Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
Das Limitações de Ordem Pública e Social,
José da Silva Pacheco
Doutor em Direito.
Do princípio da função social da propriedade.
A Lei fundamental da Alemanha, desde 1949, proclama em seu art. 14 a garantia da propriedade, estabelecendo que a sua natureza e os seus limites sejam regulados por lei, mas, desde logo, impõe que "a propriedade obriga e o seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o bem estar social".
A Constituição da Espanha, de 1978, reconhece, no art. 33, o direito de propriedade, mas estabelece que "a função social desse direito delimitará seu conteúdo, de acordo com as leis".
A Carta da Itália de 1948, com as alterações posteriores, admite, no art. 42 a propriedade pública e privada, estabelecendo ser esta reconhecida e garantida por lei, que determina as formas de aquisição, de sua posse e os limites que asseguram a sua função social, e de torná-la acessível para todos".
No Brasil, a Constituição Federal, de 1988, no art. 5º caput,, destaca, sequencialmente, à garantia fundamental à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, e à segurança, a referente ao direito à propriedade, ressaltado no inciso XXII, e condicionado no inciso XXIII, a que a propriedade atenda à sua função social, princípio este reiterado no art. 170,III e em diversos outros dispositivos.
Desse modo, o princípio da função social da propriedade, inscrito entre os direitos e garantias fundamentais do Título III da Constituição, tem aplicação imediata, podendo ter significação tríplice sobre o conteúdo do direito de propriedade quer pela restrição de determinadas faculdades do domínio, quer pelo condicionamento de seu exercício, quer pela obrigatoriedade de exercer certos direitos elementares, como salienta Stefano Rodotà (Proprieta, in Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV, pág. 139).
José Afonso da Silva destaca que "a norma que contem o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são todos os princípios constitucionais. A própria jurisprudência já o reconhece. Realmente, afirma-se a tese de que aquela norma tem plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito de propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta..." (Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., SP., 1999, pág. 285).
Como assinala Pietro Perlingieri, "Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deverão ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento"... "A função social deve ser entendida como a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito, um critério de ação para o legislador e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e atividades do titular" (Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, nº. 145, pág. 226).
Assim, a atividade de gozo e de disposição do proprietário, não pode ser exercida em contraste com a utilidade social ou de modo a provocar dano á segurança, à liberdade e à dignidade humana, assim como à segurança da navegação aérea e da infra-estrutura necessária, de conformidade com a autorização, homologação ou registro, legítimos e regulares, durante o prazo da autorização.
Das limitações nas áreas vizinhas dos
aeródromos em prol
da segurança da navegação aérea.
Apontam-se, geralmente, no campo doutrinário, limitações de direito privado e limitações de direito público, consideradas como gênero, de que são espécies as restrições, as servidões, a desapropriação, salientando-se que as restrições limitam o caráter absoluto da propriedade, as servidões, o caráter exclusivo, e a desapropriação, o caráter perpétuo (Cf. p. ex.: José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed., 1995, pág. 358; Isabel Vaz, Direito Econômico das Propriedades, Rio, 1993, pág. 153).
Realmente, o instituto jurídico da propriedade vem crescentemente tendo limitações, tanto no interesse público quanto no privado, da própria coexistência entre proprietários, por diversos motivos, de ordem estética, urbanística, higiênica, de defesa do consumidor, de preservação ambiental, de segurança pública e de segurança da navegação aérea.
No que se refere a esta última, pode-se apontar, exemplificativamente:
a) o disposto no art. 12 do CBA, combinado com o disposto no art. 18 da Lei Complementar n. 97, de 9 de Julho de 1999;
b) o disposto no art. 16, e § 1º do CBA;
c) o disposto no art. 19 e § único do CBA;
d) o disposto no art. 43, § único, art. 44 e art. 302,VI, letra g do CBA.
Segundo o art. 18 da Lei Complementar n. 97, de 09.06.1999, cabe à Aeronáutica, entre outras coisas, prover a segurança da navegação aérea, motivo pelo qual o Código Brasileiro da Aeronáutica sujeita as propriedades vizinhas dos aeródromos às restrições especiais a que ser refere o parágrafo único do art. 43, e o art. 302,VI, letra g considera infração imputável às pessoas naturais ou jurídicas que "implantar edificação ou qualquer empreendimento em área sujeita à restrições especiais, com inobservância destas".
