Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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CÓDIGO DO CONSUMIDOR E A
RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR ÁEREO

Xisto da Silva Mattos

"O direito não é filho do céu. É um produto cultural e histórico da evolução humana".
Lima Barreto

O escopo temático deste breve relato resta estampado em seu título. Qual seja: O Código de Defesa do Consumidor e seu relacionamento com o transportador aéreo no que diz respeito a responsabilidade.

Para atingirmos um ponto que nos permita entender melhor, faz-se necessária uma digressão histórica nas matérias atinentes ao assunto e, vamos observar como vivia o cidadão antes do advento da nova legislação.

O tema " Defesa do Consumidor " sempre foi muito debatido, congressos e seminários foram realizados, Projetos de lei encaminhados ao congresso, e até entidades, com essa finalidade, foram criadas.

Acontece, porém, que o cidadão, na qualidade de consumidor, sempre esteve desamparado pela escassez de um ordenamento jurídico que regulasse as relações de consumo.

Tudo isso agravava-se devido a pouca ou má informação do cidadão que, via de regra, desconhece seus direitos e, pelas dificuldades em custear processos acabava aceitando, ainda que inconformado, a violação dos seus direitos.

Essa carência abriu espaço para que fosse formulado, felizmente, o Código de Defesa do Consumidor nascido em 11 de setembro de 1990, entrando em vigor no dia 11 de março de 1991.

A questão despertou muitas críticas. Lembro-me que o nosso respeitável jurista, Dr. Ives Gandra Martins; ao se referir ao Código, dizia: "O Código é uma enorme floresta de dispositivos, cheia de contradições e conflitos que só a aplicação prática poderia sanar".

Todavia, o instrumento foi colocado à disposição do cidadão, e já passados quase onze anos é possível visualizar um saldo positivo na nova relação entre fornecedor e consumidor. Resgatando, até, o direito de cidadania às classes menos favorecidas na relação.

É inegável que o surgimento do Código do Consumidor foi responsável pela melhoria na qualidade de produtos e serviços, forçando os empresários a se ajustarem aos ditames da nova lei. Pois o Código, como norma de ordem pública tem sua aplicação necessária e sua observância é de caráter obrigatório.

Antes de penetrar na proposta do nosso tema principal, que é a responsabilidade do transportador aéreo, convém salientar que algumas críticas ao referido Código eram julgadas pertinentes, pois, bastava perceber que à época da promulgação da lei, elaborada e aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, demonstrava no espírito e letra de seus 119 artigos, a intenção de nossas autoridades em nos defender de produtores de bens e serviços, comerciantes, intermediários e importadores, todos da iniciativa privada. E quem nos defendia do Estado? Pois ele detinha 2/3 da economia e da formação bruta do capital.

Não podemos olvidar que a sociedade sempre foi consumidora de serviços de energia elétrica, transportes, água, correios e telégrafos, telecomunicações, combustível, escola, polícia, hospitais e serviços previdenciários.

A sociedade não recebe nada disso gratuitamente. Ela paga por tudo isso que consome ou usa, através de preço de vendas ou de impostos ou taxas, quando não de ambos.

No entanto, essa verdadeira relação de dependência não fazia parte da plena percepção de nossos legisladores, tanto que no Código a relegaram a um distante plano secundário. Atualmente, algumas privatizações legalizaram essa falha.

Quanto à responsabilidade do transportador aéreo, é cabível uma análise mais extensiva, por ser a Ciência do Direito, no conceito do Professor PAULO DOURADO DE GUSMÃO, Estudo metódico de normas jurídicas com o objetivo de descobrir o significado objetivo das mesmas e de construir o sistema jurídico, bem como de estabelecer as suas razões sociais e históricas. Por isso, vale a reflexão.

Nota-se, desde logo, a necessidade de seguirmos uma linha de raciocínio que nos possibilite, na caminhada, encontrar e cumprimentar algumas modalidades de responsabilidade civil que nos direcionará a uma fácil compreensão.

Visando facilitar, dividimos o transporte aéreo em Internacional e Interno ou Nacional.

O transporte aéreo internacional é disciplinado pela Convenção de Varsóvia, de 12 de outubro de 1929, recepcionada no nosso ordenamento jurídico pelo decreto nº 20704 de 24 de novembro de 1931. A Convenção de Varsóvia sofreu emendas do Protocolo de Haia, datado de 28 de Setembro de 1955.

O Transporte Aéreo Interno, atualmente, é regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, lei nº 7565 de 19 de dezembro de 1986.

