Revista Brasileira de
Direito Aeronáutico e Espacial

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A TRIBUTAÇÃO NA IMPORTAÇÃO DE AERONAVES

Ricardo Alvarenga

Mestre em direito comercial pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
e advogado associado ao Escritório Gaia, Silva, Rolim
e Advogados Associados em Belo Horizonte.

Até 19 de maio de 1988, havia isenção total de impostos federais (II e IPI) na importação de aeronaves, suas partes e peças, especialmente quando se destinassem a empresas de transporte aéreo e da indústria aeronáutica, consoante dispunha o Regulamento Aduaneiro, baixado pelo Decreto n. 91.030, de 5 de março de 1985 (art. 149, incisos VIII, IX e X). Em 19 de maio de 1988, o Decretolei n. 2.434, editado pelo então Presidente José Sarney, manteve a isenção para partes e peças de utilização aeronáutica, mas, em relação às aeronaves, passou a exigir os tributos federais incidentes (II e IPI), embora reduzidos em 80% (art. 2º, inciso II), quando se destinassem a empresas aéreas.

Em 1990, já no governo Collor, a Lei n. 8.032, de 12 de abril, extinguiu qualquer benefício fiscal que favorecia a importação de aeronaves (art. 2º), mas manteve a redução da carga tributária para a importação de partes e peças destinadas a oficinas de manutenção e reparos de aeronaves homologadas pelo Departamento de Aviação Civil do então Ministério, hoje Comando da Aeronáutica.

Hodiernamente, a importação para o Brasil de aeronaves e seus componentes está sujeita ao Imposto de Importação (II), ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e ao Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Usualmente, a alíquota de IPI é de 10% sobre o valor CIF da aeronave. O ICMS é 18% sobre o mesmo valor apurado, ou seja, sobre o valor CIF do bem, acrescido do IPI e do próprio ICMS, fazendo-se o cálculo "por dentro do imposto", como exige o Fisco estadual, após a edição da Emenda Constitucional n. 33/01.

Através do Decreto n. 2.376, de 13 de novembro de 1997, do Executivo Federal, o qual modificou a Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB), visando a adequá-la à Tarifa Externa Comum (TEC), praticada no âmbito do MERCOSUL, o Imposto de Importação para produtos aeronáuticos, em geral, foi reduzido a zero. Esta regra ainda prevalece, desde então.

No que concerne ao IPI, no entanto, a alíquota de 10% vem sendo aplicada à importação de produtos aeronáuticos, ainda que temporariamente importados, através de contratos de "leasing" ou arrendamento, seja o mercantil, com opção de compra facultada ao arrendatário, seja o operacional, sem esta opção de aquisição do bem. À guisa de ilustração, a importação de uma aeronave contratada para operar no Brasil por 10 anos, que é o prazo estimado pela Receita Federal como o de vida útil do bem, a alíquota será de 10%. Se o contrato for para 5 anos, a alíquota será de 5%, e assim por diante. Estamos defronte a chamada importação temporária com incidência proporcional do IPI, fruto da regra contemplada no art. 79 da Lei 9.430/96, regulamentada pelo Decreto n. 2.889, expedido no dia 21 de dezembro de 1988, em combinação com as Instruções Normativas n. 164, de 31/12/98, e 150, de 20/ 12/99, ambas da Secretaria da Receita Federal. Tal tributação proporcional do IPI também está em harmonia com a regras dos Decretos Federais números 3.975/2001, 4.070/ 01 e 4.186/2.002. O pagamento do tributo federal (IPI) é exigido por ocasião do desembaraço aduaneiro da aeronave, no momento em que o bem é despachado pelas autoridades alfandegárias, não obstante o deferimento do regime especial de admissão temporária tenha sido obtido pelo importador, perante as autoridades fazendárias (leia-se Secretaria da Receita Federal). Em outras palavras, embora o bem não seja despachado para consumo, pois haverá de retornar ao arrendador estrangeiro, findo o prazo contratual, o imposto é cobrado pelas autoridades fiscais.

