Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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JURISPRUDÊNCIA

Embargos Infringentes nº 597256791
3º Grupo de Câmaras Cíveis - Porto Alegre
Embargante: VARIG S/A
Embargada: Interunion Capitalização S/A.

DIREITO COMERCIAL. LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. EMPRESA DE SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. ACIONISTA PREFERENCIAL. DIREITO DE VOTO. PREVISÃO ESTATUTÁRIA DE VEDAÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO. LEGALIDADE. LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS E CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA.

Tratando-se de companhia concessionária de serviço aéreo, a composição e formação de seu quadro de acionistas votantes deve respeitar a legislação específica, ou seja, o estatuído no Código Brasileiro de Aeronáutica e subsidiariamente pela Lei das Sociedades Anônimas.

Ainda que a empresa não distribua dividendos nos três últimos exercícios, o sócio portador de ação preferencial, sem direito a voto não poderá adquirir, por aquela razão, nem transitoriamente o exercício a tal direito, por expressa vedação legal.

Princípio da reserva legal da pessoa jurídica nacional e autonomia e segurança interna da Nação.

Embargos Infringentes acolhidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam, em 3º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, acolher em parte os embargos infringentes, vencidos o Des. Décio Antônio Erpen, que os acolhia integralmente, e o Des. João Pedro Freire, que os rejeitava, de conformidade e pelos fundamentos constantes das notas taquigráficas anexas, integrantes do presente acórdão.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Tael João Selistre (Presidente, sem voto), Sérgio Pilla da Silva, Décio Antônio Erpen, Clarindo Favretto, João Pedro Freire e Carlos Alberto Bencke.

Porto Alegre, 07 de agosto de 1998.

Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, Relator

 

(Extrato do) VOTO DO DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA (Relator):

..........................................

Como dito ao início, tendo presente a natureza jurídica da embargante, concessionária de serviço público, regra especiais devem ser respeitadas. E estas, ao contrário da Lei Geral das Sociedades Anônimas, estão contidas no Código Brasileiro de Aeronáutica.

E tal lei especial, de forma cogente, estabelece que a concessão de exploração do serviço aéreo somente será dada à pessoa jurídica brasileira que tiver sede no país, com pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito a voto pertencentes a brasileiros e com direção confiada exclusivamente a brasileiros (C.B.A. art. 181).

Percebe-se com clareza solar que a intenção do legislador, não só na Carta Maior, em seu artigo 175, parágrafo único, como no Código em comento, é o de preservar o regime jurídico das permissionárias ou concessionárias como pessoas jurídicas de personalidade brasileira. Após, em seus parágrafos, também de forma imperativa, estabelece que:

"Parágr. 1º - As ações com direito a voto deverão ser nominativas se se tratar de empresa construída sob a forma de sociedade anônima, cujos estatutos deverão conter expressa proibição de conversão das ações preferenciais sem direito a voto em ações com direito a voto.

Parágr. 2º - Pode ser admitida a emissão de ações preferenciais até o limite de 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas, não prevalecendo as restrições não previstas neste Código.

Parágr. 3º - A transferência a estrangeiros das ações com direito a voto, que estejam incluídas na margem de 1/5 (um quinto) do capital a que se refere o item II deste artigo, depende de aprovação da autoridade aeronáutica."

Acertado, então, dizer que o princípio esposado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica é inconciliável com o disposto no art. 111, parágr. 1º, da Lei das Sociedades Anônimas, que tem caráter geral para as sociedades de ações, enquanto que, para o regime das concessões no transporte aéreo, há um regime especial, diferenciado.

As ações preferenciais podem chegar até o limite de 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas. Quando originalmente emitidas sem direito de voto essas ações podem ser subscritas ou adquiridas por estrangeiros, pessoas física ou jurídicas.

Entretanto, cuidando de que jamais possa cair em mãos de estrangeiros mais do que 1/5 (um quinto) do capital com direito a voto estabeleceu o Código a inflexível proibição de "conversão das ações preferenciais sem direito a voto em ações com direito a voto."

Então, máxima vênia concessão, não vinga o entendimento de que o direito de voto é adquirido, embora temporariamente, mesmo que sem conversão da ação preferencial em ação com direito de voto, pela ausência ou falta de distribuição de dividendos.

