Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

 barra2.jpg (1468 bytes)

Contrato de Transporte Aéreo

Aspectos Básicos

Sylvio Mário Brasil
Advogado

Apresentação

O objetivo deste artigo é meramente acadêmico, sem qualquer pretensão de discutir assuntos controvertidos de Direito Aeronáutico. É somente uma coletânea de estudos e reflexões dos principais estudiosos de Direito -- Aeronáutico e das Obrigações, a respeito do contrato de transporte aéreo, a fim de levar ao interessado -- advogado iniciante ou estudante, alguma contribuição para o entendimento do tema.

1.Teoria Geral dos Contratos

1.1. Conceito geral

Na lição de Leib Soibelman, contrato deriva do latim contractus, de contrahere, no sentido de ajuste, convenção, pacto, transação. Em sentido amplo, contrato é todo negócio jurídico em geral. Todo acordo de vontades com objetivo de adquirir, resguardar, transferir, modificar, conservar ou extinguir direitos. Em outras palavras, contrato é a convenção estabelecida entre duas ou mais partes, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial.

As expressões contrato, convenção e pacto são praticamente sinônimas, embora haja quem use pacto apenas para contratos acessórios. Muito se discute no Direito brasileiro se os contratos têm somente efeitos obrigacionais ou podem ter efeitos reais. A doutrina majoritária, não admite que o contrato possa transmitir direitos reais sem a tradição da coisa (o domínio da coisa só se transfere pela tradição e pelo usucapião, não pelos pactos). São objetos dos contratos as coisas e os fatos, positivos ou negativos, de valor pecuniário.

1.2. Definições clássica

1.3. Princípios gerais

A validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito, determinado ou determinável e possível, bem como forma prescrita ou não defesa em lei. Incidem sobre os contratos três princípios básicos:

1.4. Classificação dos contratos

A classificação correta de um contrato é importante para a interpretação e a definição das obrigações das partes. Segundo a corrente doutrinária tradicional, dentre outros, os contratos podem ser assim classificados:

2. Contrato de Transporte Aéreo

2.1. Definições tradicionais

2.2. Classificação

Pelo exposto, pode-se classificar o contrato de transporte aéreo como:

2.3. Agentes de viagem e carga

José da Silva Pacheco, em seus magníficos "Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica (Ed. Forense), nos ensina que o contrato de transporte se perfaz pelo acordo entre o passageiro, o expedidor da mercadoria, ou uma pessoa que atue em seus nomes, de um lado ou de outro. Geralmente, o transportador atua por meio de seus prepostos, agentes ou intermediários, para a comercialização de seus serviços. Porém, pode fazê-lo por intermédio de agências de viagens e de cargas, observando-se o que dispõe a lei correspondente.

Não serão estes, porém, parte na relação contratual de transporte, por se tratar de representação mercantil; intermediário cuja característica principal é a de realizar, com habitualidade, mas sem subordinação hierárquica, negócios em nome e por conta do representado. Assim, sob o aspecto contratual, as agências não contraem responsabilidade direta com os adquirentes do serviço aéreo, porque somente o transportador é designado no documento de transporte. O agente somente será responsável por suas ações e omissões. Nesse caso, o fornecedor do serviço (transportador) é solidariamente responsável pelos atos de seu preposto, agente, representante ou intermediário. (arts. 34 do Código do Consumidor e 297 do CBA).

E acrescenta o renomado jurista: "a fiscalização das agências de viagens, relativamente à intermediação nas vendas de passagens aéreas, é necessária, como modo de controle à "guerra tarifária", que hoje abala a indústria da aviação nacional. Cabe às autoridades aeronáuticas, mais especificamente o D.A.C., o controle sobre a venda dos bilhetes de passagem por intermédio de agências de viagem.

As autoridades aeronáuticas, se não tiverem o registro das agências de turismo que operam com bilhetes de transporte aéreo, não terão os meios apropriados para a fiscalização adequada das empresas aéreas. Daí a necessidade de convênio entre a Aeronáutica e a EMBRATUR, pelas quase tanto um quanto outro exerça as suas atividades em prol do transporte aéreo ordenado e econômico e do turismo promissor."

2.4. Transportador contratual, de fato e sucessivo

Como exemplo prático, vamos observar as seguintes situações: se for emitido bilhete de passagem para o trecho Rio de Janeiro/Paris com a TAM, e posteriormente, em razão de cancelamento desse vôo, o passageiro é acomodado e transportado pela Air France, sem que o bilhete tenha sido endossado, estaremos diante da hipótese de transportador de fato (Air France). Igual situação ocorre nos vôos operados em código compartilhado (code sharing), vez que o usuário celebra o contrato de transporte com uma empresa (transportador contratual) e o transporte é efetuado por outra não-indicada no bilhete (transportador de fato), o que parece ferir dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, mas isso é outro problema…

Importante ressaltar que, de acordo com a Convenção de Guadalajara (art. II), entre os transportadores haverá responsabilidade solidária. O contratual em relação a todo o transporte e o de fato apenas quanto ao trecho que haja efetuado.