Quanto ao ICMS, seu recolhimento é exigido na mesma data do desembaraço aduaneiro. Alguns Estados permitem a redução proporcional do tributo, nos mesmos moldes previstos na legislação federal. Outros não permitem e exigem a comprovação pelo importador do recolhimento do ICMS pela alíquota interna, cheia, de 18%. Exemplo destes últimos é o Estado de São Paulo, onde a voracidade arrecadatória pode ser adjetivada como pantagruélica.

As empresas de aviação são tributadas da seguinte forma, em relação ao IPI, valendo a mesma regra para o ICMS onde se admite a redução proporcional também do imposto estadual: i) empresas de linha aérea regular têm direito à alíquota zero, na importação por 10 anos; ii) as de transporte não-regular, como as empresas de táxi aéreo, pagam 5%, na importação por 10 anos, ou 2,5%, se o bem permanecer no País por 5 anos. Minas Gerais é paradigma dos Estados que admitem a redução proporcional do ICMS. Portanto, o importador pagará 9% de ICMS, se tiver direito à redução pela metade do IPI, de acordo com a legislação federal. As empresas do setor aéreo, inclusive as que integram a chamada indústria aeronáutica, que estejam relacionadas no anexo à Portaria Interministerial n. 285/02, editada, em conjunto, pelo Ministério da Defesa – Comando da Aeronáutica – e pelo Ministério da Fazenda, de conformidade com os Convênios .CONFAZ números 75/91 e 32/99, têm direito a uma alíquota especial de 4%, a título de ICMS, conquanto que relacionada com a circulação de produtos aeronáuticos.

A tributação muito onerosa coloca em risco a segurança da frota, pois desestimula o operador a renovar não apenas os equipamentos, ou seja, as aeronaves, mas também as peças de reposição. Por isso os aparelhos estão se avelhantando nas mãos dos usuários, sejam eles particulares, sejam empresas públicas de transporte aéreo.

A propósito, é importante enfatizar que países chamados desenvolvidos, exemplificados pelos Estados Unidos, Canadá e os da Europa ocidental, principalmente, privilegiam suas frotas de aeronaves, isentando-as de tributos. Os países que são signatários do Acordo sobre Aeronaves ("Aircraft Agreement") do antigo GATT ("General Agreement on Tariffs and Trade"), hoje parte da Organização mundial do comércio ("WTO – World Trade Organization"), v.g., dentre os quais se destacam os membros da União Européia, além dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Romênia e Egito, exoneram de tributos as importações de aeronaves e produtos aeronáuticos.

No que concerne aos aspectos estritamente jurídicos dessa tributação, especialmente levando-se em conta que a importação temporária de aeronaves passou a ser onerada pelo IPI e pelo ICMS, deve ser enfatizado o seguinte: quando a aeronave é objeto de arrendamento operacional, sendo também de procedência e fabricação estrangeiras, seu importador faz jus ao regime aduaneiro especial de admissão temporária, que permite a internação provisória de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão de tributos, nos termos dos artigos 306 a 331, do Decreto número 4543, de 27 de dezembro de 2002 (o mais recente Regulamento Aduaneiro) combinado com o Decreto número 2.889/98.

Ressalte-se que o artigo 310, do sobredito Regulamento Aduaneiro, dispõe, como condições para a concessão do regime de admissão temporária de bens, que os mesmos sejam importados com o caráter de temporariedade e sem cobertura cambial, ou seja, não implicando em sua aquisição , nem mesmo no futuro, além de serem adequados à finalidade para a qual foram importados.

