Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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Considerações sobre a Retenção de 11% de Contribuição Previdenciária,
nas Hipóteses de Cessão de Mão-de-Obra (Lei 8.212 / 91, art. 31),
no Âmbito do Direito Aeronáutico

Ricardo Alvarenga
Mestre em Direito Comercial
Diretor Jurídico da Líder Táxi Aéreo S.A. – Air Brasil

O art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.711, de 20 de novembro de 1998, passou a exigir que as empresas contratantes de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra retenham 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolham a importância retida à Previdência Social até o dia 2 do mês subseqüente à data da emissão da nota/fatura, em nome das empresas cedentes da mão-de-obra. No parágrafo quarto do sobredito artigo determinou-se que se enquadram nessa situação, além de outros estabelecidos em regulamento, os seguintes serviços: i) limpeza, conservação e zeladoria; ii) vigilância e segurança; iii) empreitada de mão-de-obra; e iv) contratação de trabalho temporário na forma da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974.

Ulteriormente, a Ordem de Serviço n. 209, de 20 de maio de 1999, do Diretor de Arrecadação e Fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), veio a determinar, em seu item 17.4, que , "... na prestação de serviço mediante cessão de mão-de-obra relativa à operação de transportes de cargas e passageiros cujos veículos e respectivas despesas de combustível e manutenção corram por conta da contratada e não havendo discriminação no contrato do valor das respectivas parcelas, a base de cálculo da retenção não será inferior a 30% (trinta por cento) do valor bruto da nota fiscal, fatura ou recibo." ("verbis"). A seu turno, a Circular 01-600.1 n. 46, de 24 de junho de 1999, do Coordenador-Geral de Arrecadação do INSS, no Capítulo IV (Dos Serviços Prestados Mediante Cessão de Mão-de-Obra), item 4, esclareceu que "...os serviços a seguir relacionados estarão sujeitos à retenção quando contratados mediante cessão de mão-de-obra: "omissis" n) Operação de Transportes de Carga e Passageiros – são todos os serviços envolvidos no processo de deslocamento, por meio aquático, terrestre ou aéreo, de materiais ou pessoas com vistas à sua condução de um local de origem a outro de destino, por exemplo, os serviços de condução do veículo, preparo de carga, conferência, carregamento, descarregamento, movimentação e controle de acesso de cargas e passageiros. Como exemplo de operação de transportes de passageiros, temos os fretamentos de veículos para o transporte habitual de ida e volta de funcionários, alunos, dentre outros, em horários preestabelecidos." ( "ad litteram", grifou-se).

Ora, em todos os aludidos dispositivos legais, a ênfase maior é dada à prestação de serviços mediante cessão de mão-de-obra, como condição "sine qua non" para a exigência da retenção dos 11% destinados à Previdência Social. E disso se pode inferir que, inexistindo a cessão de mão-de-obra, não se aplica a exigência. Esta, aliás, é a posição adotada pela jurisprudência iterativa dos Tribunais Regionais Federais, conforme denota a seguinte ementa, "in verbis":

"CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – RETENÇÃO DE 11% - LEI N. 9.711
NECESSIDADE DE CESSÃO DE MÃO-DE-OBRA

Apelação em Mandado de Segurança n. 1999.04.01.102908/SC

Relator: Juiz José Luiz B. Germano da Silva

Apelante: Eldorado Empreendimentos Florestais Ltda.

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

Ementa

Tributário. Contribuição Social de 11% sobre Notas Fiscais e Faturas. Lei n. 9.711/98. Ordem de Serviço n. 209/99 do INSS. Necessidade de Execução do Serviço mediante Cessão de Mão-de-Obra.

1. A contribuição social prevista no art. 31 da Lei n. 8.212/91 de 11% incidente sobre notas fiscais e faturas, com a redação dada pela Lei 9.711/98 não viola o art. 128 do CTN, porque ficou estabelecida a responsabilidade tributária das empresas prestadoras de serviço com amparo no parágrafo 7º do art. 150 da CF/88.

2. A empresa que não executa serviço mediante cessão de mão-de-obra não se enquadra no que dispõe a Ordem de Serviço n. 209/99 e a Circular n. 46 do INSS.

3. Apelação e remessa oficial improvidas." (acórdão da 1ª Turma do TRF, 4ª Região, em Porto Alegre, RS, julgto. de 13/06/2000, "apud" Revista Dialética de Direito Tributário, repositório oficial do Tribunal Regional da 4ª Região, volume 60, setembro de 2.000, p. 227/228.)