Como a navegação aérea, que compete à União regular, conforme determinam os arts. 21, XII, letra c, 22, I e II e 178 da Constituição Federal, assim como o art. 12, I do Código Brasileiro de Aeronáutica, alem de se realizar no espaço aéreo, sobre o qual exerce completa e exclusiva soberania para fins aeronáuticos, consoante o disposto no art. 1º da Convenção de Chicago, art. 11 do CBA e § 2º, in fine do art. 5º da Constituição Federal, começa e termina em aeródromo, impõe-se-lhe, também, regular este, como integrante da infra-estrutura, de conformidade com os arts. 21, XII, letra c, 22, I e X da CF e arts. 12, III e 26 a 46 do CBA.
Por este motivo, o Código Brasileiro de Aeronáutica, com o objetivo de garantir a segurança da navegação aérea e do tráfego aéreo na chegada e saída dos aeródromos e helipontos, estabelece regras cogentes relativas às zonas de proteção das atividades aeronáuticas (arts. 43 e seg. do CBA).
Das zonas de proteção de aeródromos
consoante
à Convenção de Chicago.
Como a segurança do vôo impõe que se fixem limites à altura dos obstáculos à circulação aérea nas proximidades dos aeródromos, o Anexo 14 à Convenção Internacional de Aviação Civil, de que o Brasil é signatário, estabelece o sistema para determinar as restrições ou limitações de altura das construções vizinhas (Cf. p. ex.: Anexo 14, vol. I Desenho e operações de aeródromos, 2ª ed., incorporando Emenda n. 1, de Julho de 1995 e Emenda n. 2, aplicável em 06.11.1997; vol. II Helipontos, 2ª ed., incorpora a Emenda 1 de julho de 1995 e inserção de Emenda 2 aplicável a partir de 06.ll.97; Manual de serviços de aeroportos (Doc. 9137), Parte 6, Limitação de obstáculos, 2ª ed., 1983, reimpresso em outubro de 1997; Manual de heliportos (Doc. 9261), 3ª ed., 1995).
Das limitações na legislação de diversos países na atualidade.
Em todos os países do mundo civilizado, na atualidade, a fim de preservar a segurança das operações aéreas, há restrições, na esteira do estabelecido pela Organização da Aviação Civil Internacional, em seu Anexo n. 14, como se pode ver, por exemplo, nas disposições das leis aeronáuticas dos países do nosso Continente:
Argentina: "Art. 30 - Aos fins do Código Aeronáutico, denomina-se superfícies livres de obstáculos, às áreas imaginárias oblíquas e horizontais, que se estendem sobre cada aeródromo e suas imediações, tendentes a limitar a altura dos obstáculos à circulação aérea."
"Art. 33 - A habilitação de todo aeródromo estará vinculada à eliminação prévia das construções, plantações ou estruturas de qualquer natureza que sejam levantadas a uma altura maior que as limitações previstas no art. 30".
Chile: "Art. 37 - Não poderá existir e se proíbe construir muros , casas, galpões ou estender linhas de transmissão de eletricidade, assim como fazer plantações ou outros obstáculos a uma distância inferior ao décuplo e sua altura, a partir dos limites da parte destinada para a aterrissagem em qualquer aeródromo público ou privado".
Colômbia "Art. 68 - 1º) Dentro da zona circundante de um aeródromo não poderá ser feita nenhuma plantação, edificação ou obra de caráter permanente ou transitório sem haver obtido a devida autorização do Governo".
"Art. 69 - Define-se como grave motivo de utilidade pública o impedimento ou remoção de qualquer obstáculo para a navegação aérea dentro da zona circundante de aeródromo".
Espanha: "Art. 51 - Os terrenos, construções e instalações que circundem os aeroportos, aeródromos e auxílios à navegação aérea, estarão sujeitos às servidões estabelecidas ou que se estabeleçam em disposições especiais, referentes à área de manobra e ao espaço aéreo de aproximação".
México: "Art. 328 - As construções e instalações nos terrenos adjacentes e imediatos aos aeródromos, dentro das zonas de proteção e segurança deles, estarão sujeitas às restrições assinaladas nos respectivos regulamentos".
Panamá: "Art. 44 - As construções e instalações nos terrenos adjacentes e imediatos aos aeródromos, dentro das zonas de proteção e segurança deles, estarão sujeitas às restrições assinaladas nos respectivos regulamentos".
Peru "Art. 49 - As construções ou instalações nos terrenos adjacentes ou imediatos aos aeródromos, assim como os obstáculos que constituam perigo para o trânsito aéreo estarão sujeitos às restrições e servidões aeronáuticas assinaladas nos respectivos regulamentos".
República Dominicana: "Art. 100 - Os prédios que se limitem com qualquer aeródromo, estarão sujeitos, sem necessidade de especial declaração, às servidões estabelecidas em lei."
"Art. 102 - As servidões aeronáuticas gravam os prédios servientes desde o momento da autorização concedida para estabelecer um aeródromo".
Uruguai: "Art. 7º - A circulação aérea e o transporte de pessoas e coisas são declarados de interesse nacional."
"Art. 72 - As propriedades vizinhas aos aeródromos e aeroportos compreendidas nas zonas de proteção que, para cada caso estabeleça o Poder Executivo, estarão sujeitos a restrições especiais no que se refere a construção e manutenção de edificações, instalações e culturas que possam afetar a segurança das operações aeronáuticas."
"Art. 73 Os planos de Zonas de proteção de cada aeródromo incluirão as áreas em que está proibido levantar qualquer obstáculo nos termos do art. 72. Se, não obstante, foram estes levantados, o proprietário será intimado a eliminá-los, sob pena de remoção pela via judicial na forma do art. 76, por conta do infrator, o qual não poderá reclamar indenização de qualquer espécie".
Venezuela: "Art. 36 As construções e instalações nos terrenos zona dos aeródromos estão sujeitas às disposições assinaladas nos respectivos regulamentos".
Considerações relativas às
denominações de
"servidão aeronáutica ou "servidão aérea".
O Código Civil francês, desde 1804 estabelece ser a servidão um encargo imposto sobre um prédio para uso e utilidade de um prédio pertencente a outro proprietário (art. 637), podendo, consoante o seu art. 639, ser derivada da situação natural dos lugares, ou de obrigações impostas por lei, ou de convenções entre os proprietários.
Daí vem a classificação tradicional e simplista de servidão: a) natural, b) legal e c) convencional ou voluntária.
No caso de servidão estabelecida por lei, tem ela por objeto a utilidade pública ou comunal, ou a utilidade dos particulares (art. 649), dispondo o art. 650, em sua segunda alínea: "Tudo o que disser respeito a esta espécie de servidão é determinado pelas leis ou por regulamentos particulares".
Por este motivo, desde o início do desenvolvimento da aviação civil, nesse país e naqueles, cuja legislação seguia o modelo francês, passou-se a regular as restrições às propriedades vizinhas dos aeródromos sob a denominação de servidão, entendida como servidão legal, chamada, também, de servidão aeronáutica (servitudes aeronautiques).
As servidões aeronáuticas, em França, foram previstas por lei de 1924 e, depois, pelos arts. 59 a 71 do Código de Aviação Civil. Posteriormente, o decreto de 3 de janeiro de 1959, modificado pelo Decreto de 23 de fevereiro de 1960 consagrou seu título II às servidões aeronáuticas de dégagement (desembaraço) e de balisage (balisa). Atualmente, constam dos arts. R 241-1 a R 245-2 do Código de Aviação Civil (Decreto n. 67-334 de 30 de março de 1967, com as alterações de 1980 e 1981. (Cf. Michel de Juglart, Traité de droit Aerien, 2ª ed., tomo ll, pág. 811 e seg.: Nicolas Loukakos e Arnaud Sabanes, Lex Aero, guide de droit Aérien, 2ª ed., pág. 570 e seg.; Henry Lemoine, Des servitudes aériennes, Paris,1937).
Na Itália, igualmente, como já assinalava o Prof. Antonio Ambrosini, em favor dos aeródromos de todas as categorias, foram criadas servidões aeronáuticas (servitù aeronautiche) a partir da Lei de 20.08.1923, que sujeitavam a uma servitus altius non tollendi a zona adjacente ao perímetro de um aeródromo mas foi com a Lei n. l.630, de 23.06.1927 que, pela primeira vez, apareceu a expressão "servitù aeronautiche". E daí em diante, passou a ser usada essa expressão no mundo ocidental, não obstante observe esse autor que tal expressão, não obstante, sob o ponto de vista sistemático, em sempre fosse feliz (in Ordenamento giuridico della navegacione aerea, in Nuovo Digesto Italiano, vol. IX, pág. 270).
A primeira característica das chamadas "servidões aeronáuticas" é que não se constituem sobre um prédio em benefício de outro, de distinto dono, mas em benefício geral da navegação aérea.
Mesmo as chamadas servidões aeronáuticas estabelecidas em favor de um aeródromo e que recaem sobre um prédio de distinto dono, não vão em benefício direto do solo nem do proprietário, mas do uso da navegação aérea, ao qual é destinado o aeródromo.
Nesse sistema, considera-se que ao autorizar as leis de navegação aérea e sobrevôo e o transporte aéreo sobre o território nacional, não fazem outra coisa do que impor uma servidão de caráter geral ou limitação ao direito do proprietário do solo.
Desse modo, esta limitação em favor da aeronavegação pode compreender quatro hipóteses: 1º) sobrevôo do espaço aéreo; 2º) direito de aterrissagem em caso de emergência sobre os terrenos da superfície; 3º) limitação ao proprietário de construir acima de certa altura na vizinhança de aeródromo; 4º) imposição de certas obrigações de balizamento ou de iluminação ou sinalização.
Ao fazê-lo, a doutrina e a legislação, amiúde, não se restringiam ao conceito de servidão predial do Código Civil, mas a um conceito amplo, compreensivo de todas as limitações ao direito de propriedade do solo, em benefício da aeronavegação.
Assim, é comum na doutrina e na legislação, o uso da expressão "servidão aeronáutica" em favor dos aeródromos, tendo em vista as limitações necessárias à realização de operações de decolagem e aterrissagem das aeronaves assim como ao controle e direção destas, tanto no aeródromo como em sua aproximação, implicando em última análise, em benefício da navegação aérea, tendo em vista a inviolabilidade do direito-garantia à segurança e à vida.
Das limitações ou restrições na zona
de proteção
dos aeródromos e helipontos no Brasil.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, instituído pela Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986, estabelece, no art. 43, o seguinte:
"Art. 43 - As propriedades vizinhas dos aeródromos e das instalações de auxílio à navegação aérea estão sujeitas a restrições especiais".
Estão, pois, sujeitas a restrições especiais, em nosso País, as propriedades vizinhas de todos os aeródromos, que compreendem, também, os helipontos, nos precisos termos do art. 3l,II do mesmo Código.
Essas restrições especiais são, como assinala o parágrafo único do art. 43 do CBA, "relativas ao uso das propriedades vizinhas quanto às edificações, instalações, culturas agrícolas e objetos de natureza permanente ou temporária, e tudo mais que possa embaraçar a operação de aeronave".
De acordo com o expresso no art. 44 do CBA:
Art. 44 "As restrições de que trata o artigo anterior são especificadas pela autoridade aeronáutica, mediante aprovação do Plano básico de zona de Proteção de aeródromos".
Vê-se, pois, que todos os aeródromos, inclusive os helipontos, como aeródromos destinados, exclusivamente, a helicópteros (art. 3, II, CBA), estão sujeitos às restrições especiais acima indicadas.
Tendo em vista o disposto nos arts. 43 e 44 do Código Brasileiro de Aeronáutica e a delegação de competência atribuída pelo Decreto n. 95.218, de 13.11.1987, foram aqueles dispositivos regulamentados, com a especificação das restrições nas Zonas de proteção de Aeródromos e helipontos, mediante a publicação no Diário Oficial da União (Seção I), de 9 de dezembro de 1987.
Verifica-se, pois, que, em perfeita sintonia com o disposto nos arts. 5º., caput, incisos II e XXIII; 21, inciso XXI, alínea c; 22, incisos I e X; e 178, todos da Constituição Federal, os arts. 43, 44 e 302, VI, alínea g da Lei n. 7.565. de 1986, e respectivo regulamento, como dispositivos de direito público, são estabelecidas limitações genéricas, às propriedades nas zonas de proteção de aeródromos e helipontos homologados ou registrados, durante o prazo da respectiva autorização.
Essas limitações de ordem pública e social em benefício da segurança da navegação aérea e, consequentemente, da vida humana e do bem comum, são, desse modo, cogentes e imperativas, enquanto vigorar o prazo de autorização de abertura ao tráfego do aeródromo, pouco importando que se lhe chame ou não de servidão legal ou aeronáutica.
Considerações finais sobre as
restrições na zona de proteção
de aeródromos e helipontos.
Do que vimos nos itens anteriores, observa-se que:
1º) É geral a preocupação, em todos os países, de estabelecer restrições de proteção à zona contígua aos aeródromos e helipontos, a fim de livrar as operações aéreas de obstáculos e, desse modo, proporcionar segurança, que compete ao Poder Público resguardar, motivo pelo qual incidem sobre todos os aeródromos e helipontos, públicos ou particulares;
2º) Generalizou-se, por esse motivo, a orientação, há muito tempo admitida pelo Código de Navegação da Itália, estabelecendo o vínculo da propriedade privada com vista a livrar de obstáculo o exercício do vôo, e na vizinhança dos aeródromos privados, onde passou a ser proibidas plantações e construções prejudiciais à operação aérea (arts. 704, 714 e 717);
3º) Foram discutidas e, às vezes, perfilhadas diversas orientações, tendentes a enquadrar as restrições às zonas de proteção de aeródromos e helipontos no âmbito: a) da servidão predial coativa, como vínculo de direito real de um prédio sobre outro, com finalidade de serventia privada (uti singuli); b) de servidão administrativa, como gravame da propriedade privada com finalidade de serventia pública (publicae utilitatis); c) de limitação administrativa, por ser "uma restrição pessoal, geral e gratuita, imposta genericamente pelo Poder Público ao exercício de direitos individuais, em benefício da coletividade", como se dá no caso de restrição à edificação acima de certa altura, que implica na obrigação de não fazer; c) de restrição de direito público aeronáutico, tendo em vista a segurança da operação aérea e do público;
4º) Para aqueles que admitem a classificação das servidões em:
naturais, que advêm da situação natural dos lugares;
coativas, que são previstas ou impostas por lei;
voluntárias, que são constituídas por ato jurídico unilateral ou bilateral, as restrições aos prédios vizinhos dos aeródromos enquadrar-se-iam entre as coativas por resultarem de imposição legal;
5º) Verifica-se, desse modo, a afirmação de que a "servidão aérea é a que se institui em favor dos aeródromos, bases aéreas, aeroportos, que como prédios dominantes, podem impedir que nos prédios vizinhos se façam as construções de qualquer natureza, que possam prejudicar, ou criar obstáculos às aterrissagens dos aparelhos (aviões, aeronaves), que a eles se destinam. A servidão aérea, de caráter negativo, porque é de non aedificandi ou de non altius tollendi, institui-se e tem âmbito determinado por lei, em que se definem e regulam os princípios e regras referentes à navegação aérea" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 14ª ed., Forense,1998,pag. 754). A servidão aérea pode resultar numa servidão non altius tollendi (idem, ibidem, pág. 756).
É nosso entendimento, porem, que as restrições legais das zonas de proteção dos aeródromos e, por conseguinte, dos helipontos, não, são propriamente, servidões prediais, que sejam constituídas sobre o prédio vizinho em benefício de outro, pertencente a diverso dono, como dispõe o art. 695 do Código Civil, mas restrições impostas por lei (art. 43 do CBA), em benefício da segurança de vôo e da navegação aérea, e, consequentemente, dos usuários e da comunidade em geral.
