passageiro é assegurado o direito de, a qualquer tempo, reclamar o extravio de seus pertences. O que, pelos motivos já exaustivamente expostos, não parece ser razoável, pois, retira a segurança jurídica da relação transportador-usuário, além de impedir o exame pontual da magnitude do dano e a obtenção dos elementos de prova que asseguram o direito das partes.

 

27. Consciente disso, a IATA(29) fez incluir nos conhecimento aéreos padronizados cláusula contratual estabelecendo prazo máximo (de 60 dias) para reclamações por extravio de mercadorias. Apesar de surtir eficácia entre o transportador e o expedidor, principalmente devido à autonomia de vontade das partes (aqui, de certa forma, prejudicada, uma vez tratar-se de autêntico contrato de adesão), tal disposição, porém, parece afrontar regra da Convenção, mais especificamente a do artigo 23 (v. art. 10 do CBA), até porque não se pode distinguir onde a lei não o faz.

Abaixo transcrição do art. 23, em que se funda esta consideração:

"Será nula e de nenhum efeito, toda e qualquer cláusula tendente a exonerar o transportador de sua responsabilidade ou estabelecer limite inferior ao que lhe fixa a presente Convenção, mas a nulidade da cláusula não acarreta a do contrato, que continuará regido pelas disposições da presente Convenção.

VI. DO ENCAMINHAMENTO DO PROTESTO

28. José da Silva Pacheco(30), presidente da Comissão de revisão do anterior Código Brasileiro do Ar, esclarece:

 

"O contrato de transporte, como já assinalamos em diversas passagens anteriores, e feito entre o expedidor e transportador. São essas as duas partes contratantes.

Entretanto, pode o destinatário manifestar-se, diretamente, contra o transportador, quer protestando (art. 244, §1º), quer demandando-o para haver a indenização relativa ao atraso ou avaria da carga (art.266)." (31)

29. E prossegue o mesmo autor:

"O protesto deverá ser entregue:

a) ao transportador contratual, se ele apenas realizou o transporte;

b) ao último transportador sucessivo ou ao transportador que haja efetuado o transporte durante o qual ocorreu a avaria (art. 266) ;

c) ao transportador-de-fato e ao transportador contratual (art. 259)." (32)

30. Por certo, vale insistir, sem nenhum efeito terá o protesto que não for, no prazo legal, diretamente dirigido ao transportador. Alguns julgados entenderam que o "termo de vistoria aduaneira"(33), de que tratam os artigos 468 e segs. do Regulamento Aduaneiro, faria às vezes de protesto, desde que fosse o respectivo termo lavrado na presença de preposto da companhia aérea, que dele, expressamente, declarasse conhecer.

VI. CONCLUSÃO

31. De tudo, pode inferir-se que o protesto formal oportuno -- encargo e direito do interessado, é condição indispensável para a propositura da ação de responsabilidade. Sem essa diligência, único meio de o transportador conhecer as alegadas impropriedades do serviço; de demonstrar o cumprimento das obrigações pactuadas; ou, se lhe for impossível fazer, arregimentar elementos probatórios para instruir sua defesa, não poderá ele (transportador) responder pelos danos reclamados, senão em caso de dolo, que deverá ser rigorosamente comprovado.

32. Vale citar aqui a percepção de Esteban Chami(34), que sintetiza com precisão o objetivo deste artigo. Segundo o jurista argentino, o protesto aeronáutico é...

um dever do passageiro e/ou expedidor para impedir a caducidade do direito de acionar o transportador por descumprimento do contrato de transporte aéreo, seja o acessório, de bagagem, seja o de mercadoria.