Aqui, em relação ao transporte de mercadorias, haverá solidariedade entre os transportadores que aceitá-las para embarque (art. 30, 3, de Varsóvia e 266 do CBA). Porém, em relação a passageiros, cada transportador será responsável pelo transporte realizado sob sua condução (Varsóvia 30, 2). Nesse caso, o transportador que emitir bilhete em linha aérea de outro, atuará apenas como agente deste, percebendo, inclusive, a respectiva comissão (v. bilhete item 5. das "condições de contrato" (resolução IATA 724):

    "Quando um transportador aéreo emite bilhete para transporte em linhas aéreas de outro transportador aéreo atua apenas como seu agente."

2.5.Transporte combinado e intermodal

2.6. Transporte de passageiros

2.6.1. O contrato: bilhete de passagem aérea

O bilhete de passagem aérea é a materialização, a exteriorização, do contrato de transporte aéreo de passageiros, que, no dizer de José da Silva Pacheco, é celebrado quando uma parte se obriga a transportar uma ou mais pessoas, em aeronave, por via aérea, de um lugar para outro, mediante a entrega do bilhete de passagem, e pagamento do preço do transporte por outra parte. Especificamente, o de passageiros, tem como característica distintiva o translado de seres humanos, dotados de inteligência e voluntariedade. Assim, pode-se definir o bilhete de passagem aérea como o documento expedido pelo transportador, como prova do contrato de transporte, e que habilita o passageiro a ser transportado em uma aeronave, entre os lugares e condições expressas nesse ato jurídico. (Silva Pacheco).

Outrossim, pode-se afirmar que os elementos que integram a conceituação jurídica do bilhete de passagem são: sua qualidade de instrumento; sua expedição efetuada pelo transportador; seu caráter de título que habilita a pessoa física como usuário, de modo a permitir o transporte entre os lugares previamente estabelecidos no contrato; e finalmente que suas cláusulas representam o resultado sintetizado do que determina a legislação aplicável.

2.6.2. Indicações legais

O 4º de Varsóvia, e os artigos 227 do CBA e 2º da Portaria 957/GM5/89, consolidadamente, dispõem sobre os elementos essenciais que devem constar do bilhete de passagem. São eles:

  1. o nome do passageiro; o lugar e data de emissão; a classe de serviço e base tarifária; valor da tarifa; nome do transportador sucessivo, se houver; resumidamente, os direitos e deveres do passageiro; forma de pagamento.

  2. os pontos de partida e destino – estabelecendo os pontos iniciais e finais do transporte, podendo acrescentar-se, quando necessária, a indicação dos pontos intermediários ou escalas previstas.

  3. o nome do transportador e seu domicílio – importante observar que em casos de transporte sucessivo, é necessário que conste no bilhete a indicação de todos os transportadores envolvidos no contrato.

2.7. Descumprimento -- Providências imediatas

O CBA e a Portaria 957/GM5/89, para casos de descumprimento do contrato de transporte de passageiros, estabelecem a adoção, pelo transportador aéreo, de certos procedimentos operacionais obrigatórios. A saber:

I. Atraso ou cancelamento em aeroporto de partida

II. Atraso ou cancelamento em aeroporto de escala

Parágrafo único. Todas as despesas decorrentes da interrupção ou do atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.

III. Overbooking

Parágrafo único. Se o usuário concordar em viajar em outro vôo do mesmo dia ou do dia seguinte, a empresa transportadora deverá proporcionar-lhe facilidades de comunicação, hospedagem e alimentação em locais adequados, bem como transporte de e para o aeroporto, se for o caso.

IV. Atraso na conexão

§ 1º. .....................

§ 2º. Caso a reserva entre dois vôos de conexão tenham sido confirmadas com intervalo insuficiente à efetivação da referida conexão, as obrigações previstas neste artigo serão de responsabilidade da empresa que efetuou as reservas."

2.8. Legislação aplicável

A diferença entre espécies de contratos que interessam para o ponto de vista dos diversos sistemas jurídicos verifica-se na divisão entre o transporte aéreo doméstico do internacional. Em se tratando de transporte doméstico, está regulamentado pelas disposições legislativas do País, no caso, pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e sua legislação complementar. Porém, no transporte internacional, não existe um regime jurídico único, sendo que a Convenção de Varsóvia regulamenta o transporte que, segundo a estipulação das partes, o ponto de partida e de destino estejam situados em território de duas altas partes contratantes, ou mesmo no de uma só, desde que haja alguma escala prevista em qualquer outro Estado, signatário da Convenção (art. 1o ). Deve-se ter em conta que a lei internacional aplicável a determinado contrato de transporte é a lei comum convencionada pelos Estados contratantes envolvidos.