A cessão de mão-de-obra, segundo a doutrina, diga-se "en passant", é o mesmo que locação de mão-de-obra, contrato através do qual o locador ou cedente disponibiliza para o locatário ou cessionário determinados trabalhadores que passam a receber ordens deste último. Como bem exemplifica o § 4º do art. 31 da Lei n. 8.212/81, com a redação da Lei n. 9.711/98, os serviços de vigilância e limpeza são paradigmas típicos dessa modalidade de trabalho, ambos autorizados e regulamentados pela legislação aplicável. Quem dita as ordens, quem exerce a autoridade sobre esses trabalhadores são, via de regra, os tomadores dos serviços. Há realmente, nessas hipóteses, cessão de mão-de-obra.

Entretanto, os serviços de táxi aéreo compreendem, dentre outros, os fretamentos de aeronaves a clientes, tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Os contratos de fretamento de aeronaves se encontram definidos no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986), mais precisamente em seu art. 133, que assim dispõe:

"Art. 133. Dá-se o fretamento quando uma das partes, chamada fretador, obriga-se para com a outra, chamada afretador, mediante o pagamento por este, do frete, a realizar uma ou mais viagens pré-estabelecidas ou durante certo período de tempo, reservando-se ao fretador o controle sobre a tripulação e a condução técnica da aeronave." (grifou-se, novamente.)

Já os arts. 135 e 136 ,do mesmo "codex", assim prescrevem, "ad litteram":

"Art. 135. O fretador é obrigado:

I – a colocar à disposição do afretador aeronave equipada e tripulada, com os documentos necessários e em estado de aeronavegabilidade;

II – a realizar viagens acordadas ou a manter a aeronave à disposição do afretador, durante o tempo convencionado.

"Art. 136. O afretador é obrigado:

I - a limitar o emprego da aeronave ao uso para o qual foi contratada e segundo as condições do contrato;

II- a pagar o frete no lugar, tempo e condições acordadas."

Ora, do exame meramente superficial dos dispositivos da lei aeronáutica acima transcritos pode-se inferir, sem risco de equívoco, que nos contratos de fretamento de aeronaves firmados por empresas de táxi aéreo com seus clientes não há a mínima hipótese de ocorrer a cessão de mão-de-obra referida pela legislação previdenciária. Não há porque o afretador ou cliente, contratante, jamais terá o controle sobre a tripulação empregada na operação do aparelho. Tal controle é múnus do fretador, ou seja, da empresa prestadora do serviço. Esta é a regra, claríssima, aliás, do arts. 133 e 135,I, do Código Brasileiro de Aeronáutica. Ademais, como de praxe, os pilotos de uma aeronave de táxi aéreo são funcionários regulares das empresas que exploram esses serviços, com carteira de trabalho assinada e inscritos em folhas de pagamento. Prestam serviços, exclusivamente, às empresas de aviação que os contrataram e, não, aos clientes dessas mesmas empresas.

A propósito, veja-se o elucidativo comentário do jurista JOSÉ DA SILVA PACHECO: "Os sujeitos do contrato de fretamento chamam-se fretador e afretador. Aquele obriga-se a realizar, com sua aeronave, certas atividades, serviços ou viagens; este se obriga a pagar o frete correspondente. O fretador é: a) o proprietário ou explorador da aeronave (art. 123, III); b) o obrigado a operar a aeronave e a realizar o vôo programado; c) o que exerce autoridade sobre a tripulação e tem a condução técnica da aeronave; d) o que recebe o frete como pagamento pela viagem ou serviço prestado." ("apud" Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 252, em escólio ao art. 133 da Lei 7.565/86.)

Observa-se, assim, que, nos fretamentos de aeronaves, é o fretador, ou seja, o prestador dos serviços, quem exerce a autoridade sobre a tripulação, responsabilizando-se pela condução técnica do aparelho em operação. Por conseguinte, não há cessão de mão-de-obra da tripulação para o afretador ou contratante dos serviços. Este, não raro, nem sequer conhece os pilotos que o conduzirão ao destino.

Portanto, como se disse, não havendo cessão de mão-de-obra nessa modalidade de contratação, malgrado a forçada elasticidade das normas administrativas baixadas pelo órgão previdenciário, não tem qualquer pertinência a eventual exigência do INSS de que as empresas contratantes desses serviços , retenham 11%, sobre os desembolsos realizados em pagamento dos fretamentos, à guisa de contribuição previdenciária. Ademais, as contribuições previdenciárias relativas aos tripulantes dessas aeronaves fretadas são regularmente recolhidas aos cofres da Previdência pelas empresas de táxi aéreo que sejam organizadas e ciosas do cumprimento de seus deveres legais, não se justificando a necessidade de retenção por parte de seus clientes.