O arrendamento operacional de aeronaves, a seu turno, equivale à locação, ao mero aluguel, como assevera a lei aplicável à matéria (artigo 127 "usque" 132 do Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7.565, de 19.12.1986). Com efeito, o arrendamento de aeronaves, de conformidade com a sobredita lei específica, que o conceitua no citado art. 127, nada mais é que o aluguel do bem, que pode ser "seco" ("dry leasing"), quando se referir exclusivamente ao aparelho, ou "molhado" ("wet leasing"), quando se tratar de aeronave tripulada, na forma prevista pelo parágrafo único do art. 129 do mesmo "codex". Equivale, portanto, à locação prevista no art. 565 do novo Código Civil. O chamado arrendamento operacional ("operating lease"), por conseguinte, nada mais é do que a primeira mencionada modalidade de locação de aeronaves, devendo ser entendido como uma das espécies do mesmo gênero. Já o arrendamento mercantil de aeronaves, também contemplado no Código Brasileiro de Aeronáutica (art. 137), é a locação com opção de compra, mediante pagamento de um valor residual. Portanto, esta modalidade de negócio jurídico exclui a aplicação do regime de admissão temporária (art. 331 do Regulamento Aduaneiro).

Mesmo assim, compreende-se que a importação de aeronave sob o regime de "leasing", ou seja, tanto o arrendamento operacional, simples, sem opção de compra, quanto o mercantil, com esta opção facultada ao arrendatário, não configura o fato gerador do IPI, enquanto persistir o elemento locação. E o motivo da falta de configuração da hipótese de incidência deste imposto é muito simples: enquanto estiver alugado, o bem não se consome, no sentido jurídico do verbo . Logo, se não há consumo, não há como se falar em incidência do IPI.

Aliás, ALIOMAR BALEEIRO já assinalava que o IPI era apenas um novo nome para um imposto velho, ou seja, o imposto de consumo. "Em verdade [asseverava o mestre], o tributo que, nas águas lustrais da Emenda n. 18/ 1965, recebeu o nome de ‘imposto sobre produtos industrializados’, é o mesmo imposto de consumo das Constituições de 1946 e anteriores. Restrito a pouquíssimas mercadorias na Colônia e no Império, esse imposto se expandiu rápida e amplamente no campo da competência concorrente deixado pela Constituição de 1891, passando a ser o mais produtivo dos tributos do País.(…). O direito anterior preferiu o ‘nomen iuris’ de imposto de consumo no pressuposto, quase sempre certo, de que o tributo era suportado economicamente pelos consumidores, graças aos efeitos dos fenômenos de repercussão de tributos desse tipo. (...) Noutros países, a denominação parte de fato econômico oposto, - a produção. Daí, impostos de produção, ‘de fabricação’, etc., coincidentes com o nosso antigo imposto de consumo. Depois da Emenda n. 18, de 1965, o tributo foi designado pela coisa tributada, - os produtos industrializados – provenham eles dos estabelecimentos produtores nacionais, ou tenham penetrado no país pela mão de comerciantes, ou importadores, por via de importação, ou até como bens de viajantes, ressalvadas as exceções ou isenções legais. Mas o fato gerador do I.P.I. é o mesmo do imposto de consumo." ("apud" Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro : Forense, 10ª ed., 1984, p. 199/200.)

Na mesma esteira, DÁVIO ZARZANA, escrevendo sobre o verbete "Imposto sobre Produtos Industrializados", na Enciclopédia Saraiva do Direito, acrescenta que, "O IPI é um imposto de consumo – esse era inclusive seu nome anterior. Incide sobre todas as mercadorias produzidas ou importadas consumidas no País. Tudo o que se produz ou se importa deve ser tributado pelo imposto, ao menos uma vez." (volume 42, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 451.)

O art. 46, I, do Código Tributário Nacional, de forma genérica, assevera que o IPI incide na importação de produto industrializado, que tem o desembaraço aduaneiro da mercadoria procedente do exterior como fato gerador do tributo. O Imposto de Importação, a seu turno, tem como fato gerador a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro (art. 69 do mais novo Regulamento Aduaneiro, introduzido pelo Decreto n. 4543, de 27 de dezembro de 2002, c/c o art. 1o, parágrafo único, do Decreto- lei n. 37/66 e art. 19 do Código Tributário Nacional). Entretanto, o art. 73, inciso I, do mesmo Regulamento Aduaneiro, prescreve o seguinte,

" verbis": "Art. 73 – Para efeito de cálculo do imposto [II], considera-se ocorrido o fato gerador (Decreto-lei n. 37/66, art. 23 e parágrafo único):

I – na data do registro da declaração de importação de mercadoria despachada para consumo (...)"