2.9. Transporte de bagagem

2.9.1. O contrato: nota de bagagem

Importante esclarecer que, tanto no transporte internacional quanto no interno, para efeito de pré-fixação de perdas e danos, poderá o usuário estimar o valor de sua bagagem, mediante Declaração de Valor, na ocasião do despacho. Desse modo, havendo danos a bagagem, o transportador não poderá se beneficiar dos limites de responsabilidade dispostos em lei, salvo se puder provar que ela não valia tanto. Demais, nesse caso, poderá o transportador avaliar todos os bens contidos na bagagem, de modo a conferir os valores declarados pelo passageiro (§ 2º do art. 234, CBA).

2.10. Transporte de carga

2.10.1. O contrato: o conhecimento aéreo

As condições aparentes como o peso, dimensões e embalagem gozam favor do transportador de uma presunção iuris tantum. Em contrapartida, as características das remessas referentes a quantidade, volume e estado da mercadoria deverão ser matéria de uma verificação prévia por parte do transportador para constituir prova contra si, exceto quando se trata de grupos de mercadorias que por suas características se "mostram a si mesmos" e não requerem nenhuma comprovação especial." (Eduardo Cosentino)

O recebimento da carga produz, para o transportador, o dever de guarda, que em muito se assemelha ao contrato de depósito (art. 1265 e segs. do CC). Nesse compasso, o transportador é responsável, durante o período de execução do contrato de transporte (arts. 18 (2) de Varsóvia e 245 do CBA), pela incolumidade do invólucro, pela quantidade de volumes e pelo peso aferido da mercadoria ao recebê-la. Ao contrato de transporte doméstico de carga aplica-se o disposto na lei para o transporte de bagagem e vice-versa (art. 261 do CBA).

2.10.2. Dos direitos sobre a carga

Muito se tem discutido a respeito da titularidade dos direitos sobre a carga transportada, o que ainda gera grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Por isso, vale transcrever parte dos ensinamentos do mestre argentino Eduardo Cosentino que ainda gera muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência:

"O destinatário, quando é um terceiro, só se incorpora em segunda instância, a que está condicionada às contingências comerciais e, portanto, é meramente atributiva e não imperativa. Naturalmente, suas obrigações jurídicas nascem com seu consentimento, o que se manifesta em uma etapa posterior ao momento em que se constitui a relação originária entre o remetente e a empresa de transporte aéreo.

Fica patente que o consignatário não é parte do contrato, por se tratar de um vínculo que preexiste ä sua intervenção e por meio dele se lhe confere um conjunto de direitos e obrigações pactuados em seu benefício que aceitará voluntariamente quando receber a documentação que lhe permita dispor da remessa. Este enquadramento deixa patente a faculdade de "disposição" que conserva o expedidor e a possibilidade jurídica do destinatário de rechaçar o conhecimento aéreo ou a mercadoria quando o julgue necessário.

Assim, em virtude das disposições da Convenção de Varsóvia, somente as partes do contrato de transporte, isto é, o expedidor e o destinatário, cujos nomes figurarem no conhecimento aéreo aéreo, têm a faculdade de reclamar a responsabilidade do transportador em caso de avarias ou de atraso das mercadorias transportadas por ar. Conseqüentemente, é inadmissível a ação de um terceiro que se pretende beneficiário do transporte, sem que seu nome figure no conhecimento aéreo nem como expedidor nem como destinatário."

Bibliografia

  1. Manual de Derecho Aeronautico, Federico Vidella Escalada -Ed. Zavalia, Buenos Aires 1996
  2. Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, José da Silva Pacheco – Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998
  3. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Clovis Beviláqua – Ed. Rio, Rio de Janeiro 1958
  4. Teoría y Prática del Derecho Aeronáutico – Rodrígues Jurado, Ed. Depalma, Buenos Aires 1986
  5. Enciclopédia do Advogado, Leib Soibelman, Ed. Rio, Rio de Janeiro 1983
  6. Régimen Jurídico del Tranportador Aéreo, Eduardo Cosentino – Ed. Abeledo Perrot, Buenos Aires 1986
  7. Traité de Droit Aérien, Michel De Juglart, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris 1989.
  8. Derecho Aeronautico, Luis Tapia Salinas, Bosch, Casa Editorial, S.A., Barcelona 1993
  9. Resumo de Obrigações e Contratos, Maximilianus Führer, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo 1985
  10. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Maria Helena Diniz, Ed. Saraiva, São Paulo 1993
  11. Contratos, Orlando Gomes, Ed. Forense, Rio de Janeiro 1996

(Volta ao Sumário)

barra.gif (3737 bytes)

| Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial |