Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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Breves Anotações sobre a Imunidade Tributária das  Fundações. (1)

Sergio De Lorenzi
advogado

O tema sobre o qual irei dissertar diz respeito ao regime tributário das fundações, imunidades, isenções e demais aspectos fiscais.

Trata-se de assunto que demandaria longo tempo, a possibilitar um amplo enfoque de todas as matérias envolvidas, em que altas questões jurídicas deveriam ser debatidas, o que, por si só tornaria o assunto tedioso, mormente por aqueles não afetos a termos e conceitos estritamente de Direito. Portanto, e considerando-se o curto espaço de tempo que disporei para discorrer sobre o tema, peço permissão para ser bem sucinto, tentando explicar de forma clara e objetiva alguns aspectos que me parecem fundamentais para o entendimento da matéria.

Primeiramente, cabe definir o que é uma fundação: nos termos do art. 24 do Código Civil, para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la."

Segundo Clóvis Beviláqua, um de nossos mais festejados juristas, não sem antes ressaltar que as fundações constituem uma pessoa jurídica de feição muito curiosa, consistem elas em um "complexo de bens dedicados à consecução de certos fins e, para esse efeito, dotadas de personalidade".

Portanto, a fundação é uma pessoa jurídica de direito privado , cujos bens foram destinados por seu fundador para a consecução de certos fins.

Mais ainda, o que caracteriza as fundações, é que elas não podem ser criadas para qualquer fim, de forma que, devem elas sempre servir a um fim de utilidade pública, seja ele religioso, cultural, científico, de assistência social, etc..

Assim, as fundações devem ter, pois, um criador, ou fundador, e um conjunto de bens destinados a um fim específico, que deverá ter finalidade pública.

A Fundação Ruben Berta teve um criador, ou instituidor, como queiram, que foi a VARIG, que destinou parte de seu patrimônio (conjunto de bens) para um fim específico, qual seja, o de "assegurar o bem-estar dos funcionários da VARIG e de seus dependentes, de acordo com o mérito e os anos de serviços daqueles, mediante a prestação de serviços médicos, dentários, farmacêuticos e hospitalares, a construção de casas próprias e a concessão de empréstimos, o fornecimento de gêneros alimentícios e de refeições, bem como outras modalidades de assistência social, concedida, no País, a título gratuito ou em condições favorecidas, dentro das possibilidades da entidade e na forma deste estatuto."

Assim, outro fator determinante de sua perfeita adequação aos ditames jurídicos foi preenchido, qual seja, o seu fim de utilidade pública, consusbstanciado na assistência social.

Como entidade de assistência social, a Fundação Ruben Berta goza de imunidade tributária, nos exatos termos do art. 150, inciso VI, alínea "c" , da Constituição Federal, a saber:

"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;"

As Constituições Federais Brasileiras, de 1946 até esta data mantiveram a mesma redação da que acabamos de repetir. Contudo, a atual Constituição, acrescentou um parágrafo a esse atual artigo 150, que inexistia nas demais, que trouxe uma inovação restritiva ao reconhecimento da imunidade tributária das entidades de assistência social, conforme mais tarde será explicado.

Por ora, apenas citaremos esse parágrafo, que é o 4o., assim redigido:

"par. 4o. - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas."

Pois bem, conforme dissemos acima, as entidades de assistência social, nos moldes da Fundação Ruben Berta, gozam de imunidade tributária.

O que vem a ser imunidade? É muito comum a confusão que se estabelece, não só entre leigos em direito, mas, mesmo na doutrina jurídica, na legislação e na jurisprudência entre imunidade e isenção.

A isenção consiste na dispensa de um tributo, pelo órgão que poderia, em condições normais, exigi-lo. Assim, a lei que institui a cobrança de um imposto, pode ter a sua aplicação suspensa, em função de certas ocorrências e pelo prazo que uma nova lei vier a estabelecer . Por exemplo: a Prefeitura de certo Município, dentro de sua competência tributária, institui, por lei, a cobrança do Imposto Predial. Posteriormente, outra lei, promulgada pela própria Prefeitura, estabelece, atendendo a critérios de conveniência e utilidade públicas, que os contribuintes que, comprovadamente plantarem 200 árvores na Praça X, terão, por dois anos, isenção do Imposto Predial.

Assim, a isenção é um favor legal instituído pelo poder tributante, atendidas certas condições por ele próprio determinadas.

