Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
Serviços Auxiliares de transporte Aéreo
Jorge Neves
Administrador e Bacharel em Direito
Presidente de Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo - SATA
Durante muitos anos, as empresas de transportes aéreos mantiveram em suas estruturas setores cuja finalidade era prover todas as facilidades de apoio em terra para o atendimento das operações das aeronaves. Estes setores cuidavam da contratação e acompanhamento de inúmeras atividades, destacando-se, entre elas, o carregamento e o descarregamento de carga e bagagem, a limpeza interna e externa das aeronaves, o atendimento aos passageiros em todas as etapas das operações de embarque, desembarque, trânsito e conexão, a movimentação e o manuseio de carga e bagagem.
Todas as negociações necessárias para viabilizar os atendimentos das empresas aéreas fora de seus países de origem são, até hoje, conduzidas por estes setores. Inicialmente, as empresas aéreas mantinham contratos de reciprocidade que viabilizavam a troca de serviços entre elas. As regras para o estabelecimento dessas relações foram sendo padronizadas e aperfeiçoadas através do trabalho dos especialistas nos comitês da IATA - International Air Transport Association. Todo o trabalho desenvolvido no âmbito desta organização criou o " Contrato Padrão IATA de Assistência Em Terra " utilizado até os dias atuais e considerado de fundamental importância para todo o segmento, uma vez que sua linguagem padronizada facilita a comunicação de todos os envolvidos nesta atividade nos quatro cantos do planeta.
Nos últimos anos, a aviação comercial mundial vem passando por transformações radicais. Cada vez mais as transportadoras aéreas entendem que devem se dedicar exclusivamente ao transporte de passageiros e carga, preocupando-se, primordialmente com suas aeronaves, pessoal técnico e com o mercado, este último sempre mais competitivo. Neste processo, assistimos ao surgimento de um novo segmento forte e importante para a aviação comercial que é o setor de prestação de serviços auxiliares de transporte aéreo, conhecido mundialmente através da expressão inglesa "ground handling services ". É sobre este setor que discorreremos, buscando esclarecer seu posicionamento no mercado da aviação comercial brasileira e internacional, como também, o tratamento a ele dispensado pela legislação pátria.
A Lei 7.565/86, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, disciplina os serviços auxiliares de transporte aéreo no capítulo X, do Título III, artigos 102 e seguintes. O exame da localização topográfica destes serviços no código nos leva a algumas considerações importantes. Em primeiro lugar, o seu enquadramento como atividade de infra-estrutura aeronáutica. O artigo 25 do referido diploma legal dispõe que os serviços auxiliares são de apoio à navegação aérea e estão diretamente relacionados à segurança, regularidade e eficiência do transporte aéreo. Estas observações são de fundamental importância para o desenvolvimento do tema em foco.
Os serviços auxiliares são definidos no artigo 102 como aqueles relativos às agências de carga aérea, aos serviços de rampa e de pista e os relativos à hotelaria nos aeroportos. Esta relação não constitui " Numerus Clausus ", uma vez que o próprio código informa que a autoridade competente, através de regulamento, poderá classificar outros serviços nesta categoria, desde que conexos à navegação aérea.
Os serviços auxiliares são prestados por empresas especializadas para esta finalidade mediante ato administrativo de autorização do Poder Público. O órgão competente para autorizar, controlar, disciplinar operacionalmente e fiscalizar este segmento da atividade de transportes aéreos é o Ministério da Aeronáutica através do Departamento de Aviação Civil - DAC.
A constituição de empresa de serviços auxiliares, além de obedecer aos requisitos legais exigidos para formação de empresas no território nacional, está vinculada ao atendimento de requisitos específicos estabelecidos pela autoridade competente, tais como, capacidade dos aeroportos em prover facilidades para instalação, pessoal técnico qualificado para o gerenciamento da atividade, promessa de contrato por empresa de transporte aéreo, estrutura em conformidade com os padrões brasileiros e internacionais relativos ao setor.
O Departamento de Aviação Civil, através do regulamento NOSER 2506, classifica os serviços auxiliares de transporte aéreo em duas espécies, os serviços operacionais e os serviços de proteção à aviação civil. No primeiro grupo encontram-se todos os serviços relativos às atividades de rampa, que são :
carregamento e descarregamento de aeronaves
manuseio de carga e bagagem
transporte de carga e bagagem no aeroporto
"push-back " e reboque de aeronaves
atendimento a passageiros
entre outros
Os serviços de proteção à aviação civil são aqueles relativos à proteção das aeronaves, carga, bagagem e passageiros contra atos de intervenção ilícita. Este serviço exige capacitação específica do pessoal envolvido e estrutura de controle e reciclagem operacional especial.
O tratamento jurídico dado aos serviços auxiliares e sua regulamentação específica demonstra sua importância para o sistema da aviação comercial e sinaliza a complexidade envolvida na execução e gerenciamento desta atividade.
