Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS SOBRE AERONAVES:
A PROPOSTA DA UNIDROIT E A REALIDADE BRASILEIRA
(1)

TERENA PENTEADO RODRIGUES
Advogada formada pela USP, LL.M. Georgetown University Law Center.
Associada internacional no escritório de Wilmer, Cutler & Pickering,
Washington, D.C., EUA.

A frota aeronáutica está crescendo rapidamente em todo mundo e, com ela cresce a necessidade por formas mais variadas e complexas de financiamento. O alto valor dos equipamentos aeronáuticos e a necessidade de incorporação de novas tecnologias faz dos mecanismos de financiamento uma necessidade para companhias aéreas e particulares. O crescimento na aquisição de aeronaves em todo mundo vem sendo reportado pela indústria aeronáutica. (2) A disponibilidade de financiamento para um determinado país está diretamente relacionada ao grau de efetividade das leis que governam a proteção de credores (3).    Dessa forma, como e em que condições recursos financeiros estarão disponíveis têm um impacto direto no grau de desenvolvimento do setor aeronáutico em diferentes países.

O inerente caráter internacional da atividade aeronáutica e as diferenças entre os sistemas jurídicos aumenta a necessidade de um tratamento mais efetivo que garanta a proteção dos direitos em equipamentos aeronáuticos qualquer seja a sua localização, seu registro, ou a nacionalidade das partes envolvidas. A habilidade da Convenção de Genebra de 1948 sobre Reconhecimento de Direitos em Aeronaves ("Convenção de Genebra") de acompanhar o desenvolvimento de novas técnicas de financiamento está sendo amplamente discutida. A Convenção da UNIDROIT sobre Interesses Internacionais em Equipamentos Móveis e o Protocolo de Aeronaves foram elaborados para lidar com essas questões através do estabelecimento de um conjunto de regras públicas e privadas a serem internacionalmente aplicadas.

O presente artigo analisa alguns dos aspectos mais relevantes da Convenção/Protocolo em relação às leis aplicáveis no Brasil (4). Considerando que o sistema legal brasileiro oferece proteção aos credores, bem como um sistema efetivo de registro de equipamento aeronáutico, este artigo procura analisar a validade da Convenção/Protocolo sob a ótica jurídica brasileira.

I. EM DIREÇÃO A UM NOVO SISTEMA INTERNACIONAL: O PROJETO DA UNIDROIT

O Governo Canadense em 1988 introduziu inicialmente a proposta, mas somente em 1993 foi estabelecido um grupo de estudos pela UNIDROIT. O Grupo de Trabalho da Aviação ("Aviation Working Group, AWG"), liderado pela Airbus e Boeing, tem sido extremamente ativo na promoção dos potenciais benefícios da Convenção/Protocolo. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) e o AWG formam o Grupo do Protocolo de Aeronaves ("Aircraft Protocol Group, APG"), cujo trabalho intensivo resultou na minuta do Protocolo de Aeronaves em janeiro de 1998.

Por serem bens em constante movimento em mais de uma jurisdição, não pareceu aos percursores do projeto ser adequado aplicar o princípio da lex rei sitae à aeronaves, mesmo porque alguns sistemas legais não reconhecem a existência de direitos não-possessórios. A existência de um regime legal eficiente e claro tem relação direta com a disponibilidade de capital nos diferentes mercados. Nesse contexto, os redatores da Convenção procuraram criar um regime jurídico internacional capaz de atender às exigências atuais para financiamento de bens, modernizando as práticas e leis e completando os espaços vazios de alguns sistemas jurídicos.

A Convenção abrange diferentes tipos de equipamentos móveis que são unicamente identificáveis. A proposta inicial inclui aeronaves, turbinas, helicópteros, plataformas petrolíferas, contâineres, estradas de ferro e propriedade espacial. Entretanto, essa descrição não é restritiva e outras categorias de equipamentos poderão ser posteriormente incluídas (5).

O objetivo do Protocolo de Aeronaves é promover a facilitação do financiamento internacional de bens através da criação de uma série de regras que visam garantir a proteção de direitos em aeronaves, turbinas e helicópteros ("aeronaves"). Indo além dos seus predecessores, o projeto contempla a criação de um sistema de registro internacional de aeronaves que facilitaria a proteção de direitos.

