Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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As Atividades Espaciais Brasileiras e o
Problema da Responsabilidade Internacional

Wálteno Marques da Silva, Antonio Temóteo dos Anjos Sobrinho, Altair Stemler da Veiga e Gustavo Henrique T. da Silva, Advogados e Membros do Núcleo de Estudos de Direito Espacial - NEDE/SBDA

 

A Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) divulgou a Consulta Pública nº 293, para licitar a concessão do direito de exploração de posições orbitais. Sobre este tema, um grupo de advogados, membros do Núcleo de Estudos de Direito Espacial da SBDA, sugeriu, através de carta à Anatel, alterações no mencionado edital, tendo em vista o atendimento das exigências da legislação internacional vigente, ratificada pelo Brasil. O caso parece indicar a conveniência de maior entrosamento da área de telecomunicações do país com a política nacional de atividades espaciais, inclusive no âmbito jurídico

I – PREAMBULARMENTE

Atentos ao chamamento publicado no DOU Seção 1 de 24 de abril de 2001 para oferecimento de contribuições e sugestões sobre a proposta do Edital em epígrafe, cabe-nos tecer algumas considerações de estrita pertinência ao tema em comento, tudo na mais franca defesa do interesse nacional no que diz respeito à questão da responsabilidade do Estado Brasileiro por danos causados por objetos espaciais, em face dos instrumentos internacionais em vigor.

Em primeiro lugar impende ressaltar a existência da Lei nº 8.854, de 10 de fevereiro de 1994, que criou a AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB, autarquia federal, hoje vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT, com a finalidade de promover o desenvolvimento das atividades espaciais de interesse nacional, atribuindo-lhe, dentre outras, a competência para estabelecer normas e expedir licenças e autorizações relativas às atividades espaciais. (art. 3º, XIII).

Nesta diretriz, foi editado o Decreto nº 1.332, de 8 de dezembro de 1994, aprovando a Política de Desenvolvimento das Atividades Espaciais – PNDAE, cujo item II, nº 3, do seu anexo, assim dispõe, verbis:

"Atividades espaciais são entendidas como o esforço sistemático para desenvolver e operar sistemas espaciais, bem como a necessária e correspondente infra-estrutura, visando a permitir ao homem ampliar o seu conhecimento do Universo, em particular o planeta Terra e sua atmosfera, bem como explorar, com objetivos utilitários, a disponibilidade desses novos dispositivos."

A citação preliminar dos aludidos diplomas legais tem o condão de chamar a atenção para a irrefragável constatação de que é da AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB a competência legal para executar e fazer executar a Política de Desenvolvimento das Atividades Espaciais de interesse nacional, bem como estabelecer normas e expedir licenças e autorizações relativas às atividades espaciais, dentre as quais se insere, indubitavelmente, a atividade da futura empresa vencedora do certame para a execução do objeto da proposta do Edital sub examine, eis que ele contempla o Direito de Exploração de posições orbitais, com a implantação de projetos de início de fabricação; fechamento de projeto; término de fabricação; lançamento e início de exploração comercial, tratando-se, portanto, de atividade espacial, por excelência, da qual decorrerá a responsabilidade internacional do Brasil, como a seguir se demonstra.

II – RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS EM VIGOR

No respeitante à questão da responsabilidade do Estado Brasileiro relacionada à execução de atividades espaciais, centraremos esta abordagem exclusivamente nos 02 (dois) intrínsecos instrumentos internacionais alusivos ao tema em foco. São eles:

"TRATADO SOBRE OS PRINCÍPIOS REGULADORES DAS ATIVIDADES DOS ESTADOS NA EXPLORAÇÃO E USO DO ESPAÇO CÓSMICO, INCLUSIVE A LUA E DEMAIS CORPOS CELESTES", APROVADO PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU EM 19 DE DEZEMBRO DE 1966, ABERTO À ASSINATURA EM 27 DE JANEIRO DE 1967, EM VIGOR DESDE 10 DE OUTUBRO DE 1967. PAÍSES DEPOSITÁRIOS: RÚSSIA, REINO UNIDO E EUA; 93 RATIFICAÇÕES (INCLUSIVE A DO BRASIL) E 27 ASSINATURAS.

"CONVENÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR DANOS CAUSADOS POR OBJETOS ESPACIAIS", APROVADA PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU EM 29 DE NOVEMBRO DE 1971, ABERTA À ASSINATURA EM 29 DE MARÇO DE 1972, EM VIGOR DESDE 1º DE SETEMBRO DE 1972. PAÍSES DEPOSITÁRIOS: RÚSSIA, REINO UNIDO, EUA; 76 RATIFICAÇÕES (INCLUSIVE A DO BRASIL) E 26 ASSINATURAS.

