Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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ACORDO DE CÉUS ABERTOS
ARGENTINA/ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
REFLEXOS NO RELACIONAMENTO BRASIL / ARGENTINA

JOSÉ SIMÕES HENRIQUES
Assessor da CERNAI

No ano de 1944 outono no Hemisfério Norte, foi realizada a histórica Conferência de Chicago, programada pelo Governo dos EUA, com vistas a adoção de acordos técnicos e econômicos que estabelecessem principios normativos para a Aviação Civil Internacional do pós guerra.

Com o prestígio alcançado em decorrência das vitórias na 2ª Guerra Mundial, a delegação norte-americana procurou influenciar os países participantes, a adotar princípios liberais para o transporte aéreo, através de um Acordo Multilateral, com base na filosofia das Liberdades do Ar.

Alguns dos temas, tais como Capacidade, Tarifas e Rotas, alem das liberdades do Ar, não puderam ser solucionados em uma regulamentação multilateral, face a posição assumida por alguns países.

Apesar de terem sido os grandes vitoriosos da 2ª Guerra Mundial, o mundo negou aos Estados Unidos da América, na Conferência de Chicago, o direito de usufruir as vantagens a serem obtidas com o transporte aéreo internacional por não haver, à época, como competir com as empresas norte-americanas.

Uma filosofia oposta impediu a adoção do Acordo Multilateral e levou os países de todo o mundo a acertarem as suas relações no campo do transporte aéreo através de acordos bilaterais. Essa filosofia pugnava pelo controle das tarifas a serem cobradas nas diversas rotas e da capacidade a ser oferecida pelas empresas nos seus diversos serviços.

Face as divergências havidas no tocante ao Acordo Multilateral sobre Transporte Aéreo Internacional, a Ata Final da Conferência fez uma recomendação no sentido de que os países buscassem entendimentos bilaterais com vistas a dinamizar o movimento de passageiros, carga e mala postal por via aérea, chamado nos dias de hoje de Indústria do Transporte Aéreo.

Buscava o Governo dos EUA, com a aprovação do Acordo Multilateral, vender a sua política de livre iniciativa em benefício do usuário norte-americano e de suas empresas aéreas. Os Acordos bilaterais, dentro dos limites impostos pelos Países envolvidos, foi o impecilho inicial para os EUA desenvolverem a idéia buscada em Chicago.

O país que se opôs aos princípios desejados pela representação norte-americana, foi a Inglaterra que, com o apoio da França, decidiu oferecer em contrapartida a filosofia de Ordem no Ar, com o controle da Capacidade, das Tarifas e das Rotas.

Diante do impasse surgido, os 2 aliados de guerra – USA e Inglaterra – decidiram buscar a solução de suas divergências através de um Acordo Bilateral, levando em consideração não só a recomendação da Conferência como também os próprios termos do Acordo Multilateral preparado em Chicago.

Apesar das poucas esperanças quanto a um resultado positivo, os dois países vieram a se entender em caráter bilateral no encontro que teve lugar nas Bermudas, concluíram e assinaram o chamado ACORDO DAS BERMUDAS.

O ACORDO DAS BERMUDAS ensejou repercussão imediata junto à Comunidade Aeronáutica Mundial. A repercussão atingiu o Brasil, que decidiu adotar os princípios bermudianos para os acordos bilaterais que viessem a ser negociados.

Estabelecidos os princípios para os Acordos sobre Transportes Aéreos Regulares, o governo brasileiro os adotou e passou a celebrar os seus Acordos com os países de maior interesse, com os Estados Unidos da América, países europeus e países vizinhos da América do Sul, especialmente a Argentina.

Pelas dificuldades para conciliar os interesses das duas Partes, somente em junho de 1948 veio a ser assinado o Acordo Aéreo com a Argentina, quando com os demais países considerados importantes para o Brasil o foram em 1946 e em 1947.

As principais dificuldades residiam na parte das Rotas Além, com a competente participação nos respectivos direitos de tráfego acessório, porque essas rotas para a Argentina se dirigiam para os países ao norte do Brasil – principalmente para os EUA e a Europa – enquanto esse mesmo tipo de rotas para o Brasil se dirigia para pontos secundários da América do Sul.