Observa-se, também, que, na legislação antecedente (Decreto n. 91.030/85), no que concerne a mercadorias importadas, o IPI se encontrava atrelado ao II, tanto assim que os arts. 219 e 220 do antigo Regulamento Aduaneiro prescreviam que a isenção do segundo implicava em isenção do primeiro (também o art. 12 do DL 491/69), e a exigência do II antes dispensado acarretaria também a do IPI. No entanto, estas regras não foram repetidas no mais novo Regulamento Aduaneiro (Decreto n. 4543/2002).

Entretanto, releva notar que, para a caracterização do fato gerador do IPI, na hipótese em que o importador é equiparado ao contribuinte deste imposto, não é necessária apenas a importação física da mercadoria. É preciso, além do ato físico, ou seja, a trazida do bem ao País, o ato jurídico, isto é, a aquisição do bem, pois, se assim não for, o produto não se consome no País e, sem este elemento, inexiste a hipótese de incidência. Todavia, a aquisição do bem, no caso de arrendamento operacional, nunca existirá, pois o arrendatário deverá, findo o prazo contratual, devolver o bem ao arrendador.

Tanto assim que o art. 37 do Decreto n. 4544, de 26 de dezembro de 2002, o mais novo Regulamento do IPI, exclui do rol de eventos configuradores do fato gerador deste imposto a locação de bens industrializados em uma primeira etapa. Eis a norma:

"Art. 37. Não constituem fato gerador [do IPI]:

I – "omissis"

II – as saídas de produtos subseqüentes à primeira: a) nos casos de locação ou arrendamento, salvo se o produto tiver sido submetido a nova industrialização."

Com efeito, o bem arrendado temporariamente, com previsão de retorno ao arrendador, findo o prazo de vigência do contrato, não é consumido, pois não ocorre a transmissão de titularidade do domínio. Ademais, em se tratando de bens estrangeiros (aeronaves), que aqui permanecerão apenas transitoriamente, com matrícula provisória no Registro Aeronáutico Brasileiro, a teor do disposto no art. 111, I, do Código Brasileiro de Aeronáutica, devendo ser reexportados ao proprietário, que, via de regra, não é um estabelecimento industrial, diga-se "en passant", ao final do termo de contratação do arrendamento operacional, nada mais justo e aplicável que esta aludida regra do mais recente Regulamento do IPI, considerando não-realizado o fato gerador do tributo.

Há mister em se destacar que também a doutrina sustenta que somente incide o Imposto de Importação e, por extensão, o Imposto sobre Produtos Industrializados, sem se falar ainda no ICMS, quando o produto estrangeiro ingressar no Território Nacional para se destinar ao consumo interno, o que tornaria não-tributável o seu simples trânsito pelo País. Compartilham esta opinião HAMILTON DIAS DE SOUZA (Estrutura do Imposto de Importação no Código Tributário Nacional, São Paulo: Resenha Tributária, 1980, p. 19 a 21), BERNARDO RIBEIRO DE MORAES (Sistema Tributário na Constituição de 1969, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973, v. 1, p. 268) e ALBERTO XAVIER (Autorização para Importação de Regime de Entreposto Aduaneiro, monografia, São Paulo : Resenha Tributária – Aduaneira (legislação), 1978, p. 352). Tal entendimento é perfilhado pelos tribunais superiores já há muito tempo, como se lê na Resenha Tributária – Imposto Aduaneiro (Jurisprudência), 1977, p. 359, comentário sobre a apelação em mandado de segurança n. 77.431-RJ, relatado pelo Ministro Décio Miranda.