A Convenção/Protocolo passou por inúmeras modificações e ainda existem vários artigos em discussão. No começo de Setembro realizou-se em Montreal uma reunião intergovernamental patrocinada pela ICAO e pela Unidroit. Um dos principais resultados dessa reunião foi a formação de diferentes grupos de estudos para discussão de elementos específicos da Convenção/Protocolo. Espera-se, ao adotar essa estratégia que as questões mais complexas possam ser discutidas separadamente e, assim, acelerar o processo de aprovação do texto final.

A proposta da UNIDROIT foi estruturada em protocolos distintos, cada qual relacionado a uma certa categoria de equipamento móvel, mas sujeitos ao documento principal – a Convenção. Esse formato foi escolhido pois, apesar do documento principal tratar das questões em comum, existem várias peculiaridades de cada tipo de equipamento que precisam ser endereçadas individualmente. Questões como deregistro, por exemplo, estão normalmente presentes em contratos de aeronaves. Exatamente essa combinação de questões comuns e questões particulares a serem reguladas justifica o uso de uma estrutura mais complexa. Aumenta-se assim a possibilidade de que as demandas específicas de cada setor sejam atendidas ao mesmo tempo em que a sistema legal aplicável é modernizado. (6).

De acordo com seus interesses, os países poderão optar pela adoção do protocolo de apenas certos equipamentos, bem como novas categorias poderão ser futuramente abrangidas. A Convenção entra em vigor no momento em que um determinado protocolo produz efeitos e apenas entre os países que são signatários desse protocolo (7). Na aplicação e interpretação, entretanto, tanto a Convenção, quanto o respectivo protocolo deverão ser lidos e interpretados como um único documento (8).

II. ANÁLISE DE CERTOS ASPECTOS DO PROTOCOLO

Inúmeras questões serão apresentadas aos países que pretendem examinar a utilidade e viabilidade do projeto da UNIDROIT. Questões de ordem pública e análise dos potenciais benefícios de uma legislação mais liberal entram em discussão. Independentemente das questões que sejam tomadas em consideração, alguns autores apontam que trata-se de uma decisão basicamente econômica (9). Em razão dessas considerações internas, a Convenção prevê, aparte dos artigos mandatórios, um número de disposições que poderão ser ou não adotadas a critério dos signatários (10). Nesse contexto, as opções a serem feitas poderão causar diferentes resultados para os signatários.

 

1. Aplicabilidade da Convenção: A Criação do "International Interest"

A Convenção aplica-se à criação e aos efeitos de interesses internacionais em equipamentos móveis, i.e., direitos sobre certas categorias de objetos unicamente identificáveis (11). A exclusividade desse conceito é explicada pela sua autonomia e independência em relação às leis nacionais (12). Essa característica assegura que os tribunais dos países signatários irão reconhecer e executar os direitos criados de acordo com os termos da Convenção/Protocolo, independentemente da sua existência no direito doméstico.

Interesses internacionais são identificados no projeto em três categorias dependendo do contrato que os originou: garantias ("security agreement"), acordos com reserva de domínio ou contratos de arrendamento. Algumas provisões da Convenção/Protocolo também aplicam-se aos contratos de venda (13). A Convenção/Protocolo abrangerá transações quando o devedor/arrendatário estiver situado em algum dos Estados Contratantes ou a aeronave sobre a qual incida um interesse internacional estiver inscrita no registro local de um dos signatários (14).

A aplicabilidade da Convenção/Protocolo às transações puramente domésticas ("purely domestic transaction") (15) ainda não foi determinada, uma vez que está pendente a própria definição do termo. De acordo com a Convenção, os signatários poderão declarar a sua preferência por não aplicar os seus termos às transações puramente domésticas. Entretanto, a avaliação deste artigo continuará pendente enquanto não houver acordo sobre a definição e a possibilidade ou não de se excluir da esfera da Convenção transações cujos efeitos são meramente internos.