Por outro lado, é possível, sim, que empresas de táxi aéreo sejam enquadradas nas regras do art. 31 e seguintes da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei n. 9.711, de 20 de novembro de 1998. Tal hipótese ocorre quando tais empresas fizerem o arrendamento tripulado de suas aeronaves, consoante permissão expressa do art. 129, parágrafo único, do Código Brasileiro de Aeronáutica. Aí sim, como o arrendamento exige, para ser configurado como tal, que o arrendador entregue a posse de sua aeronave para o arrendatário, acompanhando-a a própria tripulação do aparelho, se se preferir essa modalidade desse outro negócio jurídico (arrendamento de aeronave tripulada ou "wet leasing", como diriam os nativos de língua inglesa, em contraposição ao "dry leasing", ou arrendamento seco, simples, que não envolve a tripulação), haverá a cessão de mão-de-obra (dos pilotos) para o arrendatário da aeronave. Observe-se que, nessa situação, o próprio Código de Aeronáutica prevê que o controle da tripulação fique a cargo do arrendatário, ou seja, que o arrendatário exerça a direção e a condução técnica do aparelho arrendado (parágrafo único do art. 129, "in fine"). Portanto, a autoridade sobre esses pilotos se desloca para a empresa tomadora do serviço. E é esta quem ditará as regras a serem cumpridas, como, "verbi gratia", o horário de apresentação para o vôo, o intervalo entre jornadas, o uso de uniformes próprios, o período de férias, etc.

Last but not least, há também uma outra hipótese em que as empresas de aviação praticam a cessão de mão-de-obra de seus pilotos a clientes específicos: quando firmam com esses clientes os contratos chamados de operação de aeronaves, visando a fornecer, exclusivamente, tripulação para a pilotagem das aeronaves desses clientes, que preferem entregar seus aparelhos a profissionais altamente especializados como são os pilotos dessas empresas, ao invés de contratar diretamente esses profissionais, recrutando-os no mercado de trabalho. Nesses casos, os pilotos continuam empregados das empresas de aviação, mas recebem ordens dos proprietários ou exploradores das aeronaves, pessoas físicas ou jurídicas independentes, contratantes dos serviços, e deles ficando à inteira disposição, pelos prazos determinados nos contratos. A previsão legal para essas situações foi ditada pela Portaria Interministerial MTb/GM n. 3.016/88, editada em conjunto pelos Ministério do Trabalho e Aeronáutica, em 5 de fevereiro de 1988, estabelecendo-se que, conquanto que a empresa contratante de tais serviços não possua em seu objeto social a prestação de serviços aeronáuticos, é perfeitamente lícita a contração do fornecimento dessa mão-de-obra especializada (art. 20) sem a infringência do Enunciado n. 256 do Tribunal Superior do Trabalho, cuja redação é a seguinte: "Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis 6.019, de 31/1/74, e 7.102, de 20/6/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços."

A propósito, a doutrina sobre esta matéria é pacífica no sentido de que a locação de mão-de-obra deva ser mesmo considerada ilegítima e fonte de burla da legislação trabalhista, exceto nas poucas hipóteses em que a própria lei a permite, como são os casos dos serviços de vigilância e limpeza e os outros contemplados na Lei do Trabalho Temporário (Lei 6.019/74). Veja-se o comentário preciso do jurista Valentim Carrion a respeito do assunto, "ad litteram": "(...) Na locação de mão-de-obra e na falsa subempreitada, quem angaria trabalhadores, os coloca simplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quem recebem as ordens e com quem se relacionam constante e diretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço, muito mais do que no de quem o contratou e o remunera; o locador é apenas um intermediário que se intromete entre ambos, comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seu patrão natural; em seu grau extremo, quando, sem mais, avilta o salário do trabalhador e lucra o intermediário (Camerliynck, ‘Le Contrat"). É a figura do ‘marchandage’, com suas características mais ou menos nítidas e que é proibida em vários países (França, México, etc.) e até punida criminalmente (art. 43 da L. 8/80, Estatuto de Los Trabajadores, da Espanha). A caracterização dessa anomalia depende das circunstâncias: menor atuação do locador e o longo tempo da locação, sua constância, habitualidade e exclusividade." ("apud" Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 19ª ed., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 292, nota 1, em escólio ao art. 455.)

Portanto, à luz do direito trabalhista, a cessão de mão-de-obra é ilegal, a não ser nas hipóteses ressalvadas na já comentada legislação que autoriza o trabalho temporário, dentre as quais não se inclui a de fretamento de aeronaves. Por conseguinte, a prestação de serviços de fretamento de aeronaves pelas empresas de táxi aéreo ou até mesmo pelas empresas de transporte aéreo regular, através dos chamados vôos "charter", atividade esta plenamente legal e disciplinada pelo direito aeronáutico, não configura cessão de mão-de-obra, pelas razões já expostas, e nem pode sofrer, validamente, a exigência de retenção da contribuição previdenciária determinada pelo art. 31 da Lei 8.212/81, com a redação da Lei n. 9.711/88.

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