Ao dispor sobre a responsabilidade internacional no campo das atividades espaciais, o Tratado de 67 tornou-se o principal marco jurídico do processo de codificação do Direito Espacial, e núcleo a partir do qual se desencadeou a edição das outras duas Convenções, e a ele intimamente ligadas: uma sobre a "Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais"; e outra relativa ao "Registro de Objetos Espaciais Lançados no Espaço Cósmico".

No que diz respeito propriamente à questão da responsabilidade internacional consignada no Tratado de 67, depreende-se que os elaboradores da então embrionária codificação do Direito Espacial deixaram evidências de que um dos objetivos primordiais foi a garantia da pronta e eficaz reparação dos danos decorrentes das atividades espaciais, reconhecidas como de altíssimos riscos, diante da extrema dificuldade que as vítimas poderiam enfrentar na reparação dos danos sofridos, e não por outra razão, tal responsabilidade foi adredemente situada no patamar de Estado a Estado, que é a hipótese clássica da responsabilidade internacional (arts. 2º a 5º).

Ao regular a matéria da responsabilidade sobre as atividades nacionais realizadas no espaço exterior o art. 6º do Tratado de 67 assim dispõe com meridiana clareza:

"Os Estados-Partes do Tratado têm a responsabilidade internacional das atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais ou por entidades não-governamentais, e de velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com as disposições anunciadas no presente Tratado. As atividades das entidades não-governamentais no espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, devem ser objeto de uma autorização e de uma vigilância contínua pelo competente Estado-Parte do Tratado. Em caso de atividades realizadas por uma organização internacional no espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, a responsabilidade no que se refere às disposições do presente Tratado caberá a esta organização e aos Estados-Partes do Tratado que fazem parte da referida organização."

Como se vê, por imperativo do comando do Tratado de 67, resta evidente que o Estado Brasileiro, entenda-se AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB, ex vi da Lei nº 8.854/94, não poderá fazer tabula rasa da sua responsabilidade institucional de outorgar autorização e exercer a vigilância sobre as atividades espaciais nacionais, em especial, pela crescente e efetiva participação de empresas privadas nesse segmento de mercado, enquanto que, se repita, do ponto de vista internacional a responsabilidade por danos é do Estado, eis que somente Estados são reconhecidos jurídica e internacionalmente como responsáveis pelas atividades realizadas no espaço exterior, quer sejam exercidas por organismos governamentais, quer por entidade não-governamental.

É bom que se registre, também, que embora não tenham sido concluídas as providências necessárias, o Brasil já manifestou em fóruns internacionais a sua intenção de ratificar a "CONVENÇÃO SOBRE REGISTRO DE OBJETOS LANÇADOS AO ESPAÇO CÓSMICO", aprovada pela ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU em 12 de novembro de 1974, aberta à assinatura em 14 de janeiro de 1975, em vigor desde 15 de setembro de 1976. DEPOSITÁRIO: SECRETARIA-GERAL DA ONU em 12 de novembro de 1974, aberta à assinatura em 14 de janeiro de 1975, em vigor desde 15 de setembro de 1976. DEPOSITÁRIO: SECRETARIA-GERAL DA ONU; 39 RATIFICAÇÕES E 4 ASSINATURAS.

III – REGULAMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES ESPACIAIS

Impende dizer que a AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA editou e deu publicidade aos seguintes instrumentos normativos sobre o tema em epígrafe:

a) RESOLUÇÃO Nº 51/CSP/AEB, de 26 de janeiro de 2001, que define as diretrizes para fins de concessão, fiscalização e controle de licença relativa a lançamentos espaciais, de natureza comercial, a partir do território brasileiro (DOU Seção 1, de 31.01.2001, pág. 13);

b) PORTARIA Nº 8/PR/AEB, de 14 de fevereiro de 2001, que aprovou o Regulamento sobre procedimentos e definição de requisitos necessários ao requerimento, avaliação, expedição, controle, acompanhamento e fiscalização de licença para execução de atividades espaciais no território brasileiro (DOU Seção 1, de 19.02.2001, pág. 111).

IV – PROPOSTA DE CONTRIBUIÇÃO

Diante das informações precedentes, e com vistas à franca defesa dos interesses do Brasil, entendemos indispensável que se contemple no Edital sub examine mais uma exigência referente ao item 6.3 - Qualificação Técnica, qual seja, "o cumprimento da regulamentação pertinente às atividades espaciais", como a seguir sugerimos:

"6.3.4 A proponente deve, ainda, apresentar no Subconjunto 3.2:

e) declaração da Proponente, conforme MODELO nº Y, constante do Anexo Y, de que cumprirá, nas atividades relacionadas ao Direito de Exploração, a regulamentação da AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB sobre licenciamento e autorização para execução de atividades espaciais."

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