2. Declaração de Direitos Não Consensuais

Os Estados Contratantes poderão declarar os direitos não consensuais, i.e., direitos criados pela lei local que gozam de preferência sobre outros (16). A Convenção prevê duas possibilidades, nos Artigos 39 e 40, caso ou não esses direitos já possuam preferência de acordo com as leis locais.

Direitos não-consensuais que já gozam de prioridade de acordo com a lei local deverão constar da declaração feita pelos signatários no Registro Internacional a fim de garantir a prioridade outorgada pela lei interna sobre interesses internacionais. Direitos que não gozam de preferência interna poderão ser declarados como tais pelo país signatário no Registro Internacional. Dessa forma, o mesmo tratamento prioritário outorgado aos direitos registrados nos termos da Convenção/Protocolo será oferecido aos direitos já assim considerados internamente. As declarações de cada Estado Contratante serão mantidas junto ao Registro Internacional e abertas à consulta pública (17). O países signatários poderão garantir a ordem de preferência creditícia conforme lhes seja mais conveniente, bem como terão os credores estrangeiros maior habilidade de avaliar sua posição de risco em relação a outros direitos.

3. O Sistema de Registro Internacional

Contratos sobre interesses internacionais deverão conter as seguintes exigências para poderem ser inscritos no Registro Internacional: identificação do objeto nos termos do respectivo protocolo (no caso das aeronaves a identificação ocorre pelo número de série do fabricante), forma escrita, capacidade das partes e, sendo um acordo de garantia, as obrigações garantidas deverão ser especificadas. Direitos não consensuais previamente declarados pelos Estados Contratantes também poderão ser inscritos no Registro Internacional.

A função primordial do Registro Internacional é dar notícia pública da existência de direitos sobre determinada aeronave e estabelecer prioridade sobre direitos não registrados ou posteriormente registrados (18). Assim, observadas as prioridades declaradas pelos países signatários (19), o critério de preferência será baseado na ordem de registro.

De forma inovadora, a Convenção prevê que futuros direitos, cessões e vendas de aeronaves possam ser registrados como interesses potenciais (20). Através desse mecanismo, transações poderão ser estruturadas de forma mais flexível e adequada. A conversão do registro de interesses potenciais em interesses internacionais se efetivará de acordo com os termos da Convenção (21).

O registro de um interesse internacional será considerado efetivo no momento em que a informação tornar-se disponível no sistema de busca do Registro Internacional (22). O critério principal de busca, no caso de aeronaves, será o número de série do fabricante. A prioridade de interesses anteriormente registrados como interesses potenciais continuará protegida, pois sua ordem de preferência surte efeitos da data de inscrição inicial (23).

O certificado emitido pelo Registro Internacional é evidência prima facie da validade e eficácia dos direitos nele inscritos (24). Contudo, ainda que proponha um complexo sistema de registro, a Convenção não exige que as partes interessadas inscrevam os contratos no Registro Internacional (25), ao contrário do que vigora no sistema brasileiro (26). Apesar de opcional é mais provável que as partes interessadas busquem assegurar seus direitos e prioridades através do registro. De outra forma, mesmo que estivesse assegurada a caracterização como interesse internacional, não haveria garantia de execução visto que direitos não registrados perdem na ordem de preferência para aqueles inscritos no Registro Internacional (27).

A regulamentação e operação do Registro Internacional continua em discussão (28). Basicamente duas diferentes alternativas estão em análise caso a operação, controle e regulamentação sejam conduzidos por uma só entidade ou separadamente: sistema unitário ou sistema binário. Caso o sistema binário seja adotado discute-se, ainda, se o Conselho da ICAO ou outra organização, deveria atuar como Regulador Internacional e uma afiliada da IATA atuaria como o Registro.

Outro importante aspecto ainda sem definição é o relacionamento entre os registros domésticos e o Registro Internacional. Nos termos da Convenção, os Estados Contratantes poderão designar os respectivos operadores locais que funcionarão como "intermediários das informações exigidas para o registro" (29). A intenção é que os operadores locais transmitam ao Registro Internacional, em caráter de exclusividade, as informações sobre direitos inscritos. Desse modo as partes interessadas deverão inscrever seus direitos no registro doméstico a fim de efetivar a inscrição no Registro Internacional (30).

