Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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OS JUIZADOS ESPECIAIS E O DIREITO AEROESPACIAL

Luis Felipe Salomão
Juiz de Direito, Professor da Escola da Magistratura
e da Faculdade Bennett, Secretário Geral da
Associação dos Magistrados Brasileiros

1 - Visão geral sobre o tema do acesso à Justiça

O período atual é de intensas mudanças. Sopram os ventos da reforma em todos os Poderes da República. Nesse exato momento, o Judiciário é o Poder que mais está em voga, por vários motivos.

A partir da Constituição de 1988, quando se redemocratizou o país, é que o Judiciário começou a ser descoberto pela maioria da população brasileira. Essa explosão de demandas judiciais, conduto de cidadania, teve reflexo imediato: a crise do Poder Judiciário. Os fatores que levaram a essa crise são múltiplos e de variadas facetas. Descabe, nesse contexto, o exame minudente de cada um deles.

Mas os números gritam por si: Em 1988, foram ajuizadas perto de 350 mil ações em todos os segmentos da Justiça. Em 1997, deram entrada cerca de oito milhões e meio de feitos, sendo julgados aproximadamente 80% desse total.

Nesses nove anos, enquanto o número de processos ajuizados multiplicou-se em 25 vezes, o número de Juizes apenas dobrou. Existia 4.900 Juizes em 1988 e aproximadamente 10.000 em 1997.

No Brasil de hoje há um Juiz para cada 26.000 habitantes, enquanto que na Alemanha a proporção Juizes/habitantes é de um para cada 3.000.

Ainda assim, na Alemanha uma causa de 6.800 dólares custa para ser ajuizada 3.400 dólares (metade do valor da controvérsia). E demora, em média, dois anos para uma solução definitiva. Na Espanha, uma causa pode demorar até cinco anos e três meses para uma decisão final da Corte de Cassação (Dados obtidos a partir da obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à Justiça, 1988).

No Brasil não são conhecidas estatísticas atualizadas a respeito do tema, mas existe interessante trabalho coordenado pelos professores e Desembargadores JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA E FELIPPE AUGUSTO DE MIRANDA ROSA, intitulado sugestivamente "Duração dos Processos: Discurso e Realidade – Projeto de auto-análise do Poder Judiciário", publicado no Diário Oficial – RJ de 20/11/90 (parte III), onde se constata que, em média, 62% dos processos foram resolvidos, em definitivo, no prazo de dois anos.

Na verdade, essa explosão de demandas é uma medalha de duas faces. Se, por um lado, é verdade que nunca o Judiciário teve tanta visibilidade para a população, por outro, também é verdade que a qualidade dos serviços prestados caiu muito, seja por falta de estrutura material, de pessoal ou, até mesmo, por falta de estímulo daqueles que integram o poder.

O renomado processualista Eduardo Couture relembra a passagem em que foi procurar um pesquisador seu amigo, que estava com os olhos presos ao microscópio. Somente depois de cerca de duas horas é que o pesquisador pôde atender o processualista. Ele se desculpou dizendo que quando se examina algo no microscópio, somente depois de muito tempo se consegue observar alguma coisa.

Com relação ao tema do acesso à Justiça, a lição tem aplicação prática. Somente depois de cuidadoso exame, com a evolução dos fatos e das estatísticas, poderemos retirar algumas conclusões.

Acesso à Justiça , e não mero acesso ao Poder Judiciário implica na garantia de acesso ao justo processo, sem entraves e delongas, enfim, garantia de acesso a uma máquina apta a proporcionar resolução do conflito trazido, com rapidez e segurança.

A temática do acesso à Justiça vem preocupando os juristas, especialmente os processualistas, ao longo dos tempos.

Nesse particular, os primorosos estudos de MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH trouxeram muitas contribuições para minimizar o grave problema mencionado.

Nos estados liberais burgueses, nos séculos XVIII e XIX, prevalecia a filosofia individualista dos direitos. Era reflexo da política pública dominante, o "laissez faire", onde o acesso à Justiça era um direito natural do cidadão, e o Estado não podia e nem devia intervir.

Com a transformação social, emergente a sociedade de massa, notadamente a partir da Revolução Industrial, deixando o individual e passando a preocupar-se com o coletivo, mudou-se radicalmente de postura para o tema.