A imunidade, por sua vez, é uma vedação, uma proibição imposta pela Constituição à competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Ou seja, a Constituição Federal proíbe que essas pessoas jurídicas cobrem impostos de certas entidades, dentre as quais as instituições de assistência social, como a Fundação Ruben Berta, nos termos do que dispuser a lei.

Pois bem, mas a qual lei faz menção a Constituição Federal?

Sem qualquer sombra de dúvidas, ao Código Tributário Nacional, Lei no. 5.172, de 25 de outubro de 1966, que em seus artigos 9o. e 14 estabelece as condições necessárias ao reconhecimento da imunidade determinada pela Constituição.

Vejamos, então, quais são essas condições:

O art. 9o. do Código Tributário Nacional, inciso IV, alínea "c", repetindo as palavras do texto constitucional, diz que:

"Art. 9o. - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV - cobrar imposto sobre:

c) - o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo."

Na Seção II desse Capítulo deparamo-nos com o art. 14, que trata especificamente dos requisitos para o reconhecimento da imunidade das instituições de assistência social.

Diz o art. 14:

"Art. 14 - O disposto na alínea "c" do inciso IV do art. 9o. é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participações no seu resultado;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão."

Fazendo um pequeno parênteses, vejam bem os colegas que, tanto a Constituição Federal, como também o Código Tributário Nacional dizem que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar IMPOSTO das entidades que mencionam, nas condições estatuídas.

Assim, a imunidade tributária diz respeito tão somente a IMPOSTOS e não aos demais tributos.

Quais são os tributos existentes e quais as diferenças específicas? Os tributos dividem-se em impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Vejamos as definições que lhes dá o Código Tributário Nacional, para que possamos melhor explicar cada um dos tributos.

Imposto, no dizer do art. 16 do Código Tributário Nacional, "é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte."

Que quer isso dizer? A Constituição Federal, como lei maior, determina quais são os Impostos de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Para que esses impostos possam ser cobrados dos contribuintes, não é necessária qualquer atividade dos poderes públicos: é o contribuinte que, praticando um ato definido por lei como gerador de determinado imposto, faz com que o poder público possa dele exigi-lo.

Por exemplo, uma pessoa compra um imóvel. Comprando um imóvel, deverá pagar o imposto devido, qual seja, o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos, imposto esse de competência estadual.

Vê-se, nesse exemplo, a inexistência de qualquer atividade específica do Estado para a ocorrência do fato gerador do imposto; é o particular, que pela prática daquele ato, comprar um imóvel, está sujeito ao pagamento do imposto. Se não o tivesse comprado, não deveria pagar nada a esse título.

As Taxas, de forma diversa, que podem ser cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, têm como fato gerador, nos termos do art. 77, do Código Tributário Nacional, "o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição."

Como vimos, para a exigibilidade do imposto, não há nenhuma atividade específica do poder público: quanto às taxas, o poder público presta um serviço e o particular, para obtê-lo, paga por esse serviço.

Por exemplo, aquele particular que comprou um imóvel, antes da venda se concretizar, exigiu do vendedor prova de inexistência de qualquer débito para com o fisco, para resguardar seus direitos; o vendedor, para fazer tal prova, requereu, então, dos poderes públicos, certidões negativas de quaisquer débitos e para tanto, teve que pagar a TAXA devida para a expedição de tais certidões.

Aí, pois, a atividade do poder público, para a exigibilidade da taxa.

Já as contribuições de melhoria, que podem também ser cobradas por todos aqueles poderes públicos já enumerados, são instituídas, nos termos do art. 81, do Código Tributário Nacional, para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária.

Assim, o seu fato gerador, é uma obra realizada pelo poder público, que motivou, via de consequência, uma valorização para o imóvel do particular.

Por exemplo, um cidadão comprou um imóvel que se situava em uma viela de terra, de chão batido; vem a Prefeitura e transforma aquela viela em uma grande avenida, asfaltada e dotada de todos os melhoramentos públicos. Resulta notório que houve uma grande valorização do imóvel e, para tanto, pode a Prefeitura cobrar a contribuição de melhoria, que deve ter como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultou para cada imóvel beneficiado.

Feitas essas observações, temos então que, se a Fundação Ruben Berta comprar um imóvel, necessário às suas finalidades essenciais, não pagará o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis, em face de sua imunidade. Contudo, se necessitar de certidões do Poder Público ou se a prefeitura realizar obras que valorizem tal imóvel, deverá pagar as taxas relativas às certidões, bem como pagar a contribuição de melhoria devida, eis que a imunidade diz respeito apenas e tão somente aos impostos.

