Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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JURISPRUDÊNCIA

ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
42ª VARA CÍVEL

 

SENTENÇA

Vistos,

Trata-se de ação de ressarcimento de danos ajuizada por BRADESCO SEGUROS S/A em face de VARIG – VIAÇÃO AÉREA RIOGRANDENSE, aduzindo a parte autora, em apertada síntese, que no exercício de suas atividades celebrou contrato de seguro dos bens mencionados às fls. 02/03, ítem 1.1.; vez que estes seriam transportados pela ré, tendo como origem Califórnia/EUA e destino final o Aeroporto de Cumbica/Guarulhos/Estado de São Paulo/Brasil.

Ocorre que, após o desembarque da mercadoria, foram constatadas diversas avarias na mesma. Em sendo assim, operou-se a indenização securitária no montante equivalente a R$ 1.214.000,78

Em sendo assim, pretende a parte autora a obtenção de reembolso da quantia dispendida e acima mencionada; ressaltando que houve interrupção da prescrição, haja vista protesto judicial interruptivo.

Argumenta ainda que a parte ré deixou de promover o transporte incólume da mercadoria, já que esta ao chegar a seu destino apresentou diversas avarias; configurando-se os requisitos ensejadores de responsabilidade de cunho civil.

Requer, por fim, a condenação da ré ao pagamento da quantia de R$ 1.214.000,78 acrescida de juros e correção. Os documentos de fls. 06/35 instruem a inicial.

Citada, a parte ré apresentou contestação às fls. 84/94, municiada pelos documentos de fls. 95/108.

Em sede de resposta a ré assevera a aplicabilidade do texto da Convenção de Varsóvia, vez que a matéria discutida versa sobre transporte de mercadorias. Desta forma, aplicando-se o texto do art. 29 da Convenção acima invocada, o prazo para propositura da ação seria decadencial e não passível de interrupção

Outrossim, ainda que fosse considerado que este prazo tivesse natureza de prescrição o protesto judicial teria sido extemporâneo e não teria como efeito a interrupção da prescrição.

Acrescenta que não houve apresentação de documentos necessários a propositura da lide, configurando-se sua irregularidade.

Aduz também que na forma dos arts. 18, 1 e 22, 2 da Convenção de Varsóvia a responsabilidade do transportar encontra-se limitada.

Por fim, alega que não existe prova de que as avarias das mercadorias tenham ocorrido durante o transporte das mesmas, conforme determina o dispositivo do art. 18 do Código de Varsóvia.

Quanto aos juros requeridos refuta o termo inicial de incidência dos mesmos

Requer, por fim, acolhimento das preliminares e, transpostas estas, a improcedência do pedido. Os documentos de fls. 95/108.

Réplica às fls. 111/117, refutando teses defensivas, mormente a inaplicabilidade da Convenção de Varsóvia e reitera argumentos já lançados. Nesta oportunidade são acostados documentos.

Novas petições e documentos são acostados aos autos.

É relatório. Decido.

A matéria em estudo nestes autos versa tão somente sobre questões de direito e, em sendo assim, deve ocorrer o julgamento antecipado da lide.

No que pertine à preliminar suscitada às fls. 90, ítem 5, não merece a mesma sofrer guarita, posto que, acompanham a inicial documentos inerentes a sua propositura. Os documentos que a parte ré afirma como imprescindíveis a causa versam sobre o próprio mérito da questão e estão adstritos aos limites do ônus da prova autoral.

Encontra-se extreme de dúvida que a parte ré realizou o transporte de várias caixas de papelão, representativas de uma unidade central de processamento de dados, modelo GX 8324, com 512 MB de memória central; sendo que esta mercadoria foi embarcada na Califórnia – Estados Unidos e destino Guarulhos (São Paulo) – Brasil.

Também há nos autos lastro documental que evidencia que a ora autora firmou com Banco Bradesco S/A seguro de transporte da mercadoria; tendo efetuado o pagamento do prêmio fixado. Portanto, o autor procura "in casu" obter o ressarcimento dos valores outrora dispendidos.

Suplantada a breve exposição supra é mister adentremos aos estudo sobre qual a legislação aplicável face ao presente caso apresentado ao Judiciário.

Devemos nos socorrer, pois, do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86). Este Código dispõe que os serviços de transporte aéreo internacionais, regem-se pelas convenções e acordos internacionais, além de legislações complementares, em especial a Convenção de Varsóvia.

Portanto, devemos conjugar as normas apostas nos textos legais acima invocados.

Insta seja procedido, neste momento, relato, em síntese, sobre a natureza jurídica dos tratados Internacionais. Estes passam a ter aplicação interna, após o necessário referendo do Congresso Nacional, sendo a sua celebração da competência privativa do Presidente da República, na forma do artigo 84, inciso VIII da Constituição da República.

O referendo do Congresso Nacional efetiva-se na forma de decreto legislativo e apresenta-se como requisito necessário para que o acordo internacional tenha aplicação interna, com força de lei.

Destarte, após o aludido referendo, o tratado internacional passa a ter aplicabilidade interna, com força de lei, cabendo verificar se ocupa patamar hierarquicamente superior ao da mesma, ou se, ao contrário, ocupa o mesmo plano das leis, inexistindo superioridade de um sobre outro.

A questão revela-se tormentosa e foi objeto de discussões doutrinárias, com reflexos jurisprudenciais, havendo, portanto duas correntes apresentando soluções diversas, eis que a primeira sustenta a superioridades dos tratados internacionais, devidamente referendados, sobre as leis e a segunda defendendo a igualdade entre os mesmos, que, por conseguinte, ocupariam o mesmo plano hierárquico.

Ocorre que após estudo acerca da matéria, este Juízo passou a adotar entendimento segundo o qual a razão encontra-se com aqueles que não vislumbram qualquer hierarquia entre os tratados internacionais e as leis, ocupando ambos o mesmo plano, sem superioridade de um sobre outro.

Com efeito, após serem referendados pelo Congresso Nacional, órgão legiferante, os tratados passam a ter aplicabilidade interna, com força da lei, inexistindo qualquer razão jurídica para que se considere que os mesmos estejam em posição hierárquica superior ao das leis.

Por conseguinte, considerando as razões expostas, encontram-se o Código Brasileiro de Aeronáutica e Convenção de Varsóvia em idêntico patamar sendo que na hipótese de divergência acerca do tópico a sofrer deslinde, há de ser aplicada a lei nº 7.565/86; posto que lei posterior.

Assim estabelecido, refuto a preliminar de ausência de protesto sobre o título do transporte, já que não se trata de requisito específico para o ajuizamento desta demanda; não havendo qualquer óbice ao pedido veiculado nestes autos.

É mister seja procedido estudo, neste momento, com relação as teses de decadência e prescrição lançadas na peça de resposta.

Conforme é de curial sabença, evidencia-se a decadência na seara dos direitos potestativos, devendo haver, portanto, relação de sujeição. Já a prescrição tem sede no campo dos direitos subjetivos e versa sobre a relação direito/dever.

Diante do teor do art. 29 da Convenção de Varsóvia o lapso para intentar-se ação de responsabilidade civil seria de 2 (dois) anos à partir da data da chegada da aeronave.

Alega a ré que o prazo supra teria natureza jurídica decadencial. Contudo, este não parece ser o melhor e mais técnico entendimento a ser adotado. O pleito aposto nestes autos tem não tem assento em direito potestativo e, em sendo assim, não se configura qualquer decadência.

O tema também encontra disciplina no art. 317 do Código Brasileiro de Aeronáutica

"Art. 317. Prescreve em 2(dois) anos a ação:

I - por danos causados a passageiros, bagagem ou carga de transportada, a contar da data em que se verificou o dano, da data da chegada ou do dia em que deveria chegar a aeronave ao ponto de destino, ou da interrupção do transporte;"

Portanto, há de ser reconhecido que o prazo acima exposto tem cunho prescricional, sendo passível de interrupção.

Compulsando os autos encontra-se às fls. 35/65 os autos do protesto interruptivo da prescrição, tendo havido ciência inequívoca da parte ré (cert. de fls. 63 verso).

A citação válida produz diversos efeitos, sejam estes de ordem processual ou material. Um dos efeitos materiais é revestido pela interrupção da prescrição (art. 219 "caput" do CPC), retroagindo este efeito à data do despacho liminar de conteúdo de teor positivo e, mesmo assim, desde que o autor promova a citação dentro do lapso legal.

Os documentos acostados informam que a chegada das mercadorias ao Brasil ocorreu na data de 24 de junho de 1994 e que o pedido de protesto sofreu despacho liminar na data de 20 de junho de 1996. Portanto, este requerimento sofreu ajuizamento quase no apagar das luzes do prazo prescricional.