A situação só veio a ser solucionada quando ficou pemitido, dada a situação geográfica dos dois países, às empresas brasileiras a exercerem os direitos de tráfego acessório entre a Argentina e os países ao norte do Brasil, o que foi uma autêntica reciprocidade com relação aos direitos a serem exercidos entre o Brasil e os mesmos pontos pelas empresas argentinas.

Nascia aí o exercício do tráfego acessório de uma forma que viria a ser denominada de 6ª liberdade, que nada mais é do que o tráfego de 5ª liberdade, porque este é exercido entre o País concedente e terceiros países – São Paulo para New York pela empresa argentina, enquanto a 6ª liberdade é praticada entre Buenos Aires e New York através do território do Brasil, pelas empresas brasileiras, apesar de a escala norte-americana não constar das rotas brasileiras.

Foi a re-descoberta do ovo de Colombo para uma situação inusitada à época.

As autoridades haviam estabelecido o princípio da complementaridade dos tráfegos nas relações entre os 2 países, cada um participando do seu tráfego próprio e do tráfego do outro País, para as mesmas escalas, fator considerado imprescindível para o bom relacionamento no campo do transporte aéreo, em virtude de as Rotas Alem, não poderem ser equilibradas.

Esse mesmo princípio foi sendo introduzido nos demais países do Cone Sul, chamado nos dias de hoje de países do MERCOSUL.

A partir da década de 70, o governo dos EUA buscou desregulamentar o transporte aéreo mundial, passando a perseguir uma política de Céus Abertos em caráter bilateral, nos moldes do que não havia conseguido em 1944 em caráter Multilateral.

A nova política foi direcionada pelo governo dos EUA, inicialmente para os países em áreas de maior interesse como a Europa e a Ásia, e perseguida em outros países à medida que novas negociações bilaterais fossem sendo realizadas, como foi o caso do Brasil durante a década de 80 quando das negociações para o Acordo que veio a ser firmado em 1988.

A política em questão só começou a trazer preocupações às autoridades aeronáuticas brasileiras quando passou a atingir a América Latina, uma das áreas mundiais que mais cresce na época atual, permitindo a substituição das antigas e decadentes PAN-AM e BRANIFF, que só participavam do tráfego internacional, pelas novas empresas AMERICAN AIRLINES, DELTA, CONTINENTAL e UNITED AIRLINES. A desregulamen-tação passou a permitir que as novas empresas, que só participavam do tráfego doméstico pudessem também operar no tráfego internacional.

E a preocupação atingiu seu ponto culminante quando o governo norte-americano, por não ter concluído um Acordo do tipo com o Brasil, voltou-se para a Argentina e conseguiu vender a idéia perseguida desde 1944.

As autoridades aeronáuticas da Argentina não desejavam o Acordo de Céus Abertos com os Estados Unidos da América, mas tiveram que se render às determinações do Presidente Menem, conforme ficou estabelecido no Memorando de Consultas assinado pelos dois países em 12 de agosto de 1999:

"As delegações expressaram suas satisfações por terem cumprido (o grifo é nosso) com as instruções de seus Presidentes e negociado acordos dignos da amizade e do respeito autênticos que existem entre a Argentina e os Estados Unidos da América".

Paralelamente, a empresa INTERINVEST, "holder" espanhola que detém cerca de 80% da Aerolíneas Argentinas, cedeu 8.33% à empresa norte-americana American Airlines, que passou a administrar a parte operacional da empresa argentina.

Nada do que foi exposto teria maior importância, face a soberania dos países, se as medidas não viessem conturbar o Atlântico Sul, afetando o equilíbrio das concessões no relacionamento aerocomercial

Brasil/Argentina através do Acordo bilateral sobre Transportes Aéreos Regulares de 1948 e as modificações introduzidas em Consultas Aeronáuticas.

A cooperação entre as empresas argentina, espanhola e norte-americana afetará de forma imprevisível não só o relacionamento Brasil/Argentina, como também todo o MERCOSUL, mercado de interesse vital para o governo do Brasil e seus parceiros sul-americanos, inclusive os países associados Chile e Bolívia.