O que caracteriza como Internacional o Transporte Aéreo é o fato de os pontos de partida e destino, haver ou não interrupção de transporte ou baldeação no território de dois Estados, ou mesmo de um só, havendo escala prevista no território de outro Estado, não importando ser ou não nacional a empresa transportadora , mas sim, que o ponto de partida ou de chegada do vôo seja de um dos países convenentes.

Já o transporte aéreo doméstico, é aquele cujos pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados no terri-tório nacional; não obstante, esse transporte não se descaracterizará, se, por motivo de força maior, a aeronave fizer escala em território de outro País, desde que os pontos de partida e destino sejam em território nacional.

A responsabilidade do transporte aéreo nas conformidades da Convenção de Varsóvia, é meramente subjetiva , com culpa presumida, como se lê:

"Responde o transportador pelo dano ocasionado por morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea sofrida pelo viajante, desde que o acidente que causou o dano, haja ocorrido a bordo da aeronave, ou no curso de qualquer operação de embarque ou desembarque"(ART. 17). " O transportador não será responsável se provar que tomou, e tomaram seus prepostos, todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano ou que lhes não foi possível tomá-las" (ART. 20, nº1).

Apenas como lembrete: A responsabilidade adotada pela Convenção de Varsóvia é aquela do artigo 159 do nosso Código Civil, que se inspira na idéia da existência da culpa como fundamento para a obrigatoriedade de reparar o dano . É a culpa em sentido amplo, lato sensu, para indicar não só a culpa estrito sensu, mas também o dolo.

Como diz o Professor SÉRGIO CAVALIERI FILHO: " Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna".

A jurisprudência tem interpretado esses dispositivos de forma a atribuir ao transportador aéreo a responsabilidade objetiva não suprimida nem pela força maior. O fato do passageiro concorrente ou exclusivo, pode atenuar ou elidir a responsabilidade do transportador.
(ART. 21 da Convenção de Varsóvia).

RESP 154943/DF; RECURSO ESPECIAL

(1997/0081326-6)

DJ DATA: 28/08/2000 PG: 00074
Min. NILSON NAVES (361)
04/04/2000
T3 – TERCEIRA TURMA
Transporte aéreo. Extravio de bagagem (danos à bagagem/danos à carga). Indenização (responsabilidade). Cód. Bras. de Aeronáutica e Conv. de Varsóvia/Cód. de Def. do Consumidor. 1. Segundo a orientação formada e adotada pela 3ª Turma do STJ, quando ali se ultimou o julgamento dos REsp’s 158.535 e 169.000 (sessão de 4.4), a responsabilidade do transportador não é limitada, em casos que tais.

Cód. de Def. do Consumidor, arts. 6º, VI, 14, 17, 25 e 51,
§ 1º, II.

2. Retificação de voto. 3. Recurso especial conhecido pelo dissídio mas desprovido.

A Quarta Turma do STJ manifesta o seguinte entendimento: 15/10/2001.

Responsabilidade Civil. Transporte Aéreo Internacional. Extravio de carga. Código de Defesa do Consumidor.

Para a apuração da responsabilidade civil do transporte aéreo internacional pelo extravio da carga, aplica-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor, se o evento se deu em sua vigência, afastando-se a chamada indenização tarifada.

22/05/2001

Responsabilidade civil. Transporte Aéreo Internacional. Limite indenizatório. Dano moral.

1- A perda de mercadoria em transporte aéreo internacional, causada pela negligência da empresa, deve ser indenizada pelo seu valor real, não se aplicando a regra da indenização tarifada.

Esposamos o entendimento do TJRJ que, embora não despreze a Convenção de Varsóvia, reconhece o CDC como norma aplicável ao tema em comento.

RESPONSABILIDADE CIVIL - EXTRAVIO DE BAGAGEM - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - DANO MORAL - DANO MATERIAL - INDENIZAÇÃO TARIFADA - PRECEDENTE NO STF.

Responsabilidade civil. Indenizatória. Dano moral e material. Extravio de malas. Viagem aérea ao exterior. Convenção de Varsóvia.

A partir do julgamento proferido no RE nº 172.720 RJ pelo Colendo Supremo Tribunal Federal firmou-se o entendimento de que a, indenização tarifada da Convenção de Varsóvia não exclui a compensação relativa aos danos morais assegurada pela CF de 1988, em seu artigo 5°, V e X.