Como já disse e repeti, a preocupação está na personalidade da pessoa jurídica com direito a voto aliada ao fato de possuir ações que contenham o direito de voto.

Desimporta perquirir, no caso concreto, tão somente se a INTERUNION é ou não, empresa brasileira. Importa, sim, data venia, que ela é proprietária de ações preferenciais que, originariamente, não oferecem direito a voto e que a Lei Especial proíbe, terminantemente, que adquiram ou que possam desfrutar do direito de votar.

De outro lado, é sabido que a decisão em Embargos Infringentes está adstrita aos limites da divergência, mas o Tribunal pode julgar com base em fundamentação diversa da em que estribou o voto vencido (2ª Turma do STJ. Rel. Ministro Moreira Alves, in RTJ 87/477).

A divergência, no caso, é sobre o direito de voto, reconhecido pelo douta maioria, embora sem converter ações preferenciais em ordinárias, mas baseada no fato de não terem sido distribuídos dividendos por três anos consecutivos, enquanto o douto voto vencido não admite o exercício de tal direito de voto por expressa vedação legal. E, agora, alargando a fundamentação do voto minoritário, com base no permissivo jurisprudencial invocado, há que se registrar, mais ainda tal vedação, invocando o estatuído no parágr. terceiro do art. 181 do C.B.A. onde diz que a transferência para estrangeiros das ações com direito a voto, que estejam incluídas na margem de 1/5 (um quinto) do capital a que se refere o item II deste artigo, depende de aprovação da autoridade aeronáutica. Ou seja, até em caso de exceder 4/5 (quatro quintos) do capital votante, a transferência das ações com direito a voto ficarão submetidas a aprovação da autoridade aeronáutica.

É, não há dúvida, questão de segurança e domínio interno da Nação. A empresa concessionária do serviço público, constituída sob a forma de Sociedade Anônima não pode ter em seus quadros votantes pessoa jurídica estrangeira.

........................................

COMENTÁRIO

Pedro Gordilho
Advogado em Brasília

1. A questão em debate é singular e sugere o registro: a autora, alegando ser titular de ações preferenciais da Varig, pleiteou reconhecimento do direito de voto em suas assembléias, a pretexto de que não são pagos dividendos há mais de três anos.

2. Invocou o texto do art. 111, e respectivo § 1º, da Lei 6.404, de 15.12.76, diploma legal que dispõe sobre as sociedades por ações.

3. Sustentou na demanda que não ampararia a negativa de voto às ações preferenciais o disposto no § 1º do art. 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica, segundo o qual os estatutos sociais dos concessionários de serviços aéreos públicos:

"Deverão conter expressa proibição de conversão das ações preferenciais sem direito a voto em ações com direito a voto".

4. E mais: assinalou que o estatuto da Varig teria ampliado, "indevidamente, as restrições legais", ao dispor que as ações preferenciais (Estatuto, art. 5º, § 2º, parte final):

"(...) em nenhuma hipótese adquirirão direito de voto e jamais poderão ser convertidas em ações ordinárias (Código Brasileiro de Aeronáutica, art. 181, parág. 1º)"

5. Verifica-se, portanto, que a autora, pleiteando voto para as ações preferenciais, intencionou, por via transversa, fazer alterar ou não respeitar o estatuto social da Varig (concessionária federal de serviços aéreos), o qual, de resto, se contém aos termos do § 1º do art. 181 do Cód. Br. de Aeronáutica.

6. Além de pedir "seja declarado, judicialmente, o seu direito transitório de voto", pleiteou a autora sejam:

"(...) declaradas nulas as deliberações assembleares da Varig, tomadas a partir do terceiro exercício consecutivo sem pagamento de dividendos, no quais os preferencialistas não foram autorizados a votar(...)"

7. O notável julgado ora comentado, recebendo os embargos infringentes opostos pela Varig, decidiu:

"DIREITO COMERCIAL. LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. EMPRESA DE SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. ACIONISTA PREFERENCIAL. DIREITO DE VOTO. PREVISÃO ESTATUTÁRIA DE VEDAÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO. LEGALIDADE. LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS E CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA.