Não se deve esquecer que a American Airlines é uma das maiores empresas do mundo - como o foi a Pan American durante o período da 2ª guerra - e poderá ajudar os EUA não no campo bélico como aquela o fez, mas no campo econômico em busca do fortalecimento do Grupo ALCA, com prejuízo do MERCOSUL.

Além do mais, a situação afeta o próprio Acordo Aéreo Brasil/Argentina, apesar de a comunidade mundial não mais levar em conta o dispositivo nos dias de hoje, quando diz em seu Artigo 6:

"As Partes Contratantes reservam-se a faculdade de negar uma licença de funcionamento a uma empresa aérea designada pela outra Parte Contratante ou de revogar tal licença, quando não julgarem suficientemente caracterizado que uma parte substancial da propriedade e o controle efetivo da referida empresa estejam em mãos de nacionais da outra Parte Contratante ou em casos de inobservância, por essa empresa aérea, das leis e regulamentos, ou das condições sob as quais os direitos foram concedidos em conformidade com este Acordo e seu Anexo."

A situação das empresas brasileiras no mercado Brasil/Argentina, com reflexos nos demais mercados do Cone Sul, tenderá a decrescer, porque as empresas Aerolíneas Argentinas, Austral, Ibéria e American Airlines operando em estreita colaboração, dificultarão sem dúvida a participação brasileira não só no tráfego fundamental Brasil/Argentina, como também no tráfego acessório de 6ª liberdade, entre a Argentina e os EUA e a Europa.

Resumindo:

  1. as empresas Aerolíneas Argentinas, Austral, Iberia e American Airlines poderão operar no segmento Brasil/Argentina;
  2. as empresas Iberia e American Airlines poderão operar no tráfego Brasil/Europa e Brasil/EUA, respectivamente. As demais empresas norte-americanas e européias poderão participar desse tráfego em seus respectivos segmentos.
  3. Essas operações farão com que a Aerolineas Argentinas prescinda de operar diretamente do Brasil para a Europa e para os Estados Unidos, afetando o equilíbrio existente no Acordo Brasil/Argentina em vigor.

  4. As empresas Aerolineas Argentinas e Iberia ampliarão as participações nos serviços diretos entre a Argentina e a Europa; essa participação não poderá ser feita pelas empresas brasileiras, mas poderá ser exercida pelas demais empresas européias.
  5. As empresas Aerolineas Argentinas e American Airlines ampliarão as participações entre a Argentina e os EUA, participação que não poderá ser feita pelas empresas brasileiras, mas que poderá ser exercida pelas demais empresas norte-americanas.

A nova situação – Acordo Argentina/USA e as associações da American Airlines, Iberia e Aerolineas Argentinas – dificultará não só as atuais relações entre o Brasil e a Argentina como também a negociação de um novo e atualizado Acordo Aéreo entre os dois países que pudesse dar condições às empresas brasileiras, dentro de um novo quadro, de participarem do mercado argentino, com a competente reciprocidade às empresas argentinas no mercado brasileiro.

Os reflexos nos demais países do Cone Sul poderão vir a ser ampliados com a criação do HUB de Buenos Aires, para utilização pelos passageiros e carga aérea desses demais países, em prejuízo do HUB de São Paulo já existente para esse mesmo fim.

Além do mais, as autoridades argentinas poderão preferir modificar as bases do atual Acordo sobre Transportes Aéreos Regulares com o Brasil, visando a atual realidade argentina e não mais a realidade de 1948, porque as suas empresas de bandeira poderão deixar de participar do tráfego acessório no Brasil, considerando que a Iberia e a American Airlines poderão continuar a fazê-lo, como tráfego fundamental, respectivamente para a Europa e para os EUA.

O atual Acordo em vigor entre os dois países é totalmente obsoleto. A última Consulta Aeronáutica formal foi realizada em 1990, início de uma década em que sensíveis e novos princípios foram sendo usados em prol do desenvolvimento do transporte aéreo.

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