3. Opções nos Casos de Inadimplemento e Falência: Exportando a Lei Norte-Americana

Os remédios disponíveis aos credores na Convenção/Protocolo foram estruturados de acordo com o "U.S. Uniform Commercial Code", considerado por muitos como claro e efetivo na proteção de direitos. Contudo, como apontado por alguns autores, esse "toque imperialístico" (31), poderá gerar resistências de outros países, especialmente aqueles de tradição civilista.

O texto da Convenção/Protocolo relaciona uma série de remédios em situações de inadimplemento, os quais poderão ser modificados ou derrogados pelas partes por escrito (32). As partes contratantes teriam assim maior liberdade na adequação da Convenção/Protocolo aos seus interesses (33).

No caso de garantias, o credor poderá exercer uma ou mais das seguintes opções em relação à aeronave (34): tomar posse ou controle (35), vender ou arrendar e recolher quaisquer rendas ou lucros oriundos do uso da aeronave. No caso de arrendamentos e vendas com reserva de domínio, o credor poderá terminar o contrato e tomar posse ou controle da aeronave.

Objetivando uma atuação mais rápida e eficaz no exercício desses direitos, a Convenção/Protocolo não requer prévia autorização judicial (36). Credores estrangeiros geralmente reclamam sobre a dificuldade em se executar direitos em certas jurisdições, seja por não serem os seus direitos reconhecidos pela lei local ou pela demora e ineficiência do sistema judicial. Não resta dúvida de que se trata de uma das principais decisões a ser tomada pelos potenciais signatários da Convenção/Protocolo. A lei Brasileira é clara na exigência de prévia autorização judicial para reintegração de bens. Os artigos 9 (d) e 11, contudo, não serão opcionais dependendo da jurisdição em que sejam exercidos. De acordo com a lei Brasileira atual seria necessária uma declaração nos termos do artigo IX (3) da Convenção por ser o exercício de tais remédios, sem prévia autorização judicial, uma ofensa às normas de direito cogente.

No exercício de seus direitos o credor está sujeito à prévia autorização do detentor de qualquer direito que lhe tenha preferência, observando a ordem pública e agindo de maneira comercialmente razoável ("commercially reasonable manner"). As partes poderão definir contratualmente os termos do que seja "comercialmente razoável" e, desde que não seja contrário à ordem pública, tal definição não estará sujeita à futura interpretação pelos tribunais (37). Interrupção do serviço de transporte aéreo foi indicada como não sendo uma contravenção da ordem pública (38). Nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, entretanto, interrupção de serviços regulares de transporte não é permitida nessas circunstâncias (39). Esse entendimento encontra-se em acordo com a Convenção de Roma (40) que proíbe a interdição cautelar de aeronaves utilizadas em linhas regulares de transporte público. Países que pretendam seguir o entendimento dado pela Convenção de Roma poderão fazer uso do mecanismo de exceção previsto no artigo Y(2) da Convenção (41).

O credor poderá, adicionalmente, obter o deregistro e exportação da aeronave nos termos do Protocolo (42). De acordo com o artigo XIII do Protocolo uma autorização irrevogável para deregistro e exportação da aeronave deverá ser arquivada junto à autoridade local de registro. O Protocolo fornece, ainda, um modelo a ser seguido substancialmente (43), o que sugere poderem as partes modificar os termos gerais da autorização de deregistro. Nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, entretanto, o certificado de deregistro somente é emitido após a comprovação, entre outras coisas, de que não existem ônus ou taxas aeroportuárias pendentes sobre a aeronave (44). Além disso, a prática mostra que o Registro Aeronáutico Brasileiro exige a obtenção de prévia autorização judicial antes de permitir o cancelamento da matrícula brasileira.

Os Estados Contratantes também assumirão o compromisso de que seus tribunais irão assegurar o rápido exercício de direitos. Nesses termos, os remédios previstos no Artigo 15 (1) da Convenção (45) deverão ser disponibilizados ao credor em não mais do que trinta dias do início dos procedimentos judiciais. Mais ainda, o registro local e as autoridades administrativas deverão, dentro de três dias da ordem judicial, promover o deregistro e exportação da aeronave.