Há até mesmo países que consideram a circulação aérea como de utilidade pública ou de interesse nacional, como por exemplo, o art. 6º do Código Aeronáutico, de 1942, do Uruguai e igualmente o art. 7º do código aeronáutico vigente no Uruguai, o que, por si, justifica a imposição de restrições na vizinhança de aeroportos para garantir a segurança da referida circulação de aeronaves e helicópteros.
Em nosso País, determinando o art. 22 da Constituição Federal, que compete à União legislar sobre direito aeronáutico (art. 22,I), e sobre a navegação aérea e aeroespacial (art. 22,X), e estabelecendo o art. 21 da nossa Carta Magna o caráter de serviço público à navegação aérea e à infra-estrutura aeroportuária (art. 21,XII, letra c), verifica-se que, igualmente, considerou-se como de utilidade pública: a) a navegação aérea, o que implica na garantia de segurança na circulação pelo espaço aéreo; b) a infra-estrutura aeroportuária (aeródromos, helipontos), em que necessariamente começa e termina a navegação aérea, o que implica, também, em dar condições de segurança na aproximação, pouso e decolagem.
Garantir a segurança, nesses casos, significa não permitir que propriedades vizinhas de aeródromos em geral e helipontos, em particular, causem embaraços à segurança de vôo, pouco importa quem seja o proprietário do imóvel em que se situa o aeródromo ou heliponto. Portanto, as restrições previstas no art. 43 da Lei n. 7.565, de 19.12.1986, visam à segurança das operações aéreas e do público em geral, incidindo, por esse motivo, nas áreas vizinhas dos aeródromos em geral, públicos e privados, inclusive heliportos e helipontos.
Se o Município deve respeitar a
restrição
imposta pela Lei n. 7.565/1986?
Como proclama o art. 23,I da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição e das leis, do que resulta induvidoso dever o Município zelar pela observância e cumprimento das leis, visto que ninguém se escusa de cumpri-las, sob a alegação de que não as conhece, nos precisos termos do art. 3° da Lei de Introdução.
Como salienta Cretella Jr., "não basta guardar e zelar pela Constituição. O zelo e guarda deve estender-se a todo tipo de norma legal, em qualquer esfera ou grau".
No preciso ensinamento de Oscar Tenório, "a obrigatoriedade da lei é de sua própria essência. Caracteriza-se a norma pela generalidade. O principio é bilateral, pois se destina ao Estado (União, Estados e Municípios) e aos indivíduos, compelindo-os ao respeito legal, submetendo-os aos seus preceitos... A lei é igual e obrigatória para todos" (Lei de Introdução n. 143, pág. 95).
Outorgando a Constituição federal ao município a atribuição, comum aos entes públicos, de desvelar pela guarda e observância das leis vigentes, cabe-lhe diligenciar pela eficácia normativa do ordenamento jurídico.
Por outro lado, considera-se contrário a direito tanto o ato comissivo quanto o ato omissivo da Administração Pública municipal, estadual ou federal em relação às imposições legais de ordem pública, tal como a referente à Zona de Proteção dos Helipontos com vista à segurança da navegação aérea.
Se a Prefeitura deveria receber alguma
espécie
de notificação da Aeronáutica a respeito da
homologação ou autorização dos aeródromos?
O direito objetivo é obrigatório para todos (entes públicos ou particulares) tão logo seja publicado, independentemente de qualquer notificação especial, para viger em todo o território nacional.
Assim, a incidência e a observância das limitações nas zonas de Proteção, de Aeródromos e Helipontos, de conformidade com os arts. 43 e 44 e respectivos regulamentos do Código Brasileiro de Aeronáutica, não depende de qualquer notificação prévia.
Por esse motivo, o regulamento do art. 43 e 44 do CBA, baixado por delegação de competência atribuída pelo Decreto n. 95.218, de 13.ll.1987, através da Portaria l.l41/GM5 de 8 de dezembro de 1987, estabeleceu:
"Art. 84 - O cumprimento do que estabelece esta Portaria é atribuição conjunta das autoridades federais, estaduais e municipais.