Garantia efetiva de acesso à Justiça passou a ser considerado, como ainda hoje, requisito básico e fundamental dos direitos do homem, sendo assim tratado o problema, inclusive em sede constitucional.

Constatou-se, então, a necessidade de garantia de acesso à justiça, como direito social fundamental, buscando-se soluções para o problema.

Investiu-se na questão da assistência judiciária para os pobres, com auxílio jurídico para aqueles que ficavam antes privados desse tipo de serviço. Seja com advogados remunerados pelos cofres públicos, seja com profissionais apenas contratados para prestação de tal ou qual serviço (sistema "judicare"), seja também com a criação de escritórios jurídicos de bairros, a sociedade ocidental atacou uma parte do problema do acesso à justiça.

O número de advogados e funcionários, todavia, nunca foi suficiente para fazer frente à demanda, necessitando-se sempre do apoio governamental (mutável, ao sabor da política do momento); de outro lado, as pequenas causa, individuais ou coletivas, ficavam fora do alcance da solução empregada, por motivos atinentes ao próprio Poder Judiciário (processos custosos e demorados).

Percebeu-se que não era o suficiente.

Com o surgimento das "class actions" do direito americano, outro enfoque foi dado no tratamento dos interesses coletivos e difusos.

Um litigante, preenchendo determinados requisitos da lei, representava toda uma classe em Juizo, com economia de custo, tempo e garantia de acesso para todos os integrantes da "classe".

Em todo o mundo os legisladores se preocuparam, a partir de então, com as ações coletivas, que desenganadamente resolviam parte grave do problema do acesso de todos à Justiça.

Entre nós, a Lei da Ação Popular (nº 4.717/65), a Lei nº 7.347/85 (que trata da ação civil pública) e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) são exemplos reais de tal preocupação.

Mas ainda o problema não está resolvido.

Lobriga-se uma "...concepção ampla de acesso à Justiça", no dizer de CAPPELLETTI, englobando, sem dúvida, as outras medidas já antes adotadas.

Elas, sozinhas, não possuem o condão de resolver a grave questão da democratização do acesso à Justiça.

O Direito passou a ser visto menos do ponto de vista de quem o produz e, mais precipuamente, pelo ângulo de quem o consome.

A ciência processual evoluiu, mas a estrutura judiciária não acompanhou tal evolução.

O Poder Judiciário sofre de uma inadequação total para enfrentar os graves problemas que lhes são trazidos, com organização defasada, carência de pessoal e material, sem informatização e sem verba orçamentária própria.

A autonomia administrativa e financeira não passa de mero enunciado constitucional, como alguns tantos outros, sem cumprimento.

Bastaria a dotação de um percentual da receita global dos Estados e da União, estabelecido constitucionalmente, para resolução do problema. A partir daí, poderá se cobrar do Poder Judiciário uma estrutura compatível com suas relevantes funções.

Há necessidade de deformalizar o processo, visto modernamente como instrumento de participação nas decisões do governo e como ferramenta para o exercício da cidadania.

2 - Histórico dos Juizados Especiais

Ressalte-se, ainda, o problema das pequenas demandas individuais, que simplesmente não são levadas ao Judiciário por uma série de fatores.

É nesse panorama que surgiu, no Brasil, um instituto ágil e rápido para ajudar na resolução do problema relativo ao acesso à justiça.

Os Juizados Especiais, com assento constitucional, foram idealizados para ter criação obrigatória pela União, pelo Distrito Federal e pelos Estados, já que não há mais Territórios, competindo-lhes o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (artigo 98, inciso I, da Constituição Federal).

Os novos órgãos, integrantes da Justiça Ordinária (artigo 1º, da Lei nº 9.099/95), ou seja, órgãos da Justiça Comum, em contraposição às Justiça Especiais (v.g. militar, trabalhista), devem ser obrigatoriamente criados pelos entes políticos, no prazo de seis meses contados do prazo de vigência da Lei Federal, embora não haja sanção expressa pela omissão.

Note-se, para logo, que a Lei Federal não criou efetivamente os Juizados Especiais, mas apenas traçou normas gerais de processo e procedimento, delegando ao legislador estadual a sua instituição, com possibilidade de estabelecimento de regras especiais, em atenção às peculiaridades locais, desde que em consonância com o regramento federal.