Tratando-se companhia concessionária de serviço aéreo, a composição e formação de seu quadro de votantes deve respeitar a legislação específica, ou seja, o estatuído no Código Brasileiro de Aeronáutica e subsidiariamente pela Lei das Sociedades Anônimas.

Ainda que a empresa não distribua dividendos nos três últimos exercícios, o sócio portador de ação preferencial, sem direito a voto não poderá adquirir, por aquela razão, e nem transitoriamente o exercício a tal direito, por expressa vedação legal.

Princípio da reserva legal da pessoa jurídica nacional e autonomia interna da Nação.

Embargos infringentes acolhidos."

* * *

8. A questão jurídica que se trava nestes autos, supõe, necessariamente, o exame do art. 175 da Constituição, assim redigido:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - O regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão (....)."

9. Ora, a lei que dispõe sobre o regime jurídico das empresas concessionárias e permissionárias de serviços aéreos públicos é o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7565, de 19 de dezembro de 1986). Este Código é compatível com a Constituição Federal de 1988, que recepcionou plenamente o regime jurídico estabelecido para tais empresas.

10. E esse regime jurídico, no que toca às concessionárias (como o é a Varig, que executa transporte aéreo regular), estabelece entre seus preceitos capitais, notadamente no § 1º, do art. 181, regra tipicamente de ordem pública:

"Art. 181. A concessão somente será dada a pessoa jurídica brasileira que tiver:

I - sede no Brasil;

II - pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito a voto pertencente a brasileiros, prevalecendo essa limitação nos eventuais aumentos do capital social;

III - direção confiada exclusivamente a brasileiros.

Parág. 1º - As Ações com direito a voto deverão ser nominativas se se tratar de empresa constituída sob a forma de sociedade anônima, cujos estatutos deverão conter expressa proibição de conversão das ações preferenciais sem direito a voto em ações com direito a voto.

Parág. 2º - Pode ser admitida a emissão de ações preferenciais até o limite de 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas, não prevalecendo as restrições não previstas neste Código.

Parág. 3º - A transferência a estrangeiros das ações com direito a voto, que estejam incluídas na margem de 1/5 (um quinto) do capital a que se refere o item II deste artigo, depende de aprovação da autoridade aeronáutica."

11. Daí a compatibilidade, com tais regras, das disposições estatutárias da Varig, quando enunciam que as ações preferenciais (art. 5º, parág. 2º, in fine, do seu estatuto social):

"(...) em nenhuma hipótese adquirirão direito de voto e jamais poderão ser convertidas em ações ordinárias (Código Brasileiro de Aeronáutica, art. 181, parág. 1º)"

12. Como se haverá de convir, a questão em debate envolvia, certamente, a ordem pública.

13. Mas antes desse exame é forçoso reconhecer que o Cód. Br. de Aeronáutica foi recepcionado pela Constituição, o que, aliás, não é negado pela autora. E nem poderia. Não se exige a declaração expressa de quais leis continuariam em vigor após a promulgação da Constituição. Isso seria absurdo que o direito haveria de proscrever. A ordem jurídica prossegue. Não se interrompe a continuidade do Estado, nem este perde a sua identidade com a promulgação de nova carta constitucional. Como assinala Francisco Campos, que a ninguém ocorreria taxar de excesso de liberalismo (Direito Constitucional, Forense, 1942, p. 249):

"O direito constitucional não abrange ou envolve no seu conteúdo todo o sistema jurídico vigente anteriormente à sua promulgação. Sob as mudanças e transformações dos regimes políticos ou os sistemas constitucionais permanece, muitas vezes inalterado, o tecido do direito comum."

14. Antes, já ressaltara (ob. cit., p. 248):

"A Constituição não tem, com efeito, o mesmo conteúdo da legislação ordinária ou comum, e quando o tenha em parte, claro é que, dispondo de modo diverso do que dispõe uma lei anterior sobre a mesma matéria, a última perde, por fôrça da nova disposição, o seu vigor ou a sua vigência. As leis, porém, cujo conteúdo não contraria a Constituição, ou que regulam matéria não regida pela Constituição, devem ser aplicadas até a sua abrogação total ou parcial."