NOTAS

  1.  Eduardo T. Cosentino "Régimen Jurídico del Transportador Aéreo - Ed. Abeledo-Perrot (Volta ao texto)
  2. A legislação, doméstica e internacional, por óbvios motivos, não exige qualquer protesto por danos decorrentes de morte ou lesão corpórea de passageiros.(Volta ao texto)
  3. Diego Esteban Chami - "La Protesta Aeronáutica" – Ed. Abeledo-Perrot (Volta ao texto)
  4. Leib Soibelman – "Enciclopédia do Advogado" – Ed. Rio 1983 (Volta ao texto)
  5. Clovis Bevilaqua – Comentários ao Código Civil do Brasil - Ed. Rio 1977 (Volta ao texto)
  6. (latim) Decorrente do simples vencimento do prazo (Volta ao texto)
  7. (latim) "O termo interpela pelo homem." Desnecessidade de interpelação para constituir em mora o devedor, nas obrigações a termo (Leib Soibelman – Op. Cit.) (Volta ao texto)
  8. (latim) Mora do devedor (Volta ao texto)
  9. Código Civil Português Apud Clovis Bevilaqua (Volta ao texto)
  10.  Clovis Bevilaqua Op. citada (Volta ao texto)
  11. Lei 8.078, de 11/9/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor (Volta ao texto)
  12. O artigo 27 fala em prescrição qüinqüenal da ação de reparação de danosv (Volta ao texto)
  13. Convenção para unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional celebrada em Varsóvia a 31/10/1929 e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 20.704, de 24/11/1931. (Volta ao texto)
  14. Lei nº 7.565, de 19/12/86, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica (Volta ao texto)
  15. Aguinaldo de Mello Junqueira Filho – jurista ex-diretor jurídico da VARIG S.A. (citação não-publicada extraída de contestação em ação de reparação de danos) (Volta ao texto)
  16. Michel de Juglard "Traité de Droit Aérien" Paris 1947 (Volta ao texto)
  17. Eduardo T. Cosentino Apud Aguinaldo Junqueira Op. Citada. (Volta ao texto)
  18. Frederico Videla Escalada – Manual de Derecho Aeronáutico – Ed. Zavalia 1996 (Volta ao texto)
  19. Caso Columbia vs Air France 1992 apud Videla Escalada Op. citada (Volta ao texto)
  20. José da Silva da Pacheco – "Comentários ao Cód. Bras. de Aeronáutica" – Ed. Forense (Volta ao texto)
  21. Protocolo de emenda da Convenção de Varsóvia, concluído em Haia a 28/9/55 e promulgada pelo Dec. nº 56.463, de 15/6/65  (Volta ao texto)
  22. Zelmo Denari "Prescrição e Decadência em Direito Tributário" – Revista Proc. Geral do Estado/SP 1975 (Volta ao texto)
  23. Zelmo Denari "Comentários ao Código Bras. de Defesa do Consumidor" – Ed. Forense Universitária 1991 (Volta ao texto)
  24. Giuseppe Chiovenda considerava a ação um exercício de direito potestativo do autor que o réu não pode impedir. Moderna escola processual italiana - Saggi di Diritto Processuale Civile Ed. Bolonha 1904 (Volta ao texto)
  25. Leib Soibelman – Op. citada (Volta ao texto)
  26. Hans Kelsen - Apud Carlos da Rocha Guimarães – "Prescrição e Decadência" Ed. Forense 1984 (Volta ao texto)
  27. Zelmo Denari – Op. citada (Volta ao texto)
  28. Protocolos de emenda à Convenção de Varsóvia, ao Protocolo de Haia e à Convenção da Guatemala firmados em Montreal, a 25/9/75. Segundo a ICAO, estão hoje em vigor internacionalmente apenas o nº 1 e nº 2. O de nº 4 deverá viger em breve. (Volta ao texto)
  29. International Air Transport Association (1945): entidade civil privada que agrega transportadores internacionais, para coordenação, integração, simplificação e unificação de regras relativas ao transporte aéreo internacional, que sejam vantajosas para empresas e usuários. (Videla Escalada "Manual de Derecho Aeronáutico" Ed. Zavalia) (Volta ao texto)
  30. José da Silva Pacheco – Op. citada (Volta ao texto)
  31. Art. 266/CBA – "Poderá o expedidor propor ação contra o primeiro transportador e contra aquele que haja efetuado o transporte, durante o qual ocorreu o dano, e o destinatário contra este e contra o último transportador." (v. art. 30 (3) Varsóvia) (Volta ao texto)
  32. Art. 259/CBA – "Quando o transporte aéreo for contratado com um transportador e executado por outro o passageiro ou sucessores poderão demandar tanto o transportador contratual como o transportador de fato, respondendo ambos solidariamente." (Volta ao texto)
  33. Regulamento Aduaneiro Decreto nº 91.030, de 5/3/85. (Volta ao texto)
  34. Diego E. Chami – Op. citada (Volta ao texto)

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