Pois bem, vimos, então que o Código Tributário Nacional determina os requisitos para o reconhecimento da imunidade tributária, que são: a não distribuição de qualquer parcela do patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado, a aplicação integral, no País, dos seus recursos na manutenção dos objetivos institucionais e a escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidade capazes de assegurar sua exatidão.

Ocorre que, não obstante o preenchimento de todas essas formalidades e requisitos essenciais, as fundações esbarram quase sempre em obstáculos impostos pelos poderes públicos para o reconhecimento da imunidade de que são titulares, ora exigindo mais do que a lei preceitua, ora interpretando a lei de forma imprecisa ora tirando ilações absurdas ao arrepio da legislação específica, obrigando tais entidades a se socorrerem do Poder Judiciário para que possam ser respeitados os seus direitos consagrados pela Constituição Federal.

Assim é que na década de 60, pela vez primeira teve a Fundação Ruben Berta a sua imunidade tributária reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Era a Fundação, àquela época, em Porto Alegre, proprietária de um estabelecimento comercial, uma cooperativa, um tipo de estabelecimento semelhante ao que hoje se denomina supermercado, que vendia seus produtos aos funcionários da base a preços muito inferiores aos dos concorrentes, visto que, obviamente, não tinha a finalidade de lucro.

Ocorre que o Fisco Estadual entendeu que aquelas operações eram sujeitas ao então denominado Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (I.C.M.), passando a exigir tal pagamento.

Defendeu-se a Fundação, administrativamente, por todos os meios possíveis, sem, contudo, lograr a obtenção de êxito.

Ingressou, então com uma Ação Declaratória contra o Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o reconhecimento da imunidade tributária a que se achava com direito, em face dos preceitos constitucionais vigentes àquela época, ou seja, com base no que dispunha a respeito a Constituição Federal de 1946.

Entretanto, o Juiz de 1a. instância julgou a Ação improcedente, por entender que a Fundação, sendo uma entidade assistencial fechada, limitada exclusivamente aos seus funcionários e aos da VARIG, não podia beneficiar-se da regra constitucional, a qual, no seu entender, se dirigia apenas a instituições de amparo coletivo.

Ou seja, em outras palavras, começaram, a partir dessa época, ao arrepio do disposto na lei, a dizer que a Fundação Ruben Berta era uma entidade "fechada" e que, portanto, não fazia jus à imunidade tributária.

Pois bem, recorreu a Fundação dessa sentença para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual confirmou a sentença de 1a. instância, ou seja, julgou contra a Fundação, nos seguintes termos:

"A instituição de assistência social a que alude o texto constitucional, detentora de imunidade tributária, é somente aquela que presta serviços com caráter de generalidade ou universalidade, sem discriminações, restrições, preferências ou condições, criada e mantida com fim público, voltada ao bem comum, ao proveito da coletividade.

Sendo a imunidade uma prerrogativa excepcional, deverá ser entendida sempre em sentido estrito.

Fundação que congrega os empregados de uma determinada empresa particular, não constitui instituição de assistência social."

Inconformada com tal decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, recorreu extraordinariamente a Fundação para o Supremo Tribunal Federal, que assim se manifestou:

"É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir imposto sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei.

Esta regra é uma reiteração do que já dispunham o art. 20, inciso III, letra "c", da Constituição de 1967 e o art. 31, inciso V, letra "b", da Constituição de 1946. (observe-se que estava em vigor à época do julgamento a Emenda Constitucional no. 1, de 1969)."

E continuou Supremo Tribunal Federal:

"Por sua vez, o art. 9o., inciso IV, alínea "c", do Código Tributário Nacional (a quem já nos referimos) consignou a mesma redação.

A recorrente é uma Fundação, de caráter assistencial e visa ao amparo e ao benefício dos que a compõem, consoante se verifica das normas estatutárias que a regem.

Aliás, sempre a considerou assim o Fisco do Estado do Rio Grande do Sul, em face do que dispunha o art. 15 da Lei Estadual 5.373, de 28.12.66:

"Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor, inclusive cooperativa, que promova a saída de mercadoria.

Par. Único - Considera-se contribuinte, para os efeitos desta lei, toda pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que pratique, com habitualidade, operações relativas à circulação de mercadorias."

Todavia,, a partir da Circular no. 2, de 2.1.67, mudou de orientação, com a determinação, fixada na mesma, de que "além dos produtores, comerciantes e industriais, inclusive cooperativas, deverá inscrever-se como contribuinte do imposto toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, de direito público ou privado, que pratique, com habitualidade, operações relativas à circulação de mercadorias, tais como: fundações, associações, autarquias e repartições públicas federais, estaduais e municipais, etc., visto que estas estão sujeitas ao pagamento do imposto, de conformidade com o disposto no par. 1o. do art. 58 do Código Tributário Nacional.