Interesses internacionais não somente têm prioridade sobre interesses posteriormente registrados, mas são também válidos no caso de falência do devedor (46). A cessão de direitos também será reconhecida, desde que a mesma tenha sido inscrita no Registro Internacional antes da declaração de falência (47).

O Artigo XI do Protocolo trata de insolvência e é aplicável quando esse procedimento tenha sido iniciado a pedido de terceiros ou iniciado pelo próprio devedor caso o Estado Contratante seja a jurisdição primária de insolvência (48). Outra possibilidade ocorre se o devedor situado no Estado Contratante declara sua intenção, ou suspende, os pagamentos aos credores. Entretanto, a definição de procedimentos de insolvência ("insolvency proceedings") ainda deverá ser determinada nas reuniões futuras. A partir da data de declaração de insolvência o devedor terá um período (49) para purgar a mora e continuar a performance do contrato, ou para retornar a aeronave ao credor. Após o credor ter sido reintegrado na posse do bem, o registro local e as autoridades administrativas terão três dias para promover o deregistro e exportação da aeronave (50).

As partes poderão contratualmente determinar outras disposições, ou mesmo derrogar os Artigos XI (1) a (6). (51) Por terem os Estados Contratantes a opção de declarar que direitos não consensuais têm prioridade nenhum outro direito terá preferência sobre direitos regularmente registrados (52).

III. UM NOVO CENÁRIO PARA FINANCIAMENTO DE AERONAVES NO BRASIL

A Convenção/Protocolo propõe uma solução inovadora aos sistemas legais envolvidos em transações internacionais sofisticadas. A demanda por equipamento aeronáutico irá crescer nos próximos anos, assim como a variedade de operações e a necessidade de financiamento. Nesse cenário, países que não contam com um sistema jurídico confiável e eficiente terão dificuldades em atrair o capital necessário à modernização de seu setor aeronáutico.

A princípio o sistema legal Brasileiro não deve ser apontado como um obstáculo à atração de capitais para o setor aeronáutico. O Brasil tem mantido através dos anos o interesse de investidores estrangeiros e o sistema jurídico tem sido capaz de oferecer proteção jurídica adequada àqueles que buscam a execução de seus direitos. Não parece que a legislação seja o principal obstáculo, mas sim a instabilidade econômica e monetária, bem como as inúmera e constantes mudanças na políticas de comércio exterior. Exemplo claro e recente dessa sistemática foi a desvalorização do Real que obrigou inúmeros arrendatários/compradores, surpreendidos por novos e altos índices de conversão da moeda, a reestruturar seus esquemas de pagamento quando não mesmo a simplesmente retornar as aeronaves ao proprietários.

Entretanto, questões de ordem econômica e políticas internas estão (como não poderia deixar de ser) além da abrangência desse projeto. Os incentivadores da UNIDROIT propagam a adoção de um regime internacional como a solução para problemas de investimentos e disponibilidade de capitais. Parcial, mas não inteiramente correto especialmente quando se trata de países que já oferecem um sistema de proteção aos credores.

Na perspectiva Brasileira, ainda assim, o exame detalhado das intenções e potenciais benefícios da Convenção/Protocolo é de extrema relevância por ser o Brasil não só um país consumidor de equipamentos aeronáuticos, mas também um fabricante de sucesso mundial. A adoção de um regime internacional poderá não somente facilitar o acesso local aos capitais externos, como também beneficiar a indústria aeronáutica interna caso haja necessidade de assegurar o exercício de direitos em diferentes países.

Contudo, as mudanças necessárias à implementação da Convenção/Protocolo devem ser medidas de acordo com o que o sistema legal Brasileiro oferece. A opção mais razoável parece ser a utilização dos mecanismos de exceção previstos no projeto. Preservando os elementos do sistema jurídico fundados em questões de ordem pública, e incorporando as inovações pretendidas contidas no projeto, o Brasil poderá atingir melhores resultados com a adoção da Convenção/Protocolo. O potencial da indústria aeronáutica e do mercado Brasileiro, como fabricante e consumidor, leva ao questionamento de como atrair investimentos externos sem prejudicar o equilíbrio esperado de um sistema jurídico.

