Sem qualquer pretensão de esgotar o
tema, pois é tido como um dos mais polêmicos na seara da
recuperação judicial, preocupamo-nos, a partir de agora,
em tecer alguns comentários julgados pertinentes para
uma melhor compreensão a respeito da alienação judicial
de filiais ou de unidades produtivas isoladas e a
situação dos empregados da empresa arrematada devedora.
Com a devida venia daqueles
que pensam de forma contrária, o tema paira sobre alguns
princípios de ordem constitucional cuja ponderação há de
se fazer necessária a fim de que não venhamos a
sacrificar alguns bens de relevância maior para o
ordenamento jurídico.
Outro fator julgado preponderante
para a análise do trabalho que nos propusemos é atentar
para o emprego do elemento teleológico que nos dará a
diretriz do caminho a trilhar, uma vez que a lei para
produzir efeito deve atender à finalidade para a qual
foi criada e, se a sua finalidade decorre de uma série
de dispositivos, havemos de interpretá-los de forma a
não nos distanciarmos do objetivo do legislador, pois
cumpre atribuir ao texto um sentido a favor e não em
prejuízo de quem veio a ela proteger.
Dessa forma, plagiando Carlos
Maximiliano, “os títulos, as epígrafes, o preâmbulo e
as exposições de motivos da lei auxiliam a reconhecer o
fim primitivo da mesma”.
É evidente que não há direito que não
tenha uma mitigação em relação ao absolutismo, e o
exemplo é encontrado no próprio texto constitucional,
pois ao mesmo tempo em que a carta política elege o
direito à propriedade como uma garantia fundamental,
afirma que a propriedade deverá atender à sua função
social; quando elenca no artigo 7º, inciso IV, a
irredutibilidade dos salários, ressalva o disposto em
convenção ou acordo coletivo.
Como é de matéria de sucessão do
arrematante que estamos a falar, vamos à análise do
parágrafo único do artigo 60 da lei 11.101, de 09 de
janeiro de 2005.
“Art. 60. omissis
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre
de qualquer ônus e não haverá “sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as
de natureza tributária, observado o disposto no § 1º
do art. 141 desta lei”.
Muito embora não seja essa lei de
fácil análise, pois não obedece a uma ordem cronológica
dos assuntos, devemos iniciar nossa análise através de
critérios interpretativos teleológicos, partindo do
pressuposto de que o artigo ora comentado está situado
no capítulo III – DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, na seção IV –
DO PROCEDIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
Logo, somente poderíamos estar
tratando do objeto da alienação dentro do procedimento
de recuperação judicial e, desse modo, nenhuma outra
interpretação poder-seá dar a tal dispositivo.
Entretanto, a confusão de raciocínio
surge em função do disposto no artigo 141, inciso II da
mesma lei, o qual pedimos venia para
reproduzi-lo:
“Art. 141. omissis.
II. O objeto da alienação estará livre de qualquer
ônus e não haverá sucessão do arrematante nas
obrigações do devedor, inclusive as de natureza
tributária, as derivadas da legislação do trabalho e
as decorrentes de acidente do trabalho”.
Sucede, porém, que o dispositivo
reproduzido encontra-se localizado no capítulo V – DA
FALÊNCIA – seção X – DA REALIZAÇÃO DO ATIVO.
Neste aspecto, é possível entender
que quando o legislador desejou fazer alguma ressalva,
assim o fez de forma cristalina, pois na oportunidade em
que se referiu ao objeto da alienação no procedimento de
recuperação judicial, liberando o arrematante da
sucessão nas obrigações do devedor, incluiu as de
natureza tributária, e mandou observar o disposto no §
1º do artigo 141 da lei, que em nada se relaciona com os
direitos trabalhistas.
“Art. 141. omissis.
§1º. O disposto no inciso II do caput deste artigo
não se aplica quando o arrematante for:
I - sócio da sociedade falida, ou sociedade
controlada pelo falido;
II - parente, em linha reta
ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do
falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III -
identificado como agente do falido com o objetivo de
fraudar a sucessão”.
É por isso que sustentamos que o arrematante é
sucessor das dívidas trabalhistas dos empregados
quando se tratar de arrematação de empresa em processo
de recuperação judicial. Isso, evidentemente, sem
qualquer esforço interpretativo da lei em comento, uma
vez que o legislador não liberou o arrematante das
obrigações trabalhistas, pois utilizou-se, no parágrafo
único da expressão “ inclusive as de natureza
tributária”.
Como na lei não há palavras inúteis, quando o
legislador manifestou-se a respeito à liberação do
arrematante em caso de sucessão no capítulo da falência,
utilizou-se da expressão “ inclusive as de natureza
tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as
decorrentes de acidentes de trabalho”.
Data máxima vênia, ousamos discordar, neste ponto, do
Professor Manoel Justino Bezerra Filho, quando em seus
comentários de artigo por artigo da nova lei de
falência, comenta o parágrafo único do art. 60, que diz
ser uma “blindagem” pelo temor do arrematante em suceder
o devedor pelas obrigações trabalhistas. Porém, a obra
do ilustre professor foi uma das primeiras a ser
publicada após a nova lei e talvez não tenha atentado
para esse detalhe interpretativo. Sem o intuito de
qualquer crítica a uma obra que muito contribui para os
operadores do direito.
Delineadas as diferenças entre ambos
os dispositivos, resta-nos concluir pela
responsabilidade da empresa arrematante pelas dívidas
trabalhistas da empresa devedora, pois não se deve
olvidar que o pagamento das verbas rescisórias é
instrumento da cidadania e que a dignidade da pessoa
humana é um dos postulados do Estado Democrático e de
Direito.
Verifica-se, por último, que o
disposto no parágrafo único do artigo 60 da lei em
comento deve ser interpretado de acordo com os
princípios regedores da lei laborista, tais como o
princípio da proteção que consiste em compensar a
superioridade econômica do empregador em relação ao
empregado, dando a este último uma superioridade
jurídica, princípio esse que, nas palavras de Sergio
Pinto Martins, se desdobra em três: a) o in dúbio pro
operário; b) o da aplicação da norma mais favorável ao
trabalhador; c) o da aplicação da condição mais benéfica
ao trabalhador. Não menos importante é o princípio da
irrenunciabilidade de direitos, que consiste em taxar de
nulidade de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação
dos preceitos trabalhistas.
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Advogado.