Mas nessa Circular não se incluíram as instituições de Assistência Social, como é a recorrente.

O art. 58 do Código Tributário Nacional, considera contribuintes do I.C.M. o comerciante, industrial ou produtor e as sociedades civis de fins não econômicos que explorem estabelecimentos industriais ou que pratiquem, com habitualidade, venda de mercadorias, etc., etc.

Os dispositivos apontados não podem abranger as instituições de assistência social, as fundações de caráter da recorrente, visto que não as caracteriza, como sucede àquelas, a habitualidade das transações, com o fito de lucro e de especulações comerciais. O cunho que as distingue é o de natureza meramente assistencial, com que as define a Carta Magna.

A argumentação deduzida na sentença de 1o. grau e adotada pelo V.Acórdão recorrido, de que a recorrente "é uma entidade assistencial fechada, isto é, os seus objetivos institucionais são destinados, exclusivamente, aos seus funcionários, dela Fundação, e aos da Varig, não pode ser acolhida, nos termos estritos em que foi posta. Onde a lei não distingue, não é lícito ao intérprete distinguir.

A entidade em causa é aberta para os que integram ou venham a integrar o círculo de amplitude indefinida, da sua atuação. O que a assinala é o selo assistencial das suas finalidades.

...................................................................................................................

Nessas condições, conheço do recurso, em razão da infração do texto constitucional indicado e do dissídio pretoriano indubitável e lhe dou provimento, para, cassando o v. acórdão recorrido, julgar procedente a ação declaratória proposta, no sentido de atribuir à recorrente a imunidade pretendida."

Posteriormente a essa primeira vitória obtida junto ao Supremo Tribunal Federal, propusemos, também com êxito, ação visando ao reconhecimento da nossa imunidade relativamente ao Imposto Único sobre Energia Elétrica.

Em seguida, propusemos nova ação contra o Estado do Rio Grande do Sul, visando a declaração do direito à imunidade tributária, relativa ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, que havia sido recusada pelo órgão competente da Secretaria da Fazenda.

Tendo sido a ação julgada procedente em primeira instância, viemos a perdê-la no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, onde aquela distinção entre entidade aberta e fechada voltou à baila, tendo sido consignado que "a inexistência de generalidade ou universalidade da assistência prestada descaracteriza a fundação como instituição de assistência social, como que não faz jus à imunidade tributária."

Como razão de decidir, transcrevemos o que foi dito pelo Relator do Acórdão contrário às nossas pretensões:

"Tenho para mim que a questão da aludida distinção entre os dois tipos de entidades foi apenas tangenciada no já citado acórdão do STF. A interpretação no sentido de que a Fundação Ruben Berta, embora entidade fechada, é acessível aos que a integram bem assim como aos que "venham a integrar" seu círculo de amplitude me parece demasiadamente forçada, e fora da realidade. Isso porque há um requisito técnico - um obstáculo transponível somente por um número extremamente reduzido de pessoas: os empregados da empresa Varig. Assim, dentro da classe dos assalariados, apenas uma minoria poderá se valer da prestação de serviços da entidade. A eventualidade acenada pelo respeitável acórdão fica situada num plano muito difuso, inalcançável pelo cidadão comum em termos de prática previdenciária.

Assim, e modificando ponto de vista anterior, sobre matéria idêntica, concluo como o réu (Estado do Rio Grande do Sul): não bastam os requisitos do art. 14, do Código Tributário Nacional, porque antes disso é necessário verifica a significação jurídica do texto da Carta Magna quando dispõe sobre entidades de "assistência social", entre as quais não estão incluídas aquelas que, de modo restrito, privativo e exclusivo, beneficiam somente uma parcela específica de assalariados e, por isso, não visam o interesse público - mas apenas o particular, de seus associados.

Nesses termos, portanto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a ação."

Mais uma vez recorremos extraordinariamente para o Supremo Tribunal Federal, que por unanimidade conheceu do recurso interposto e lhe deu provimento, nos termos do voto do Ministro Relator, Dr. Octávio Gallotti, o qual transcrevemos:

"A Recorrente é dotada do caráter de instituição de assistência social, previsto no art. 19, III, "c" e já proclamado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 70.834, RTJ 65/145) (exatamente aquela primeira manifestação do Supremo que mencionamos minutos atrás), havendo este, por igual, iterativamente assentado que a finalidade pública da entidade e a generalidade de sua atuação não se acham comprometidas pelo fato de se dirigirem ao universo de beneficiários, constituídos não por pessoas determinadas, mas pelo amplo círculo de todos quantos são ou venham a ser, empregados de uma empresa ou da própria Fundação.