O projeto da UNIDROIT representa um avanço, mas seu sucesso depende do número de países signatários e da forma como esses países irão exercer os mecanismos de exceção da Convenção/Protocolo. De outro modo, a indústria aeronáutica continuará a ser regulada por uma convenção redigida há cinquenta anos atrás.

Notas:

  1. A versão integral do presente artigo será publicada na próxima edição do "Journal of Air Law and Commerce" (Vol 65/2, Apr 2000).   (Volta ao texto)
  2. Nos próximos vinte anos Airbus Industrie e Boeing Company estimam uma entrega total de 30,650 aeronaves. Airbus Industrie, "1998 Global Forecast", <http:www.Airbus.com.htm>; The Boeing Company, "1998 Current Market Outlook", <http:www.Boeing.com/cmo.htm>.   (Volta ao texto)
  3. Anthony Saunders & Ingo Walter, "Proposed Unidroit Convenção on International Interests in Mobile Equipment as applicable to Aircraft Equipment through the Aircraft Equipment Protocolo: Economic Impact Assessment". (1998)  (Volta ao texto)
  4. O presente artigo baseia-se nos seguintes textos: "Preliminary Draft UNIDROIT Convention on International Interests in Mobile Equipment" (UNIDROIT 1998, Study LXXII – Doc. 42) ("Convenção") e "Preliminary Draft Protocol to the Preliminary Draft UNIDROIT Convention on International Interests in Mobile Equipment on Matters Specific to Aircraft Equipment" (UNIDROIT 1998, Study LXXIID – Doc. 3) ("Protocolo de Aeronaves" ou "Protocolo"). Referência a ambos documentos neste artigo será feita como Convenção/Protocolo   (Volta ao texto)
  5. Artigo 3 (i), Convenção.   (Volta ao texto)
  6. Jeffrey Wool, "The Next Generation of International Aviation Finance Law: An Overview of the Proposed Unidroit Convenção on International Interests in Mobile Equipment as Applied to Aircraft Equipment", XXIII Air and Space Law (1998).    (Volta ao texto)
  7. Artigo U (1)(a), (b), Convenção.   (Volta ao texto)
  8. Article U (2), Convenção.   (Volta ao texto)
  9. J. Wool supra 6.  (Volta ao texto)
  10. Arts. V, Y, Z, Convenção; art. XXX, Protocolo.   (Volta ao texto)
  11. Arts. 1, 2, 3, Convenção. Não parece existir no sistema jurídico brasileiro um correspondente adequado para "international interest", conforme anteriormente apontado por José M. V. Rocha. Para efeitos deste artigo o termo "interesse internacional" será utilizado.  (Volta ao texto)
  12. J. Wool, supra 6.   (Volta ao texto)
  13. Art. 41, Convenção. De acordo com o artigo IV do Protocolo os seguintes artigos da Convenção aplicam-se a contratos de venda: arts. 16(1) exceto parágrafo (c), 18-20, 23, 25, 27, Capítulo VII e art. 40.  (Volta ao texto)
  14. Art. 4, Convenção, conforme modificado pelo Artigo III (1) do Protocolo.  (Volta ao texto)
  15. Art. V, Convenção; art. III, 2, Protocolo.  (Volta ao texto)
  16. Arts. 39 e 40 da Convenção ainda são considerados provisórios.   (Volta ao texto)
  17. Art. 24, Convenção.  (Volta ao texto)
  18. Art. 28, Convenção.  (Volta ao texto)
  19. Arts. 24, 39, 40, Convenção.   (Volta ao texto)
  20. Arts. 1, 16, Convenção.  (Volta ao texto)
  21. Art. 18, Convenção; J. Wool supra 6.  (Volta ao texto)
  22. Art. 20(1)-(2), Convenção.  (Volta ao texto)
  23. Art. 20 (3)-(4), Protocolo.  (Volta ao texto)
  24. Art. 25, Convenção.  (Volta ao texto)
  25. Art. 21(1), Convenção  (Volta ao texto)