A linha evolutiva que culmina com os Juizados Especiais teve início, a partir de 1980, com os Conselhos de Conciliação e Arbitramento, experiência pioneira dos Juizes do Rio Grande do Sul. Tais órgãos não tinham existência legal, não tinham função judicante, com Juizes improvisados, atuando fora do horário de expediente forense.

Mas a experiência foi tão bem sucedida, obtendo índices altíssimos de conciliação, que logo demandaram regulamentação através de lei própria.

A evolução prosseguiu com a edição da Lei Federal nº 7.244/84, que estabelecia os Juizados de Pequenas Causas para julgamento de causas de reduzido valor econômico (até 20 salários mínimos).

O critério adotado, portanto, era o de fixar a competência dos ditos Juizados levando em conta o valor patrimonial da questão.

Os Juizados Especiais de Pequenas Causas foram um sucesso e logo se espraiaram por todo o País.

O cidadão, incentivado pela mídia, passou a descobrir que a Justiça era, de alguma maneira, acessível, barata e rápida.

Apesar da estrutura precária, com carência material e de pessoal, sendo que o Juiz, via de regra, acumulava outras funções na Justiça comum, ainda assim, enfrentando vários problemas estruturais, os Juizados de Pequenas Causas sempre foram citados como exemplos de boa administração de justiça.

Depois do advento da Constituição de 1988, determinando a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, como o legislador federal não apresentava regulamentação para a matéria, alguns Estados passaram a entender, com base no artigo 24, incisos X e XI da Constituição Federal, que teriam competência legislativa concorrente, de modo a criar e regular o processo e procedimento dos novos órgãos previstos em sede constitucional (artigo 98, inciso I, da Constituição Federal).

Assim, o Estado de Santa Catarina criou os Juizados Especiais Cíveis, disciplinando seu funcionamento e estabelecendo as "causas cíveis de menor complexidade" (v.g. ações de despejo - ações previstas no artigo 275, inciso II, do C.P.C. - Lei Estadual nº 1.141/93).

Também o Estado do Mato Grosso do Sul criou seus Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei Estadual nº 1.071/90).

No entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Habeas Corpus nº 71713-6, da Paraíba, em 26/10/94, que os Estados não poderiam legislar criando os Juizados Especiais Criminais, porquanto a matéria é de competência legislativa exclusiva da União.

Para regular o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, foram propostos seis projetos na Câmara Federal (Projetos: Deputado Jorge Arbage, Deputado Manoel Moreira, Deputado Dazo Coimbra, Deputado Gonzaga Patriota, Deputado Michel Temer - regulamentando só a parte criminal e Deputado Nelson Jobim).

O relator, na Câmara Federal, foi o Deputado Ibrahim Abi Ackel, que apresentou substitutivo englobando os dois últimos projetos. No tocante à parte cível, o substitutivo aproveitou a proposta do Deputado Nelson Jobim, enquanto que para a parte criminal o relator absorveu o projeto do Deputado Michel Temer, oriundo de proposta da Associação Paulista dos Magistrados - APAMAGIS e do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Após regular tramitação legislativa na Câmara, o projeto fundido seguiu para o Senado Federal, tendo como relator o Senador José Paulo Bisol, que apresentou substitutivo na Comissão de Constituição e Justiça, onde delegava quase todo o regramento quanto ao processo e o procedimento nos Juizados para os Estados, "enxugando", sobremaneira, o projeto oriundo da Câmara Federal.

No entanto, quando retornou do Senado à Câmara, foi mantido o substitutivo anterior do relator Ibrahim Abi Ackel, que, levado à plenário, foi aprovado.

Foram necessários sete anos após a Constituição Federal de 1998, prevendo os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para o legislador federal regular sua atividade.

Aliás, foram vários os reclamos, não só da sociedade constituída, como também de integrantes do próprio Poder Judiciário, clamando pela Lei Federal que tracejasse as regras dos novos órgãos vanguardistas previstos na Constituição Federal de 1988.

O projeto recebeu a sanção do Presidente da República, com um único veto ao artigo 47, que conferia recurso aos Tribunais locais (Alçada ou Justiça, conforme o caso) de decisões não unânimes das Turmas Recursais. Em boa hora o veto, pois a regra inviabilizaria, por completo, a celeridade reclamada nos novos Juizados.

No Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça fez elevados investimentos para dotar os Juizados Especiais de estrutura própria, de modo a cumprir suas relevantes funções.

Por isso, foram criados 92 cargos de Juizes Titulares (60 de entrância especial), com dedicação exclusiva aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Na Comarca da Capital, as novas unidades funcionam em bairros e Universidades, facilitando o acesso de todos, constituindo-se na "Justiça de bairro", descentralizada e ágil.

3 - Sistema de Juizados Especiais no Direito Comparado

Em termos de Direito Comparado, nosso sistema de Juizados Especiais é único no mundo.

Assim é que a maioria dos Juizados de Pequenas Causas funciona em sistemas judiciais na common law. O nosso, embora criado no mundo jurídico da civil law, pode o Juiz adotar, em cada caso, a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum (arts. 2º e 6º da Lei 9.099/95).

Os Juizados brasileiros possuem gratuidade para acesso em primeira instância; dispensam assistência de advogado em causas de até 20 salários mínimos (US$ 1.395); não permitem pessoas jurídicas como reclamantes; funcionam em horários noturnos, possibilitando aos que trabalham mais fácil acesso e ainda contam com conciliadores, que prestam serviço não remunerado e voluntário, democratizando a administração da Justiça.

Como foi dito, nos países da common law a existência de cortes especializadas para causas pequenas é antiga. Na Inglaterra já existe há mais de um século. Nos EUA, a partir dos anos 30, surgiram as Small Claims Courts. A Austrália passa por modificações profundas no sistema judiciário, especializando as cortes.

Várias iniciativas, nesses países, buscam soluções alternativas à jurisdição.

Existem experiências muito interessantes com mediação no Canadá e na França. O Canadá desenvolveu um sistema de mediação obrigatória em algumas causas, segundo a qual não se entra em Juizo sem passar por escritório especializado em mediação. Além disso, a conciliação e a mediação são cadeiras obrigatórias nas Universidades.

Em outras causas, para as quais não é obrigatória a mediação ou a conciliação, existe um estímulo para que a parte, inicialmente, submeta a causa ao processo de mediação. É o caso, por exemplo, do desconto nas custas judiciais, concedido à parte que submeter a questão a um escritório de mediação previamente. Todas as propostas de acordos são feitas na fase de conciliação e registradas pelo conciliador. Esse é um ponto importante. O registro - ou orientação para que assim se proceda - , na ata de audiência, seja como conciliador ou magistrado, as propostas de acordo ventiladas em audiência.

No Canadá, as propostas são, de certa forma, vinculativas. Suponhamos, por exemplo, que, na conciliação, o autor cobrou 100 e o réu ofereceu 80. Se o autor aceitar os 80 na conciliação e o réu não cumprir o acordo, o primeiro poderá ir a Juizo para pedir que o segundo seja considerado litigante de má-fé. Então, vemos que essas são situações em que a lei procura induzir a conciliação e não estimular o litigante compulsivo.

Embora a proposta de acordo, nos nossos Juizados Especiais, não seja vinculativa, o próprio registro das propostas, na ata de audiência, estabelece uma situação inibitória para o prosseguimento da instrução. Ou seja, aquele acordo, apesar de não ser um indício que possa influir no julgamento de mérito, tem caráter intimidatório para aquele acordo "de livre e espontânea pressão", que todo mundo vai ser obrigado, em um dia ou outro, a tentar celebrar.

Nos países de civil law, para combater o problema da morosidade da justiça, buscou-se a simplificação das leis do processo, como única solução (exemplos: Alemanha e Itália).

Na Ibero América, a justicia de minima cuantia vem sendo realizada basicamente, pelos Juizes de paz, exercitada na fase pré-processual (México, Costa Rica, Colômbia).

Não há respostas inovadoras, à exceção dos Juizados Especiais, no tema do acesso à justiça.

4 - Os Juizados Especiais e as causas do consumidor

Na palestra de encerramento do II Congresso do Internacional do Consumidor, realizado em 1990, no Rio de Janeiro, mostrou o Professor italiano Mauro Cappelletti algum ceticismo quanto a experiências análogas levadas a efeito em países do Primeiro Mundo, no tocante aos resultados obtidos pelos Juizados Especiais e as causas do consumidor. "A verdade é que, vista a causa do consumidor como agregado de causas potenciais 'pequenas'; ela só pode ser eficazmente resolvida como causa grande".