* * *

15. Examine-se a natureza das regras questionadas. As regras são de ordem pública, quer a determinação constante do art. 175, § único, inc. I, da CF/88, quer o art. 181, § 1º, do Cód. Br. de Aeronáutica. E por que? Porque têm como marca a inderrogabilidade. Não podem ser anuladas pela vontade das partes, nem, claro, por disciplina jurídica voltada para a generalidade, como é a lei das sociedades anônimas, que a autora intenciona ver prevalecer. Bevilacqua definiu as leis de ordem pública como sendo (Direito Civil, 2ª ed., p. 15):

"(...) as que, em um Estado, estabelecem os princípios, cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos do direito. O seu característico principal é a inderrogabilidade; não podem ser afastadas pela vontade do interessado (...)".

16. Partindo desta mesma distinção, Fiore classifica como de ordem pública propriamente dita não somente as disposições portadoras de uma autoridade imperativa, mas que aliem ainda uma autoridade imperativa absoluta, de modo que a sua derrogação determine o negotium nullum, a nulidade de direito ou de pleno direito do ato, ou da relação consumada com a derrogação da lei (Serpa Lopes, Lei de Int. ao Cód. Civil, 1943, v.1, p. 34). A ninguém de bom senso ocorrerá negar que eventual previsão estatutária, em estatuto de companhia de transporte aéreo, autorizando aquilo que a lei veta, imporia a nulidade do ato jurídico que o certificasse.

17. Convém insistir no tema, culminante para a compreensão da questão em debate. Como identificar o caráter de ordem pública, como precisá-lo devidamente? Os textos consagrados de George Ripert e, no Brasil, de Serpa Lopes, ajudam a fixar os pontos que se têm por capitais. Ripert reconhece (Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno, 1947, Freitas Bastos, p. 230): "Uma definição geral de ordem pública é quase impossível dar". Mas acrescenta: "Quase sempre as leis imperativas definem a norma".

18. São leis voltadas para a ordem, como diz o grande civilista francês, em leitura sedutora e convincente (ob. cit., p. 230-231):

"A lei não é restrita à liberdade senão porque é construtiva da ordem. (...). O que antes se fazia sob o signo da liberdade, far-se-á dora em diante por uma coordenação preestabelecida e porque se apurou que a liberdade engendrava a desordem e a crise."

19. Serpa Lopes, de seu turno, ressalta (ob. cit., p. 35):

"Geralmente, toma-se como critério, em primeiro lugar, a inderrogabilidade da lei de ordem pública (55), observando N. Coviello, que se não deve encarar tal expressão no sentido próprio. Não se trata da suspensão do valor coativo da lei, valor peculiar tanto às leis de ordem pública, como às que o não são. A derrogabilidade repelida pela lei de ordem pública é a renúncia a um direito conseguida pela aplicação da norma ou a eliminação das condições de fato que formam o seu necessário pressuposto."

20. E no tocante à atuação das leis de ordem pública - o que, lido à face da questão em debate, tem o poder de não permitir a invocação legítima de lei geral - assinala Pontes de Miranda (Questões Forenses, Borsoi, 1957, Tomo I, p. 118):

"(...) as leis de ordem pública tornam ineficazes e inaplicáveis as regras contrárias a elas, assim no espaço como no tempo."

21. A Constituição prescreve que a lei disporá sobre o regime das concessionárias. Exige lei: a que espécie de lei se refere a disposição constitucional? À lei geral, a lei voltada para a economia como um todo, para as sociedades comerciais genericamente consideradas, para as sociedades anônimas? Por certo a lei a que a Constituição se reporta de forma imperativa (A lei disporá) para dispor sobre o regime das concessionárias de transporte aeronáutico é o Código de Aeronáutica, que contempla tudo aquilo que a disposição constitucional diz que a lei deverá conter - e não a lei das sociedades anônimas, dirigida para o universo das sociedades desse tipo. Seria, como efeito, tresler, d.v., o quadro jurídico, assim colocado, admitir-se que a lei em questão poderia ser a lei das sociedades anônimas. Se fosse lícito concluir que a lei - em cujos termos era constitucionalmente facultada, de modo imperativo, a provisão da disciplina legal das concessionárias do transporte aéreo - poderia ser a lei das sociedades anônimas, como a União, sob cuja tutela imediata se encontra a prestação de serviços públicos (CF, 175), poderia assegurar que o serviço concedido estava sendo fiscalizado e sendo observado o pontual atendimento do contrato de concessão, ou, por outra, como poderia o poder concedente fazer observar os requisitos do art. 181 e seus incisos e parágrafos do Cód. Br. de Aeronáutica?

22. As liberdades, como os demais direitos resultantes das garantias individuais e da organização da sociedade capitalista, asseguradas na Constituição, não podem constituir objeto de legislação geral, para o fim de os regulamentar ou impor condições ao seu gozo ou ao seu exercício. Quando a Constituição proclama, solenemente, que a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias, a lei, nesse caso, é a lei especial, excluída, na regulamentação de tais liberdades e direitos, de modo completo, total e absoluto, a intervenção de outra disciplina legal voltada para outros interesses.

* * *

23. E essa lei especial é clara quando dispõe que as preferenciais não se podem converter ou transformar "em ações com direito a voto", isto é, não podem passar a ser ordinárias nem preferenciais com voto. Não diz somente que tais ações não se podem converter "em ordinárias", mas sim - ressalte-se - em qualquer espécie ou classe de ações com voto.

24. A doutrina especializada assinala a excepcionalidade, em certos casos. Sirva de exemplo a palavra autorizada de Walter T. Alvarez (Curso de Direito Comercial, 6ª ed., p. 359):

"(...) as ações preferenciais, como qualquer outra ação, têm direito de voto. A menos que para certos tipos de sociedade a lei o proíba expressamente, ou que, no comum, os estatutos taxativamente não lhes confiram esse direito (art. 111, Lei 6.404/76)."

25. Ora, a Varig, como concessionária de serviços aéreos públicos, é precisamente uma dessas sociedades em relação às quais a Lei especial exigida pela Constituição (no caso, o Código de Aeronáutica) estabeleceu regra excepcional que proíbe expressamente conferir direito de voto a ações preferenciais que originariamente dele não disponham. Não se aplica, no que toca a essas sociedades, a regra do § 1º do art. 111 da Lei 6.404, lei das sociedades anônimas, que se curva e se afasta diante de preceito diverso de caráter excepcional, constante de lei especial, em conformidade - vista a questão em debate sob outro ângulo, igualmente marcado pela solidez - já agora, com princípios consagrados da hermenêutica jurídica.

26. É o que se extrai da palavra celebrada de Carlos Maximiliano. Quanto ao Direito Especial, contempla o grande jurista os Códigos em geral, entre os quais iria se incluir, certamente, o inalcançado Cód. Brasileiro de Aeronáutica (Hermenêutica e Aplicação de Direito, 1979, p. 229, nº 274):

"Enquadram-se no Direito Especial o Código Comercial, o Penal, o Rural, O Florestal, o das Águas, o Aduaneiro e o de contabilidade pública; as leis sobre a responsabilidade do Chefe de Estado e demais funcionários, sobre minas, estradas de ferro, patentes de invenção, acidentes de trabalho, impostos, trabalho de mulheres e menores, e outras (8)."

27. E sobre as disposições excepcionais, tal como o art. 181, § 1º, do CBA, diz o mesmo autor (ob. cit., p. 229, nº 275):

"Consideram-se excepcionais, quer estejam insertas em repositórios de Direito Comum, quer se achem nos de Direito Especial, as disposições (...) privação de direitos ou regalias: (...) as que restringem ou condicionam o gozo ou o exercício dos direitos civis ou políticos (...) criam inelegibilidade (...) exceções, de qualquer natureza, a regras gerais, ou a um preceito da mesma lei, a favor, ou em prejuízo, de indivíduos ou classes de comunidade (...)."

28. Como interpretá-las? Com sua autoridade - enfrentando a questão mais ampla da derrogação, quando na espécie cuida-se apenas de não aplicação do direito comum a uma situação excepcional, prevista em lei especial, - assinala Maximiliano (ob. cit., p. 234, nº 287):

"O processo de exegese das leis de tal natureza é sintetizado na perêmia célebre, que seria imprudência eliminar sem maior exame - interpretam-se restritamente as disposições derrogativas do Direito comum. Não há efeito sem causa: a predileção tradicional pelos brocardos provém da manifesta utilidade dos mesmos. Constituem sínteses esclarecedoras, admiráveis súmulas de todas as regras concisas: decorrem não do uso, e sim do abuso dos dizeres lacônicos. O exagero encontra-se antes na deficiência de cultura ou no temperamento do aplicador do que no âmago do apotegma. Bem compreendido este, conciliados os seus termos e a evolução do Direito, a letra antiga e as idéias modernas, ressaltará ainda a vantagem atual desses comprimidos de idéias jurídicas, auxiliares da memória, amparo do hermeneuta, fanais do julgador vacilante em um labirinto de regras positivas.(...)"