Embora a citação tenha sido concretizada no dia 19 de julho de 1996 (doc. fls. 63 verso), não se pode imputar esta demora ao autor, outrora notificante. Note-se que o mandado de citação foi expedido na data de 27 de junho de 1996. Além disso, o endereço fornecido pela parte autora deveras pertence a Varig, embora não exista pessoas que detenham representação legal, motivo pelo qual a cientificação ocorreu em local diverso daquele apontado na petição inicial

Por conseguinte, a demora para efetivação de ciência não significa que o autor não tenha promovido os atos a ela inerentes no lapso de 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho liminar.

Destarte, reputa-se que a notificação interruptiva de prescrição alçou seu intento, sendo cristalina a ocorrência de sua interrupção na data de 20/6/96.

Ultrapassados os tópicos acima invocados, é mister adentremos ao mérito da causa.

Aprioristicamente, torna-se necessário esclarecer que os documentos de fls. 192/207, em que pese junto aos autos após a réplica; são acolhidos por este Juízo, posto que estes documentos não são imprescindíveis ao ajuizamento da demanda, mas sim, um reforço as provas já coligidas ao feito; razão pela qual podem ser acostados após a petição inicial.

As narrativas autorais encontram lastro nos documentos acostados às fls. 204/206 relativos a inspetoria aduaneira e na qual foram constatadas as avarias sofridas pelos bens transportados

Configura-se a responsabilidade civil da ré, haja vista que esta deixou de operar regularmente o transporte da mercadoria, fazendo com que a mesma chegasse incólume ao seu destino.

A tese defensiva, segundo a qual as mercadorias não se encontravam regularmente acondicionadas não tem respaldo nos autos.

A matéria relativa à responsabilidade do Transportador Aéreo Internacional tem assento dos ditames da Convenção de Varsóvia, conforme expressamente prevê o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Em face das narrativas perpetradas e provas documentais coligidas tem-se que diversas comunicações epistolares foram travadas entres os demandantes. A parte ré perfaz, inclusive, proposta de pagamento, sem admitir, contudo sua culpa.

Como corolário da fundamentação supra configura-se o dever de indenizar, devendo ser investigado o "quantum" relativo a indenização.

O Código Brasileiro de Aeronáutica dispõe expressamente:

"Art. 287 – Para efeito do limite de responsabilidade civil no transporte aéreo internacional, as quantias estabelecidas nas Convenções Internacionais de que o Brasil faça parte serão convertidas em moeda nacional na forma de regulamento expedido pelo Poder Executivo".

Em decorrência deste imperativo legal, adota-se o art. 22 parágrafos 2º e 3º da Convenção de Varsóvia. Há estipulação de que o valor de indenização de carga deve corresponder a 250 francos por quilo, sendo que houve modificações posteriores face alterações econômica mundiais.

Desta feita, deve-se investigar qual o peso da mercadoria que sofreu avarias A mingua de elementos outros, já que não há prova documental do peso da mercadoria, adota-se o montante sobre o qual não paira dúvida; já que a parte ré em sua contestação admite que "a mercadoria avariada pesava 1.110,00 quilogramas".

Há de ser considerado o peso acima mencionado, com o fim de estabelecer-se o montante da verba indenizatória.

Com o fim de evitar-se dificuldades maiores de conversão, o Franco Ouro foi substituído pelo sistema de direitos especiais de saque; sendo que no Brasil o tema sofreu melhor esclarecimento por meio do Decreto nº 95.505/89, vez que este estipula e define regras para conversão do franco ouro poincaré.

Desta forma, podemos dispor que 15 francos correspondem a 1 DES, devendo este padrão ser convertido para moeda nacional.

Isto posto, diante da fundamentação acima e por tudo mais que nos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e condeno a parte ré ao pagamento de verba indenizatória, conforme critério de conversão da Convenção de Varsóvia c/c Decreto nº 95.505/89, na proporção de 250 unidades de franco-ouro poincaré = 17 DES (convertendo-se este para moeda nacional); observando-se o peso da mercadoria que sofreu avarias, qual seja, 1.110,00 quilogramas.

Condeno o réu ao pagamento de custas proporcionais e honorários de advogado na proporção de 10% sobre o valor da condenação.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 23 de março de 2000

MARIA HELENA PINTO MACHADO MARTINS
Juíza de Direito

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