§ 1º) As entidades referidas neste artigo deverão compatibilizar as normas referentes ao uso do solo às restrições existentes nas áreas que integram as zonas de proteção.
§ 2º) As restrições estabelecidas aplicam-se a quaisquer bens, privados ou públicos.
Art. 85 - "A fiscalização quanto ao cumprimento do que estabelece esta Portaria é atribuição das autoridades federais em especial a Aeronáutica, estaduais e municipais."
Contudo, é prudente e recomendável que a Aeronáutica, ao autorizar a homologação de aeródromos públicos ou o registro de aeródromos privados, faça comunicação formal ao Município em que se situam, salientando a necessidade de observância das restrições nas zonas de proteção.
Do embargo da obra nova que desservir aos
fins do
aeródromo ou heliponto registrado ou homologado.
O CPC., de 1973, admite a ação de nunciação de obra nova ao proprietário possuidor a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões, ou fins a que é destinado (art. 934 CPC).
Nunciante é o que propõe a ação, requerendo o embargo para que fique suspensa a obra que prejudica o seu prédio, suas servidões ou fins a que é destinado o prédio.
De três tipos são os prejuízos que autorizam o pedido de embargo da obra: a) se ela for em detrimento do próprio prédio do nunciante; b) se causar transtorno às suas servidões; c) se desservir aos fins do prédio do nunciante.
No caso concreto em exame, a finalidade é permitir a decolagem, ascensão, vôo, aproximação e pouso de helicóptero para que a operação aérea seja feita com segurança.
A obra, no prédio vizinho, que causar transtorno à consecução dessa finalidade, pondo em risco a segurança das operações aéreas no indigitado heliponto, pode, pois, ser embargada, com intimação da Prefeitura com vista ao disposto no art. 44, §§§ 4º e 5º do CBA., e do IV COMAR.
Considerações conclusivas.
Em face do exposto, pode-se, em conclusão, sintetizar o seguinte:
1º) Tem o aeródromo, seja ele qual for, público ou privado, heliporto ou heliponto, desde que devidamente registrado ou homologado e, em pleno funcionamento, a mesma proteção legal, com vista à segurança de vôo e do público em geral.
2º) Essa proteção sujeita as propriedades vizinhas dos aeródromos e helipontos, sem distinção quanto aos bens públicos ou privados (art. 44,§ 5º do CBA) às restrições previstas, também sem distinção, no art. 43 e nos Planos de Zona de Proteção de Aeródromos, que compreendem todos os aeródromos, públicos ou privados, inclusive helipontos, que se incluem entre os aeródromos por força do art. 31,II do CBA, não sendo lícito ao intérprete fazer distinções (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
3º) O Plano de Zona de Proteção de Aeródromos foi aprovado por delegação do Presidente da República, satisfazendo, desse modo, a exigência do § 3º do art. 44 do CBA.
4º) As Administrações Públicas, inclusive municipais, deverão compatibilizar o zoneamento do uso do solo, nas áreas vizinhas dos aeródromos e helipontos em geral, as restrições constantes do Plano Básico de Zona de Proteção de aeródromos e helipontos após a sua publicação, visto que: a) constitui regulamentação do disposto no art. 44 do CBA, e, desse modo, é obrigatório, para todos, entes públicos ou privados, a partir da publicação, não cabendo alegação de ignorância, como demonstrado. A exigência de haver transmissão às administrações diz respeito apenas aos Planos específicos, os termos do art. 44,§ 3º.