29. Conclui o grande jurista brasileiro (ob., cit., p. 236):

"Com as reservas expostas, a perêmia terá sempre cabimento e utilidade. Se fora lícito retocar a forma tradicional, substituir-se-ia apenas o advérbio: ao invés de restritiva, estritamente. Se prevalecer o escrúpulo em emendar adágios, de leve sequer, bastará que se entenda a letra de outrora de acordo com as idéias de hoje: o brocardo sintetiza o dever de aplicar o conceito excepcional só à espécie que ele exprime, nada acrescido, nem suprimido ao que a norma encerra, observada a mesma, portanto, em toda a sua plenitude."

30. A questão jurídica é de hermenêutica jurídica, sob pena de se tornar letra morta a regra do Código que o Estatuto consagrou. A proposição da autora, que prestigia a disposição do art. 111 e seus §§ da L. das sociedades anônimas, dirigiu-se, confessadamente, à vontade dos particulares ou ao estatuto dos sociedades, mas não tem aplicação quando se trata de regra de direito positivo, vigente, integrante de diploma especial, como ressaltou o voto vencido que o acórdão comentado fez prevalecer.

31. O debate sugere, a todas as luzes, o enunciado do art. 6º da antiga L. de Introdução ao Código Civil: "A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica". Porque foi suprimida dos Códigos? Responde Alípio Silveira (Hermenêutica e Aplicação de Direito, 1º v., 1968, p. 231): "(...) porque a julgam uma regra hermenêutica fundamental, que não requer injunção legislativa."

32. Dispensa-se o mandamento no corpo de leis, mas, a una voce, os mais autorizados hermeneutas celebram: a regra excepcional tem irrecusável aplicação a todas as hipóteses que contempla.

33. Maximiliano, baseando-se em Rumpt, assinala (ob. cit., p. 256):

"As palavras - que especifica, do Código Brasileiro, paráfrase de - in esse espressi, do repositório italiano, - não se interpretam no sentido literal, de exigir individuação precisa, completa, de cada caso a incluir na exceção. Comporta esta as hipóteses tôdas compatíveis com o espírito do texto, descobertas mediante os vários processos da Hermenêutica. Exclui-se a extensão propriamente dita; porém, não a justa aplicação integral do dispositivo".

34. E Carvalho Santos, depois de expor notável julgado relatado por Virgílio de Sá Pereira, resume, com rigorosa fidelidade aos princípios, esta doutrina (Comentário, I, p. 98):

"As leis de exceção e as restritivas não se estendem a outros casos, embora semelhantes, mas estendem-se a todos os casos que nelas se contêm, a todos os casos compreendidos no seu motivo.

Em tais hipóteses não é lícito aplicar a analogia, por isso que nessas hipóteses, não somente a lei veda a inclusão de casos estranhos, mas também, porque, como regra excepcional, não oferecem elas nenhuma disposição homogênea, cuja ratio domine o caso em questão".

35. É essa, pois, a doutrina do acórdão comentado: a exceção aberta a qualquer preceito deve ser atendida rigorosamente, isto é, estritamente, com o mínimo de domínio, mas alcança as hipóteses que nela se contêm, incide sobre todas as hipóteses que a norma contempla. Não tem proveito no campo da analogia, mas, no seu domínio, é soberana, dispensando a incidência da regra geral.

36. Irrecusável, pois, a validade e incidência da cláusula do preceito estatutário questionada, resultante de preceito imperativo excepcional (art. 181, § 1º do Cód. Br. Aeronáutica), contido em regra de Direito Especial (Cód. Br. Aeronáutica, L. 7565/86), como ressaltou, de forma irrecusável, o acórdão comentado.

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