Revista Brasileira de
Direito Aeronáutico e Espacial

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A SUCESSÃO DO ARREMATANTE NO PROCESSO DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Xisto S. Mattos*

“Não há quem nos engane mais do que a nossa opinião”
Leonardo da Vinci

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, pois é tido como um dos mais polêmicos na seara da recuperação judicial, preocupamo-nos, a partir de agora, em tecer alguns comentários julgados pertinentes para uma melhor compreensão a respeito da alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas e a situação dos empregados da empresa arrematada devedora.

Com a devida venia daqueles que pensam de forma contrária, o tema paira sobre alguns princípios de ordem constitucional cuja ponderação há de se fazer necessária a fim de que não venhamos a sacrificar alguns bens de relevância maior para o ordenamento jurídico.

Outro fator julgado preponderante para a análise do trabalho que nos propusemos é atentar para o emprego do elemento teleológico que nos dará a diretriz do caminho a trilhar, uma vez que a lei para produzir efeito deve atender à finalidade para a qual foi criada e, se a sua finalidade decorre de uma série de dispositivos, havemos de interpretá-los de forma a não nos distanciarmos do objetivo do legislador, pois cumpre atribuir ao texto um sentido a favor e não em prejuízo de quem veio a ela proteger.

Dessa forma, plagiando Carlos Maximiliano, “os títulos, as epígrafes, o preâmbulo e as exposições de motivos da lei auxiliam a reconhecer o fim primitivo da mesma”.

É evidente que não há direito que não tenha uma mitigação em relação ao absolutismo, e o exemplo é encontrado no próprio texto constitucional, pois ao mesmo tempo em que a carta política elege o direito à propriedade como uma garantia fundamental, afirma que a propriedade deverá atender à sua função social; quando elenca no artigo 7º, inciso IV, a irredutibilidade dos salários, ressalva o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Como é de matéria de sucessão do arrematante que estamos a falar, vamos à análise do parágrafo único do artigo 60 da lei 11.101, de 09 de janeiro de 2005.

“Art. 60. omissis
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá “sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei”.

Muito embora não seja essa lei de fácil análise, pois não obedece a uma ordem cronológica dos assuntos, devemos iniciar nossa análise através de critérios interpretativos teleológicos, partindo do pressuposto de que o artigo ora comentado está situado no capítulo III – DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, na seção IV – DO PROCEDIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Logo, somente poderíamos estar tratando do objeto da alienação dentro do procedimento de recuperação judicial e, desse modo, nenhuma outra interpretação poder-seá dar a tal dispositivo.

Entretanto, a confusão de raciocínio surge em função do disposto no artigo 141, inciso II da mesma lei, o qual pedimos venia para reproduzi-lo:

“Art. 141. omissis.
II. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho”.

Sucede, porém, que o dispositivo reproduzido encontra-se localizado no capítulo V – DA FALÊNCIA – seção X – DA REALIZAÇÃO DO ATIVO.

Neste aspecto, é possível entender que quando o legislador desejou fazer alguma ressalva, assim o fez de forma cristalina, pois na oportunidade em que se referiu ao objeto da alienação no procedimento de recuperação judicial, liberando o arrematante da sucessão nas obrigações do devedor, incluiu as de natureza tributária, e mandou observar o disposto no § 1º do artigo 141 da lei, que em nada se relaciona com os direitos trabalhistas.

“Art. 141. omissis.
§1º. O disposto no inciso II do caput deste artigo
não se aplica quando o arrematante for:
I - sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II - parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III - identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão”.

É por isso que sustentamos que o arrematante é sucessor das dívidas trabalhistas dos empregados quando se tratar de arrematação de empresa em processo de recuperação judicial. Isso, evidentemente, sem qualquer esforço interpretativo da lei em comento, uma vez que o legislador não liberou o arrematante das obrigações trabalhistas, pois utilizou-se, no parágrafo único da expressão “ inclusive as de natureza tributária”.

Como na lei não há palavras inúteis, quando o legislador manifestou-se a respeito à liberação do arrematante em caso de sucessão no capítulo da falência, utilizou-se da expressão “ inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”.

Data máxima vênia, ousamos discordar, neste ponto, do Professor Manoel Justino Bezerra Filho, quando em seus comentários de artigo por artigo da nova lei de falência, comenta o parágrafo único do art. 60, que diz ser uma “blindagem” pelo temor do arrematante em suceder o devedor pelas obrigações trabalhistas. Porém, a obra do ilustre professor foi uma das primeiras a ser publicada após a nova lei e talvez não tenha atentado para esse detalhe interpretativo. Sem o intuito de qualquer crítica a uma obra que muito contribui para os operadores do direito.

Delineadas as diferenças entre ambos os dispositivos, resta-nos concluir pela responsabilidade da empresa arrematante pelas dívidas trabalhistas da empresa devedora, pois não se deve olvidar que o pagamento das verbas rescisórias é instrumento da cidadania e que a dignidade da pessoa humana é um dos postulados do Estado Democrático e de Direito.

Verifica-se, por último, que o disposto no parágrafo único do artigo 60 da lei em comento deve ser interpretado de acordo com os princípios regedores da lei laborista, tais como o princípio da proteção que consiste em compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a este último uma superioridade jurídica, princípio esse que, nas palavras de Sergio Pinto Martins, se desdobra em três: a) o in dúbio pro operário; b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; c) o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador. Não menos importante é o princípio da irrenunciabilidade de direitos, que consiste em taxar de nulidade de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas.

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* Advogado.

 

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