Nosso modelo, no entanto, não confirma essa regra.

Alguns casos importantes na jurisprudência vêm sendo resolvidos pelos Juizados Especiais.

Vale lembrar as questões relativas a aumentos abusivos de mensalidades escolares; planos de saúde que prejudicam o consumidor; taxas bancárias escorchantes (anatocismo); maus serviços prestados por companhias telefônicas; principalmente, diversas questões referentes à responsabilidade civil.

Dados relativos aos Juizados Especiais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, nos anos de 1997 e 98, extraídos dos relatórios da Corregedoria Geral da Justiça, apontam que mais de 50% das causas que ingressam nos Juizados Especiais Cíveis são relacionadas ao direito do consumidor.

Nesse particular, surge importante estudo que será apresentado no XVI Congresso Brasileiros de Magistrados, em Gramado de 27 a 30 de setembro/99, pelos sociólogos Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, denominado "Judicialização das Relações Sociais".

Extrai-se uma síntese das densas conclusões obtidas com o trabalho.

"Com os Juizados Especiais, o Poder Judiciário aprofunda a sua presença na vida social brasileira, cuja tendência, aliás, já se fazia notar na Justiça de Família, na do Trabalho, na da Infância e Adolescência. Nessa nova frete de atividade, contudo, ele se expõe à questão social em sua expressividade bruta, intervindo de modo a não permitir que os muito pobres sejam mantidos fora do sistema institucional, desconhecendo-se os seus dramas humanos, clamores e expectativas em relação à justiça. Os juizes dos Juizados são, por isso, independentemente da compreensão que possam ter acerca das suas atribuições, potenciais "engenheiros" da organização social, construtores virtuais de uma complexa rede de agências, envolvendo pessoas e instituições, cujos papéis são variados, compreendendo desde vizinhos, ou familiares, a pequenas e grandes empresas, passando por organizações comunitárias - de condomínios e associações de moradores -, por entidades filantrópicas e assistencialistas, por igrejas, escolas e clubes. Sua ação, ademais, se desdobra nas diversas etapas do processo, como líderes de equipes constituídas por conciliadores e serventuários, treinando e mobilizando seus assistentes, socializando-os no sentido previsto pela Lei 9.099/95, corrigindo os rumos do trabalho de normativização das práticas espontâneas de interação social que chegam ali. Na verdade, os Juizados Especiais são o reduto da "invenção" social e gerencial do juiz, respondendo como um corpo - o seu corpo - à energia e criatividade despendidas para o funcionamento daquele microssistema de justiça."

5 - As decisões relativas a direito aeroespacial nas Turmas Recursais - RJ

O presente trabalho buscou examinar mais de trezentas ementas, produzidas desde o ano de 1997, pelas Turmas Recursais do Rio de Janeiro- especialmente as da Comarca da Capital. (Registre-se o trabalho do Juiz José Carlos Maldonado de Carvalho, Coordenador da Comissão de Jurisprudência dos Juizados Especiais).

Percebe-se, nitidamente, um aumento de demanda relacionada à responsabilidade civil envolvendo empresas de aviação.

Releva notar que os consumidores, mais e mais, passam a ter conhecimento de seus direitos, reclamando-os diante de procedimentos ilícitos das empresas aéreas.

Outrossim, percebe-se também uma evolução na linha relativa à fixação do dano moral. O consumidor que experimentou dissabores não vem recebendo "bilhete premiado de loteria". Não se locupleta indevidamente.

O quantum fixado a esse título, nas decisões colacionadas, parece ter nítido caráter educativo e punitivo.

Abaixo são transcritas as ementas que envolvem, prioritariamente, direito aeroespacial no âmbito dos Juizados Especiais.

Mais marcadamente as decisões relativas à responsabilidade civil de empresas aéreas.

São os seguintes julgados:

EMENTA 23: Bagagens desviadas durante o vôo internacional, sob a responsabilidade de três empresas. Inaplicável a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica e aplicável o Código de Defesa do Consumidor. Bem apreciada a matéria. Sentença confirmada. (Acórdão da 3ª Turma Recursal – Recurso nº 028/96 – Rel. juiz Mário Assis Gonçalves.)