A propósito, veja-se a conceituação do verbete CONSUMO no contexto econômico, o qual, obviamente, tem fundamental importância para se entender o significado do termo no contexto jurídico, "in verbis":

"CONSUMO. Utilização, aplicação, uso ou gasto de um bem ou serviço por um indivíduo ou empresa. É o objetivo e a fase final do processo produtivo, precedida pelas etapas de fabricação, armazenagem, embalagem, distribuição e comercialização." ("apud" PAULO SANDRONI, Dicionário de Administração e Finanças, São Paulo : Editora Best Seller, Círculo do Livro, 1996, p. 90.)

Já a Enciclopédia Saraiva do Direito traz a seguinte e elucidativa definição do vocábulo, "ad litteram":

"consumo é o uso integral do bem móvel até o seu desaparecimento. Esse desaparecimento pode ocorrer pelo uso que importe na destruição imediata da própria substância, como, v.g., se verifica em relação aos bens utilizados como alimentos, ou, então, pela sua alienação, como sucede, p. ex., com os bens revendidos pelos comerciantes. Essa regra, consagrando a natureza dos bens consumíveis, considerando consumo tanto o uso integral até a destruição substância da coisa, como também a sua alienação, é a adotada pelo direito positivo brasileiro (CC, art. 51)" – "apud" Enciclopédia Saraiva do Direito, São Paulo : Saraiva, 1978, v. 18, p. 453/454.

E o artigo 51 do Código Civil de 1916, a seu turno, que se repetiu no art. 86 do novo Código Civil de 2002, tem a seguinte dicção:

"São consumíveis os bens móveis, cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação."

Ora, se assim é, e quem o diz são os mais abalizados estudiosos sobre a matéria, tanto no campo da economia quanto no plano do direito vigente, não se pode conceber que uma aeronave arrendada, sem opção de compra, devendo retornar ao proprietário estrangeiro, que não se destina, portanto, à alienação ou à venda para o arrendatário, seja considerada consumida no País, durante o prazo do arrendamento, para justificar seu despacho para consumo e conseqüente incidência do IPI, o que, aliás, conflitaria com a própria natureza jurídica do negócio realizado. E, exatamente por isso, não ocorrendo o seu despacho aduaneiro para consumo, nos estritos termos do Regulamento Aduaneiro, enquanto persistir o regime de admissão temporária do bem no País, não ocorre o fato gerador do IPI, como, aliás, prescreve o próprio Regulamento desse imposto (art. 37, inciso II, alínea "a", do Decreto n. 4544/2002), pois não se trata de compra e venda, mas, sim, de mera locação, aluguel ou arrendamento.

"Last, but not least", é importante salientar que a novel tributação, proporcional, incidente sobre a admissão temporária de bens no País, notadamente através de contratos de arrendamento ou até de comodato (o que ocorre, por exemplo, com o empréstimo de equipamentos por instituições estrangeiras a brasileiros, para uso temporário e posterior restituição – "verbi gratia" os de uso científico, como aparelhos de diagnóstico destinados à medicina, ou de observação, para entidades de pesquisas astronômicas), deveria ter observado as regras constitucionais para a instituição de exações novas, ou seja, ter sido introduzida no ordenamento jurídico por meio de lei complementar, como prevê o art. 154, I, da Carta Fundamental, o que não ocorreu, merecendo a devida censura.

Observe-se que a base de cálculo do IPI na importação, por remissão expressa do art. 47, inciso I, do Código Tributário Nacional, ao art. 20, II, do mesmo "codex", é o preço de venda do bem no mercado, acrescido do imposto de importação, taxas alfandegárias e encargos cambiais pagos pelo importador (art. 47, I, alíneas "a" a " c"). Portanto, o novo IPI sobre a importação de produtos sob regime de admissão temporária, que nada tem a ver com a venda e compra desse mesmo produto, somente poderia ter vindo a lume, através de lei complementar, e não, como ocorreu, através de Medida Provisória, ulteriormente convertida na Lei n. 9.430/96 (art. 79).

Quanto à exigência do ICMS na importação de aeronaves arrendadas, a jurisprudência mais remansosa do Superior Tribunal de Justiça já a censurava, sob o principal argumento de que a locação não enseja a prática de ato de mercancia onerada pelo tributo estadual, pois não se concebe a tributação na mera circulação física, que se dá no aluguel. Se o bem não é vendido, não se pode configurar a sua circulação econômica, elemento essencial para a hipótese de incidência do ICMS.