Hipótese em que casal, ele médico, em viagem ao exterior, de Encontro de Médicos, no trecho Roma — Paris, teve extraviada sua bagagem, o que impossibilitou participar de jantares e assistir os espetáculos para os quais se programaram.

Situação de constrangimento, sentimento de desconforto, aborrecimento e até mesmo de humilhação a recomendar a elevação do valor do dano moral arbitrado.

Aplicação da indenização tarifada nos termos da Convenção de Varsóvia quanto a indenização pelo dano material à mingua de prova segura do conteúdo das malas.

Agravo retido da ré não conhecido, improvimento do seu apelo e provimento parcial do apelo dos autores.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n° 12955/00 em que são Apelantes Paulo Potsch e outra e Alitalia Linee Aeree Italiane S.P.A. e Apelados os mesmos.

Acordam os Desembargadores da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em não conhecer do agravo retido da ré, negar provimento ao seu recurso e prover parcialmente ao recurso dos autores, nos termos do relatório e voto do relator.

Cuida-se de ação objetivando a condenação da ré, empresa aérea, no pagamento de indenização por danos materiais, por extravio das malas dos autores, no trajeto de Roma-Paris, fato que ocasionou aos postulantes além de constrangimentos, gastos para recuperarem sua bagagem.

A sentença julgou procedente, em parte, o pedido dos autores, condenando a ré no pagamento, a título de danos materiais, da importância de 17 D.E.S., por quilograma, e da importância equivalente a cem salários-mínimos, para cada autor, como compensação pelos danos morais.

Publicada a sentença, manifestou a ré agravo retido da decisão de fls.68 (indeferimento de depoimento pessoal dos autores) e embargos de declaração. Quanto ao agravo, decidiu o Juiz que ficasse retido nos autos e, tocante os embargos, os acolheu para, provendo sobre omissão do julgado, rejeitar preliminar de decadência do direito.

No prazo legal, apelaram ambas as partes. Os autores, a fim de que fossem elevados os valores deferidos tanto a título de dano material quanto a titulo de dano moral. A ré para que fosse dado provimento ao agravo retido, anulando o processo, ou, alternativamente, fosse provido seu apelo, reduzindo o dano material ao equivalente a 332 DES e ainda reduzido a compensação pelo dano moral, para que respeitado fosse o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Recursos recebidos regularmente processados, tendo sido contra-razoados.

  Voto

A decisão que julgou desnecessária a produção de prova oral, complementar, foi publicada em 02.03.00. A Decisão desafiava recurso de agravo de instrumento que poderia restar retido nos autos. Mas, para ser tempestivo, Deveria ser aforado até o dia 12.03.00. Interposto que foi somente no dia 11.04.00, o foi manifestamente fora do prazo legal, não sendo caso de conhecimento do recurso.

Nem cabe argumentar com o pedido de reconsideração de fls.70, decidido às fls.71, pela óbvia razão que o pedido de reconsideração não interrompe e nem suspende o prazo para a interposição do recurso cabível.

Passando aos exames dos apelos, decide-se, em 1° lugar, o recurso da ré, vez que, em larga medida, prejudicial aos recursos dos autores.

Pretende a empresa aérea, ré no processo, o reconhecimento da decadência, ou seja, a perda do direito dos autores de serem indenizados pelo decurso do prazo de 30 dias do artigo 26, I, do C.D.C.

A decisão, proferida nos embargos de declaração, rejeitou esta preliminar, com a fundamentação seguinte: é evidente que a presente ação indenizatória tem por base a responsabilidade pelo fato do serviço (gerando prejuízo aos consumidores); e não a responsabilidade por vício do serviço, que levaria a ação redibitória quantia minoris. E concluiu: no tocante a responsabilização pelos prejuízos decorrentes do fato do serviço, a ação indenizatória prescreve em cinco anos (Art. 27 C.D.C.).

Adota-se, como razão de decidir, a ora transcrita. Convenha-se que limitar a 30 dias, contados da verificação do defeito do serviço, ou, na hipótese de que aqui se cuida, do desaparecimento de bagagem, seria, na prática, a eliminação do direito, porque esse é o prazo que, normalmente, é o de duração de uma viagem no exterior.

Insurge-se ainda a ré com a sentença no capítulo em que deixou de aplicar a Convenção de Varsóvia na questão do cabimento da reparação pelo dano moral e, ainda, a limitação da indenização material atinente ao extravio das bagagens.