EMENTA 44: Competência da Justiça Estadual comum para apreciar e julgar causas oriundas de questões referentes a transporte aéreo. Atraso injustificado e longo de vôo de companhia aérea, que fere o contrato desse transporte e que causa abalos psicológicos comprovados na reclamante, passageira da empresa reclamada. Condenação de compensação por dano moral confirmada. ( 12ª Turma Recursal – Recurso nº 1997.700.000660.0 – Rel. Juiz Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro).

EMENTA 58: Atraso na entrega de bagagem – danos materiais – necessidade de prova cabal do alegado. Redução da verba indenizatória aos valores comprovados. Além da responsabilidade da companhia aérea, na forma do art. 262 do Código Brasileiro da Aeronáutica. Exclusão da multa pelo inadimplemento, vez que somente cabível em condenação a obrigação de fazer. (Turma Recursal do Juizado Especial de Nova Iguaçu – Recurso nº 3.902 – Rel. Juiza Roseli Nalin).

EMENTA 120: Ação de perdas e danos proposta por passageiro contra viação aérea, por perda de bagagem e problemas surgidos em decorrência do extravio, mormente o dano moral. Tendo o autor ficado sem seus pertences e por isso deixado de participar de campeonato, em razão do qual viajara, justifica-se indenização por dano moral, que deve todavia ser reduzida para se adequar ao valor dos bens envolvidos na causa. Sentença que se reforma parcialmente. (Acórdão da 10ª Turma Recursal. Recurso nº 1528-4. Rel. Juiza Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo).

EMENTA 194: Responsabilidade do transportador aéreo. Violação de bagagem. Indenização cabível. Prevalência do Código de Defesa do Consumidor sobre a Convenção de Varsóvia. (Recurso nº 1998.700.000262-0. 5ª Turma Recursal Cível - Unânime - Relator Juiz Otávio Rodrigues. Julg. 02/04/98).

EMENTA 218: Passageiro de transportadora aérea, que, por falha desta, não recebe o seu cartão de estrangeiro, para o embarque devido e perde o vôo marcado, com base no que dispõe o artigo 14, parágrafo 1º , do CDC, faz jus a reparação por preJuizo material e por dano imaterial, por ele sofridos com esse fato. Sentença confirmada. (Recurso nº 330-2/98. 12ª Turma Recursal Cível - Unânime - Relator Juiz Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro. Julg. 03/03/98).

EMENTA 247: Responsabilidade Civil. Transporte rodoviário. Extravio de bagagem. Danos Material e Moral. O extravio de bagagem de passageiro em viagem rodoviária enseja danos material e moral, tanto mais quando constata o passageiro que chegou a seu destino apenas com a roupa do corpo. Correta a apreciação da prova, à luz do disposto no art. 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/90. Inaplicabilidade do Dec. 952/93, vez que a plena indenização da vítima está consagrada na C.F. de 1998 e na Lei 8.078/90. Recurso improvido. (Recurso nº 486-0. 12ª Turma Recursal - Unânime - Relatora Juiza Ana Maria Pereira de Oliveira. Julg. 23/04/98).

EMENTA 248: Extravio de bagagem. Danos morais reconhecidos com base no depoimento pessoal da lesada. Máximas de experiência comum. Princípio da razoabilidade observado no arbitramento do quantum. Apelos não-providos. (Recurso nº 1.735/96. 12ª Turma Recursal - Unânime - Relator Juiz Elton Martinez de Carvalho Leme. Julg. 22/05/98).

EMENTA 295: Ação de indenização por danos morais e materiais – Transporte aéreo sem escalas maior preço pago – Prestação inocorrente já que não só aconteceu escalas, como atrasos nestas escalas ensejando transtornos a serem reconhecidos pela própria empresa – Configurando-se destarte a inadimplência já que a obrigação se constituiu para ser cumprida exata e pontualmente, como no caso se a empresa contratante não a cumpre, por fato que lhe é imputável verifica-se o inadimplemento – Surge de consequência o dever de reparar o dano in casu circunscrita a condenação tão somente em danos morais. (Recurso nº 909-2. 7ª Turma Recursal – Unânime – Relator Juiz Antonio Felipe da Silva Neves. Julg. 01/07/98).