Entretanto, após a edição da Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2.001, que alterou a redação do artigo 155 da Constituição Federal, em seu parágrafo segundo, inciso IX, alínea "a" [para dispor o seguinte: [o ICMS] "incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria, importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço."], o Fisco vem entendendo que não seria mais necessária para configuração do fato gerador do ICMS na importação de bens a existência de ato de mercancia. Defende o Fisco, também, que a necessidade de se gravar o produto importado para evitar a competição desigual com o produto estrangeiro estaria a justificar a tributação. E, finalmente, defendem os procuradores da Fazenda Pública estadual que a falta de tributação, pelos municípios, da locação de bens móveis, rubrica onde se insere o arrendamento operacional de aeronaves, em razão da declaração de inconstitucionalidade do item 79 da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-lei n. 406/68, com a redação da Lei Complementar n. 56/87, teria possibilitado às unidades da federação exigir o ICMS como sucedâneo do ISS.

Ora, no que concerne à nova redação do dispositivo constitucional que trata da incidência do ICMS na im- portação, há de se observar que a expressão "circulação de mercadorias" foi mantida (art. 155, inciso II). Portanto, somente a prática de ato de mercancia, ou seja, a venda e compra, como negócio jurídico ensejador da importação, para configurar a circulação da mercadoria (com conteúdo econômico), poderá , validamente, autorizar a exigência do ICMS.

Quanto ao argumento da competição desigual entre os produtos estrangeiros e os nacionais, caso não haja a tributação dos bens importados, ainda quando meramente alugados do exterior, deve ser lembrado que, a despeito da Emenda Constitucional n. 33/01, a legislação em vigor determina que o ICMS não incide em operações de arrendamento ou locação, ainda que mercantil, ressalvada a hipótese de aquisição do bem pelo arrendatário (art. 3o, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96). Portanto, se os bens nacionais não são onerados pelo imposto estadual, quando objetos de arrendamento, tampouco os estrangeiros deveriam ser tributados, sob o mesmo pálio da isonomia.

Finalmente, no que se refere à justificativa de substituição dos municípios pelos estados para tributar a locação de bens móveis, há dois aspectos importantíssimos a se ressaltarem. Primeiro, o caráter incidental da declaração de inconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, em recurso extraordinário, e não através do controle concentrado da constitucionalidade das leis, através de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). Portanto, tal julgado vale apenas entre as partes, a despeito de ter envolvido o Tribunal Pleno, não tendo caráter "erga omnes". Em segundo lugar, o fato de o Supremo Tribunal Federal ter declarado ilegítima, por inconstitucional, a exigência de ISS sobre a locação de bens móveis não autoriza que os estados membros e o Distrito Federal possam passar a exigir o ICMS como sucedâneos dos municípios, pois isto é expressamente vedado pela regra do art. 8º do Código Tributário Nacional. ("Art. 8º. O não exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.") Em outras palavras, se a lista de serviços tributáveis pelos municípios incluía a locação de bens móveis, mas esta inclusão passou a ser considerada inconstitucional pela Suprema Corte (já que a locação encerraria uma obrigação de dar e não uma obrigação de fazer, portanto, desfigurando-a como serviço), isto não autoriza que as unidades da federação venham a exigir o ICMS, neste vácuo estabelecido pelo julgado, considerando- a ato de mercancia, que é a negociação do bem com ânimo de translação de domínio.

Portanto, em conclusão, tanto a exigência de IPI quanto a de ICMS, na importação de aeronaves arrendadas, inclusive quando é facultada ao arrendatário a aquisição do bem, através do pagamento do valor residual, são ilegítimas, pois ferem a Constituição Federal, e podem ser judicialmente contestadas, como admite a jurisprudência do STJ, especialmente no que concerne a este último imposto, onde há uma profusão de julgados repelindo a exigência fiscal.

 

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