5º) O embargo à obra nova em prédio vizinho se justifica: a) se a obra nova causar embaraços ou óbices à operação do heliponto, devidamente registrado, transtornando a finalidade essencial, e, ainda, a finalidade de prestar serviço à comunidade e pronto socorro ou resgate aos necessitados de atendimento de urgência; b) se a obra nova infringir, como, no caso ocorre, normas restritivas Baseadas na Lei n. 7.565, de 1986 (art. 43) constantes dos Planos básicos de Zona de Proteção de Aeródromos (art. 44) e dos regulamentos (Portaria Ministerial n. 18/GM5, de 14.02.1974 e Portaria IV COMAR, n. 14/ SERENG-4, de 08.02.1996, e Portaria n. l.141/GM5, de 08.12.1987); c) ainda que se concebam tais restrições como servidão, o embargo seria pertinente por força do art. 934,I do CPC. Nem o vezo dos "civilistas" ou "administrativistas", de vincular a medida à estreiteza dos conflitos de vizinhança do Código Civil ou das limitações administrativas municipais, pode obstar o seu uso generalizado por todo aquele que se sinta ameaçado ou lesado em seu direito (art. 5º, XXXV da CF e art. 572 do Código Civil). Daí a razoabilidade do entendimento que vai se generalizando, com aplauso dos doutos, no sentido de que "o particular tem legitimidade para propor ação de nunciação de obra contra quem deixa de observar regulamentos administrativos na sua edificação, e por isso o prejudica" (Cf. Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Proc. Civ., vol. III, pág. 177; RT 459/233; 513/77; 679/165, 718/110), mas alargando a visão para abranger o prejuízo decorrente de inobservância de norma administrativa de qualquer esfera ou espécie, inclusive de autoridade aeronáutica baseada no art. 43 do CBA, in verbis: "As administrações públicas (inclusive municipais) deverão compatibilizar o zoneamento do uso do solo, nas áreas vizinhas aos aeródromos (inclusive helipontos), às restrições especiais constantes dos Planos básicos e específicos".
6º) Não há necessidade do Registro exigido pelo art. 167,I,n. 6 da Lei de Registros Públicos, por não se tratar, efetivamente, de "servidão real", mas de limitação coativa por força de lei, em razão da segurança da navegação aérea, de caráter público e social e, alem do mais, ostensivamente aparente pelo movimento constante de helicópteros em tráfego aéreo no local.
7º) O único registro necessário é o resultante da conclusão do processo de aprovação do heliponto e de sua abertura ao tráfego aéreo, nos termos do art. 30,§ 1º do CBA e respectiva regulamentação.
8º) O TERMO "Registro" é designativo da autorização final e definitiva do processo para a abertura do aeródromo ou heliponto privado ao tráfego aéreo, enquanto o termo "homologação" diz respeito à conclusão final do processo para a abertura ao público do aeroporto ou heliporto, mas em ambas as hipóteses há sujeição ao Plano de Zonas de Proteção de Aeródromos e helipontos, que visa resguardar a segurança da navegação aérea, independentemente de quem seja o proprietário do aeródromo ou heliponto ou das aeronaves em vôo ou manobra no local.
9º) A ação de nunciação de obra nova é assegurada, nos termos do art. 934 do Código de Processo Civil, ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a obra em imóvel vizinho lhe prejudique os fins a que se destina o seu prédio. Se ele é destinado a heliponto e se a obra disserve ou prejudica a operação daquele, que foi, através de processo regular, devidamente registrado e aberto ao tráfego, de acordo com o art. 30,§ 1º do CBA, faculta-lhe o art. 934, I do CPC o pedido de embargo.
10º) A limitação à propriedade na zona de proteção de aeródromo ou heliponto, visando à segurança da navegação aérea, não constitui fato insólito no direito contemporâneo, em que o espaço aéreo para fins de tráfego aéreo, é objeto inconteste do direito público aeronáutico. Assim, são proibidas na Zona de Proteção de Helipontos, construções que obstem ou impeçam o atingimento da finalidade do heliponto, aberto ao tráfego aéreo, finalidade essa que é a de servir de infra-estrutura à navegação aérea, com segurança para todos e da coletividade.
11º) Quanto à eventual indenização pelas demolições de obstáculos levantados antes da publicação dos referidos Planos de Zona de Proteção de Aeródromos, incide o art. 46 do CBA, respondendo, como é curial, o responsável pelo aeródromo, seja ele entidade pública ou privada. No que diz respeito, porém, ao embargo aos obstáculos que contrariem os Planos de Proteção após a sua publicação, as entidades públicas poderão fazê-lo, em relação aos aeroportos (art. 45 CBA), e as entidades privadas, em relação aos aeródromos e helipontos durante o prazo de vigência da respectiva autorização.