No estágio em que se encontra a jurisprudência de nossos Tribunais, notadamente nos Egrégios S.T.F. e S.T.J., e ainda na quase totalidade das Câmaras Cíveis deste Tribunal, como comprova-se ás fls.120/127, não há mais espaços para se polemizar sobre a questão. Quanto ao valor da compensação, terá exame e decisão no recurso dos autores, que pretendem a elevação do valor, o mesmo ocorrendo quanto a limitação de responsabilidade pelo extravio das malas.

Meu voto, pelo exposto, é para negar provimento ao recurso da ré, 2ª apelante.

E, passando-se ao exame do recurso dos autores, verifica-se que insurgem-se estes com a sentença na fixação do valor dos danos morais e materiais.

Quanto aqueles, danos morais, pretendem seja o valor aumentado para 300 salários-mínimos, argumentando: tendo em vista que as malas dos recorrentes não chegaram ao seu destino (Paris), fato incontroverso, os apelantes ficaram sem as suas roupas apropriadas para comparecerem ao encontro de médicos, participar de jantares e assistir os espetáculos para os quais se programaram, em decorrência da total falta de informação por parte da apelada sobre o destino das referidas bagagens.

Em julgamento de hipótese que se pode dizer idêntica a 8ª C.C. deste TJRJ., Rel. Des. ADEMIR PIMENTEL foi exaltado:

"Na fixação do valor do dano moral, há que se atentar para a intensidade do sofrimento daquele que, longe de sua pátria, debate-se frente à incerteza da devolução de seus pertences, da humilhação e indiferença por parte daquele em que depositou confiança sobre o contrato de viagem elaborando seus planos, alicerçando seus sonhos, seus ideais, não se podendo afastar, por outro lado, o relevante aspecto da pena privada de que reveste a condenação, freio inibitório de novas práticas atentatórias ao consumidor.

Acolhendo esta fundamentação porque de toda encaixável à hipótese deste julgamento, voto para, quanto ao dano moral, prover em parte o recurso dos autores para fixar o valor do dano moral em 200 salários-mínimos para cada autor".

Por fim, quanto ao dano material, meu voto é para manter a sentença, menos por entender inaplicável a casos tais o C.D.C., mas, mais porque não existe prova segura do conteúdo das bagagens, indemonstrada, com a desejada segurança, o conteúdo das malas, portanto, a real extensão dos prejuízos, aplica-se a indenização tarifada da Convenção de Varsóvia, a exemplo do que entendeu o 7° Grupo de Câmaras deste Tribunal, no aresto mencionado às fls.98. Meu voto, pontofinalizando, é para negar provimento ao apelo da ré, ALITALIA, Linee Aeree Italiane SPA., e prover parcialmente ao apelo dos autores, Paulo Potsch e Outra, não conhecer do agravo retido. É o voto.

Rio de janeiro, 07 de Novembro de 2000

Des. Sylvio Capanema de Souza - Presidente

  Des. Jayro dos Santos Ferreira – Relator

Na mesma trilha de entendimento segue a jurisprudência majoritária, manifestando sempre a aplicabilidade do CDC quando se trata de transporte aéreo internacional e interno ou doméstico, o que nos obriga, no presente estudo, destacar algumas decisões proferidas em diversos Estados para que o leitor possa formar sua opinião a respeito de tão polêmico tema e que tem dado trabalho aos estudiosos e operadores do direito;

TJRS – 5.ª C.- Ap. 597.187.277 – Relator Araken de Assis – j. 9.10.97.

Consumidor. Responsabilidade Civil . Transporte Aéreo. Incidência do CDC. Inexistência de defeito na prestação do serviço. – "Ao transporte aéreo se aplicam as disposições da lei 8.078/90 (Código do Consumidor). O atraso na entrega da encomenda integra o contrato de transporte aéreo, pois os artigos 245 e 246 da lei 7565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) no se limitam a casos de acidentes. A responsabilidade do transportador é objetiva (artigo 14, caput, da lei 8.078/90). Esta hipótese não prescinde da demonstração de defeito no serviço, cuja existência exclui a responsabilidade (artigo 14 $ 3.º, I). o simples atraso na entrega da encomenda, quando não estipulado prazo certo, não representa falha no serviço".

1.º TACSP- 10.ª C- Ap- Rel. Antônio de Pádua Ferraz Nogueira –j. 19.4.94 – JTACSP-LEX 146/157).