A Empresa de Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo ou "Ground Handling Company", como é conhecida internacionalmente, vem assumindo importância cada vez maior para a indústria do transporte aéreo. Inicialmente, meras fornecedoras de mão-de-obra com baixa qualificação técnica, hoje oferecem ao mercado uma gama enorme de serviços altamente especializados. Estas empresas, em sua maioria, estão preparadas para fornecer às transportadoras aéreas todos os serviços de apoio em terra necessários, desde a manutenção de aeronaves, passando pelo atendimento a passageiros, carga, rampa, limpeza de aeronaves, despacho operacional de vôo até o serviço de bordo.
O crescimento verificado neste segmento nos últimos quinze anos está, em grande parte, relacionado ao processo de horizontalização observado em todas as transportadoras aéreas que passaram a se concentrar exclusivamente em sua atividade-fim, ou seja, o transporte de passageiros e carga. O fenômeno observado quanto aos agentes de viagem e agentes de carga chegou aos serviços de suporte em terra. É cada vez maior a quantidade de empresas especializadas em serviços auxiliares prestando, através de contratos específicos e padronizados mundialmente, estas atividades.
As transportadoras aéreas, em sua maioria, contratam empresas, com as quais não mantém nenhum vínculo de participação, para a prestação dos serviços de suporte, principalmente em suas bases de operações fora de sua base principal, onde, normalmente, possuem estrutura própria ou um mix de serviços próprios e de terceiros. Algumas transportadoras aéreas, por outro lado, conscientes da importância estratégica deste segmento, possuem em seu grupo, empresas especializadas nestes serviços e, dentre elas, podemos citar o exemplo da Lufthansa, Swissair e Varig.
O mercado de serviços auxiliares de transporte aéreo se torna cada vez mais competitivo e as empresas dedicadas a esta atividade investem pesado em tecnologia de informação, qualificação técnica do pessoal e equipamentos para atendimentos às aeronaves. A concorrência é grande, exigindo agilidade, bom atendimento e preços de mercado.
Internacionalmente, a IATA criou um comitê, o IATA GROUND HANDLING COUNCIL, que se reuni anualmente e conta com a participação de mais de cento e trinta e cinco empresas de serviços auxiliares nos cinco continentes. Esta reunião se tornou o forum de debates e trocas de informações entre as empresas do ramo, visando adequar todos os procedimentos já elaborados pela IATA e adotados pelas transportadoras aéreas à nova realidade das relações comerciais e jurídicas que se desenvolvem entre as empresas de transporte aéreo e as empresas prestadoras de serviços auxiliares.
É, também, importante destacar que o surgimento de alianças entre as transportadoras aéreas com vistas a melhor distribuição de seus serviços e racionalização de custos operacionais e de comercialização, certamente, desaguará, de alguma forma, no segmento de prestação de serviços auxiliares de transporte aéreo. É difícil de prever, no momento, se haverá formação de alianças estratégicas entre as prestadoras existentes ou se alguma outra forma de parceria se desenvolverá com a finalidade de negociar os contratos de prestação de serviços globalmente. Embora o caminho ainda não esteja claro quanto a este aspecto, já são observados movimentos nesta direção com algumas empresas discutindo formas de parceria para ampliar sua atuação além das fronteiras nacionais. Na América Latina, o recente processo de privatização dos aeroportos em diversos países, a exemplo do ocorrido na Argentina, tem ensejado a discussão e o questionamento deste setor da atividade aeroportuária.
Tendo como ponto de partida o exposto, é fácil constatar que o legislador e todos aqueles responsáveis pela regulamentação desta importante área da atividade aeronáutica terão muito trabalho a realizar com o objetivo de aperfeiçoar todo o sistema de infra-estrutura aeroportuária à esta realidade. O segmento de prestação de serviços auxiliares de transporte aéreo encontra-se em expansão e assim permanecerá por muito tempo, uma vez que o processo de terceirização iniciado pelas transportadoras aéreas está firme e tende a consolidar-se.
Desta forma, em face da importância do transporte aéreo, muita atenção deverá ser dada a este segmento, desenhando-se um sistema normativo que propicie a garantia de qualidade e segurança, elementos capitais para o transporte aéreo.
Conforme citado no início deste artigo e quando da apreciação de seu disciplinamento legal, percebemos que o ordenamento jurídico brasileiro já tratou do assunto e a autoridade competente o regulamentou de forma apropriada. Contudo, verificamos que muitos aspectos foram tratados sem o devido aprofundamento e questões surgidas no dia-a-dia das relações estabelecidas nesta área necessitam ser discutidas e normatizadas. Seguramente, esta é uma atividade que produzirá enormes oportunidades, tanto no campo jurídico quanto no operacional e comercial.