  26. Art. 74 (II) (a), Código Brasileiro de Aeronáutica.  (Volta ao texto)
  27. Art. IX (2), Protocolo.  (Volta ao texto)
  28. Art. XVI, Protocolo.  (Volta ao texto)
  29. Art 17(2), Convenção.  (Volta ao texto)
  30. Art. XVIII (1), (2), Protocolo.  (Volta ao texto)
  31. Berend J.H. Crans, "The Unidroit Convention on International Interests in Mobile Equipment and the Aircraft Equipment Protocol: Some Critical Observations", XXIII Air and Space Law (1998), págs. 280-281  (Volta ao texto)
  32. Existem, entretanto, certas provisões que não podem ser modificadas pelas partes. Arts. 9(2)-(6), 10(2) e (3), 13(1), 14, Convenção.  (Volta ao texto)
  33. Art. 6, Convenção.  (Volta ao texto)
  34. Art. 9, Convenção.   (Volta ao texto)
  35. Apesar de não haver diferenciação na Convenção ou no Protocolo, em virtude das peculiariedades de cada categoria de equipamento "tomar posse" aplica-se à aeronaves e "tomar controle" à propriedade espacial. De qualquer modo seria aconselhável a exclusão de "controle" do Protocolo. Sobre os efeitos da Convenção sobre propriedade espacial ver P. B. Larsen & J.A. Heilbock, "Unidroit Project on Security Interests: How the Project Affects Space Objects", 64 J. Air L. & Com., at 136 (1999).  (Volta ao texto)
  36. Se o credor optar por exercer quaisquer dos remédios previstos na Convenção sem autorização judicial prévia, as partes interessadas deverão ser notificadas, no mínimo, dez dias anteriores a proposta venda ou arrendamento, exceto caso as partes tenham estabelecido um período maior. A Convenção de Genebra estabelece uma notificação mínima de seis semanas (art. VII, 2, a).  (Volta ao texto)
  37. Art. IX(3)(a) do Protocolo.  (Volta ao texto)
  38. Art. IX(3)(b)(3), Protocolo.  (Volta ao texto)
  39. Art. 155, §1º, Código Brasileiro de Aeronáutica.   (Volta ao texto)
  40. Convenção para Unificação de Certas Regras Relativas ao Arresto Cautelar de Aeronaves ("Convenção de Roma") ratificada pelo Brazil em 19 de agosto de 1938. Decreto Nº 52.014/1963.  (Volta ao texto)
  41. Em virtude do art. XXIII do Protocolo, a não ser que declarado pelo Estado Contratante de outra forma, a Convenção/Protocolo revoga os termos da Convenção de Roma.  (Volta ao texto)
  42. Art. IX, Protocolo.  (Volta ao texto)
  43. Art. XIII (1), Protocolo.  (Volta ao texto)
  44. Art. 112, Código Brasileiro de Aeronáutica.  (Volta ao texto)
  45. Os remédios são: preservação da aeronave e de seu valor; posse, controle, custódia ou operação; venda ou arrendamento; utilização da renda gerada pela operação da aeronave; imobilização da aeronave.   (Volta ao texto)
  46. Art. 29, Convenção.  (Volta ao texto)
  47. Art. 37, Convenção.  (Volta ao texto)
  48. "Jurisdição primária de insolvência" ("primary insolvency jurisdiction") é inspirado no conceito da Convenção da União Européia sobre Procedimentos de Insolvência. "Second Memorandum by Airbus Industrie and Boeing Company", UNIDROIT 1996, Study LXXII – Doc. 23, pág. 26.   (Volta ao texto)
  49. Ainda não foi determinado se esse período deverá ser de trinta ou sessenta dias. Artigo XI (3), Protocolo.  (Volta ao texto)
  50. Arts. XI (4) e IX (1), Protocolo.  (Volta ao texto)
  51. Art. III (3), Protocolo.  (Volta ao texto)
  52. Art. XI (7), Protocolo.  (Volta ao texto)

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