EMENTA 324: RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VÔO. AUSÊNCIA DO RECLAMADO À ªI.J. DECRETAÇÃO DA REVELIA COM FUNDAMENTO NO ART. 19, § 2º, DA LEI 9.099/95. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. Restando verificada nos autos, a hipótese prevista no art. 19, § 2º, da Lei 9.099/95, correta a decretação da revelia, presumindo-se verdadeiros os fatos marrados na inicial, quais sejam, o atraso do vôo e os transtornos causados aos passageiros, os quais ensejam dever de indenizar. Inaplicabilidade da Convenção de Varsóvia, em face do que dispõe a Lei 8.078/90. (Recurso nº 835-0. 12ª Turma Recursal – Unânime – Relator Juiza Ana Maria Pereira de Oliveira. Julg. 19/06/98).

EMENTA 330: Lei 8.078/90 – Lei que deve reger todas as relações de consumo, inclusive a de prestação de serviços públicos por empresas aéreas – Revogação do Código Brasileiro de Aeronáutica – Atraso durante vôo com escalas e conexão – Passageiros deixados na sala de embarque de aeroporto de escala no decorrer da madrugada – Inexecução parcial de contrato de transporte aéreo – Presunção de culpa da empresa contratada (art. 6º, VIII, do CODECON) – Inversão do ônus da prova – Perdas e danos materiais e morais devidos – Recurso parcialmente provido para diminuir o valor da condenação – Aplicação do Princípio da Lógica do Razoável. (Recurso s/nº. Turma Recursal de Belford Roxo – Unânime – Relator Juiz André Ricardo de Francisco Ramos. Julg. 27/03/98).

EMENTA 334: Responsabilidade civil. Transporte aéreo internacional. Conflito entre a convenção de Varsóvia e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Prevalência da lei posterior. Mudança de escala de vôo e conseqüente atraso no horário previsto para chegada. Passageiro constrangido a permanecer longo tempo no interior da aeronave sem qualquer serviço de bordo. Dano moral caracterizado. Sentença mantida. (Recurso nº 1096-1. 2ª Turma Recursal – Unânime – Relator Juiz William Felisberto Fagundes. Julg. 03/11/97).

EMENTA 342: A sentença recorrida não merece qualquer reforma, tendo o Juizo a quo bem decidido a matéria sub judice. A recorrente não fez prova de que o vôo tenha sido cancelado por motivo de força maior. Igualmente, não comprovou ter providenciado acomodação e alimentação para cada passageiro, bem como a emissão de novos bilhetes, para futuro regresso ao destino final de viagem, ônus seus, na forma do artigo 333, inciso II do CPC. (Recurso nº 844-0. 4ª Turma Recursal – Unânime – Relator Juiz Roberto de Abreu e Silva. Julg. 18/06/98).

EMENTA 347: Transporte aéreo. Realização de escalas não contratadas, sem previsão no pacote, além de atraso imoderado com fundamentação impertinente, causando transtornos e dissabores aos passageiros. Dano moral caracterizado. Dever de indenizar. Sentença confirmada. (Recurso nº 1409-9. 6ª Turma Recursal – Unânime – Relator Juiz Antonio Saldanha Palheiro. Julg. 18/08/98).

EMENTA 366: Indenização por danos materiais decorrente de extravio de mala em transporte aéreo. Manutenção da sentença pelos próprios fundamentos. (Recurso nº 1024-0. 11ª Turma Recursal – Unânime – Relatora Juiza Maria Raimunda Teixeira de Azevedo. Julg. 17/07/98).

6 - Conclusão

Para efeito de conclusão, mister realçar que os Juizados Especiais vêm servindo para que os consumidores possam postular adequadamente seus direitos frente às empresas aéreas, contribuindo, também, para o aprimoramento dos serviços prestados nos contratos de transportes, já que a tarifa de dano moral que vem sendo fixada busca o caráter educativo/punitivo para os casos examinados.

Por isso mesmo, mister será que sejam incrementadas essas vias e, conseqüentemente, estimulado um maior aperfeiçoamento dos Juizes na matéria relativa a direito aeroespacial.

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