Transporte aéreo internacional. Responsabilidade Civil. Atraso de oito horas no vôo de São Paulo a Buenos Aires, com perda de um dia de programação. Fato decorrente do excesso de lotação do Vôo contratado, e deslocamento da autora para outro vôo. Disciplina dos artigos 19 a 22 da Convenção de Varsóvia, artigos 7.º, 14 e 20 do CDC e artigo 246 itm 2.º, do CBA, fixando-se metade da multa compensatória prevista na Convenção de Varsóvia. Recurso provido, em parte. Declaração de voto vencido,

1.º TACSP – 10.ª Câm Ap. 629.715/0- Rel. Antônio de Pádua Ferraz Nogueira – j. 31.10.95.

Responsabilidade Civil. Transporte aéreo. Cancelamento de Vôo. Comunicação incompleta. Contrato de característica unilateral. Nulidade da claúsula. Inteligência do art. 51 da lei 8.078/90 e do artigo 22 da Convenção de Varsóvia – "O contrato de transporte aéreo é de resultado, respondendo o fornecedor do serviço pelos "vícios de qualidade"que o tornem impróprio ao consumo ou lhe diminua o valor. Por isso, não se trata de obrigação aleatória, cabendo ao transportador, além da obrigação de segurança, a de prestabilidade, sob pena de ter o dever de indenizar, independentemente de qualquer discussão de culpa do contratante faltoso. A cláusula das "Condições do Contrato"que acompanhavam o bilhete, por se tratar de claúsula unilateral, colocada em contrato de adesão, só visando ao interesse da companhia transportadora, não tem valor algum, conforme artigo 51 da lei 8.078/90 ( CDC).

Diante do entendimento dos Tribunais surge outra particularidade na responsabilidade do transportador aéreo que é a forma de indenização limitada a um valor máximo, ( ART. 22,
nº 1, da citada Convenção), valor esse, que tem sido objeto de inúmeras divergências e dificuldades na sua fixação. A limitação, todavia, deixa de existir, passando a indenização a ser fixada com base no direito comum, se houver dolo ou culpa grave da parte do transportador, consoante o art. 25, n.1, da referida Convenção.

A reflexão acima evidencia um absurdo quando transfere o ônus da prova para a vítima.

Vale dizer que com o advento da lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, iniciou-se uma verdadeira batalha a respeito da indenização. Entraram em cena os defensores da matéria e utilizaram suas armas de acordo com a posição em que se encontrava o interesse a ser defendido.

Alguns sustentavam que, sendo integral o dever de indenizar como prescrito no art. 6 º, VI do código de defesa do Consumidor , afastada está a hipótese de limitação. Outros defendiam o princípio de que no conflito entre a lei interna (CDC) e o tratado, prevalece o tratado, pelo que nossa lei não poderia alterar a Convenção de Varsóvia.

Tal polêmica ganhou corpo e então, a nossa suprema corte, em julgamento de RE 80.004, de 1975 até 1977, manifestou entendimento no sentido de que a Convenção, embora tenha aplicabilidade no Direito Interno do Brasil, não se sobrepõe às leis do País. Logo, em caso de conflito entre tratado e lei, prevalece a lei, por representar a última vontade do legislador, embora o descumprimento no plano internacional possa acarretar conseqüências . Então, não permanece entre nós, a aplicação da indenização limitada prevista na Convenção de Varsóvia.

No embate entre as duas correntes que situam os tratados internacionais em face do direito positivo dos Países que o firmarem - Monista, que dá primazia ao Direito Internacional, e Dualista que atribui a prevalência do Direito Interno, ficamos mais atraídos pela teoria Dualista por considerar que os dois direitos são autônomos e independentes um do outro. Apenas para ilustrar é oportuno citar que KELSEN, rejeitando o dualismo jurídico, são defensáveis as duas posições:

1- A validade do Direito Internacional depende de seu reconhecimento pelos direitos nacionais (primado do Direito Nacional), e,

2- A validade do direito Nacional depende de seu reconhecimento pelo direito Internacional (primado do Direito Internacional).

Sem nos aprofundarmos no debate - o que fugiria o objetivo deste artigo, vale, contudo, esclarecer que a Convenção é um Tratado que, na lição de PAULO DOURADO DE GUSMÃO, transforma-se em norma de direito interno, tendo assim força de lei, obrigando o juiz a respeitá-lo e aplicá-lo aos casos a ele submetidos, quando, na forma prescrita na Constituição, for por ato legislativo do Congresso Nacional (Decreto Legislativo) aprovado, e por Decreto do Presidente da República promulgado, dando-lhe assim executoriedade. Destarte, o Tratado Internacional para ter valor de direito interno, ou seja, de lei, depende de dois atos normativos: Decreto Legislativo do Congresso e Decreto do Presidente da República.

Com grande propriedade definiu o Procurador Autárquico, Dr. MARCELO TEIXEIRA BITTENCOURT ao dizer que a Convenção é um Tratado Internacional, integrado ao sistema jurídico brasileiro, primeiramente pela assinatura, pelo plenipotenciário brasileiro, pela edição de decreto legislativo expedido pelo Congresso Nacional, pela edição de Decreto Presidencial, pela publicação no DOU (Diário Oficial da União) e, ainda no Diário Oficial do Congresso Nacional.

A validade do Tratado tem suporte Constitucional no art. 5º, parágrafo 2º da Carta Magna, onde prescreve:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

No transporte aéreo doméstico, a responsabilidade limitada do Código Brasileiro de Aeronáutica, encontra-se presente nos arts. 246 e 257".

Percebe-se, também, o conflito com o Código do Consumidor, uma vez que a limitação que ora se trata, tem como respaldo, o fato de o transportador não suportar o pagamento das indenizações em caso de morte de todos os passageiros e tripulação. Perdendo, ainda, a aeronave, o que extinguiria o seu negócio.

Outro argumento seria o de que o passageiro aéreo tinha condição de arcar com parte do risco. Será que ainda pensam assim? Pois o transporte aéreo é, atualmente, acessível a todas as camadas da sociedade ativa, sem dotar de privilégios econômicos os seus usuários. Isso decorre da competição acirrada, imposta pelo mercado e que possibilita ao cidadão fazer uso do transporte aéreo.

Veio o Código de defesa do Consumidor e derrogou esses dispositivos que estabelecem responsabilidade limitada para as empresas de transporte aéreo.

Pois, como são prestadoras de serviço público, estão subordinadas ao regime do nosso código (arts 3º, parágrafo 2º e 6º, X), que estabeleceu responsabilidade objetiva integral, como se lê no artigo 22 e parágrafo único.

"Os órgãos Públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumprí-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

No caso, é o transportador aéreo parte integrante do serviço público por concessão da União.(CF/88, art.21,XII, "c"), não podem as empresas que exploram o transporte aéreo ficar fora do regime integral de indenização estatuído no Código do Consumidor. (art. 6º ,I e VI, e 25).

A responsabilidade limitada somente é admitida, em situações justificáveis, nas relações de consumo entre fornecedor e consumidor pessoa jurídica, conforme prescreve o artigo 51,I, parte final. Jamais se aplica entre fornecedor e consumidor pessoa física.

Ao concluir, quero frisar que a responsabilidade no transporte aéreo nacional, não é tão conflitante quanto o internacional, pois sendo o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Código do Consumidor leis nacionais, e sendo o Código do Consumidor posterior ao Código Brasileiro de Aeronáutica, há de prevalecer naquilo que dispõe de forma diferente. Vejamos então a regra do artigo 2º parágrafo 1º da LICC ( Lei de Introdução ao Código Civil).

Nesta oportunidade deti-me a relatar apenas as responsabilidades subjetiva e objetiva adotadas, respectivamente, na Convenção de Varsóvia e no Código do Consumidor, porém, ao concluir este artigo não poderia olvidar de atribuir ao consumidor, com o amadurecimento do pós-lei consumerista, a parcela substancial na verdadeira aplicação da lei. Atualmente, o consumidor já procura pelo Ministério Público, para que este faça valer o seu direito através de instrumentos de representação, Inquérito Civil, Ação Civil Pública e ainda, na maioria das vezes, firma-se termo de compromisso de ajustamento de conduta, como forma de reconhecimento da obrigação legal, onde a empresa lesante se compromete a ajustar a prática danosa ao consumidor, de modo a não violar a lei, sem prejuízo da Ação Penal para apuração de crimes contra o consumidor.

Concluímos com a certeza de que, aproximadamente 11 (onze) anos da vigência da lei, tenhamos um consumidor cada vez mais ciente de que "ninguém possui outro direito senão o de sempre cumprir o seu." Comte.

Referências:

Artigo publicado originalmente em 1999, na página da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial, merecendo alterações pelo transcorrer dos tempos, pela evolução da mente humana neste espaço temporal e pelo comportamento da jurisprudência de nossos tribunais, muito embora não tenha sido tão explorado pela doutrina.

Para críticas e sugestões segue nosso endereço eletrônico xisto.mattos@ig.com.br

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