Por contrariedade da referida norma constitucional, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para julgar a ação procedente, restabelecendo a sentença."

Esse foi o último acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal relativamente ao tema da imunidade tributária da Fundação Ruben Berta na vigência da Constituição anterior, já que foi prolatado em 30 de agosto de 1988 e a atual Constituição foi promulgada em 5 de outubro daquele mesmo ano.

Em face de inúmeras cobranças judiciais que vinham sendo ajuizadas pelas Prefeituras dos Municípios de Vitória e de São Paulo, visando a cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) sobre imóveis da Fundação Ruben Berta localizados naqueles municípios, destinados a áreas de lazer, requeremos administrativamente, comprovando os requisitos legais para tal, o reconhecimento de nossa imunidade tributária.

A Prefeitura de Vitória deixou de tributar nosso imóvel, reconhecendo a imunidade tributária que pleiteamos, nos seguites termos ( isso ocorreu em 1993):

"Antes de adentrar no mérito do requerido, vejamos o que dispõe a legislação em vigor, artigo 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição Federal:

"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

"c"- o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei."

Não estaria a requerente entre aquelas beneficiadas pela Constituição Federal, no entanto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o R.E. no. 9012, publicado na RTJ no. 87/684, decidiu:

"É instituição de assistência social entidade mantida por empresa para prestar gratuitamente serviços de assistência a diretores, empregados e dependentes destes, uma vez que além de preencherem os requisitos do art. 14 do C.T.N., auxiliam o estado na prestação de assistência social aos que necessitam dele, embora em áreas circunscritas."

Desta maneira, opinamos pelo Reconhecimento da Imunidade para o Imposto predial do imóvel de inscrição 06.03.050.1.0246.002, referente a área de lazer."

A Prefeitura do Município de São Paulo, de forma contrária, indeferiu a pretensão da Fundação Ruben Berta, sob a seguinte alegação: "a entidade não se enquadra como instituição de assistência social, por não atender a toda a coletividade sem restrição, conforme parecer Normativo da PMSP no. 1/81".

Em virtude de tal indeferimento, ingressamos, em 1992, com Ação Ordinária contra a Prefeitura do Município de São Paulo, visando o reconhecimento e declaração da imunidade tributária da Fundação relativamente ao IPTU incidente sobre o imóvel de sua propriedade, utilizado para área de lazer e conhecido como "Recreio Chuvisco", bem como a condenação da Municipalidade na devolução de todas as importâncias recebidas a tal título, devidamente corrigidas, acrescidas de juros, custas e honorários advocatícios.

Quando iniciamos nossa explanação sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar, dissemos que a atual Constituição acrescentou um parágrafo que era inexistente nas anteriores, qual seja, o par. 4o. do atual art. 150, que trouxe uma inovação restritiva ao reconhecimento da imunidade tributária das instituições de assistência social.

Tal par. 4o. diz que "as vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas."

Pois bem, a r. sentença que foi prolatada nessa ação, não obstante utilizando argumentos lógicos, concatenados e favoráveis à nossa tese, afastando, inclusive a malfadada distinção entre entidades abertas e fechadas, no sentido de que só as primeiras gozariam do benefício da imunidade, em sua parte decisória julgou improcedente a ação, com base estritamente naquele par. 4o. do art. 150 da Constituição Federal, por entender que o lazer não constitui finalidade essencial da Fundação Ruben Berta, não podendo ser considerado como de natureza assistencial.

Prestem muita atenção em alguns trechos da sentença que destacaremos, para verificar-se que tudo levava a crer que a nossa pretensão viesse a ser atendida.

Após transcrever o art. 150, VI- "c" e o par. 4o. da Constituição, diz a sentença:

"Esta imunidade consagrada constitucionalmente possui indisfarçável caráter SUBJETIVO, pois privilegia a "entidade e suas atividades ligadas à sua finalidade". Todo o acervo patrimonial que estiver umbilicalmente vinculado à entidade assistencial, se beneficia de desoneração fiscal.

Desta forma, a entidade assistencial se não possuir atividades que desvirtuem a sua finalidade, garante a benesse tributária para todos os seus bens e finalidades. De outra parte, se houver desvio de finalidade, a imunidade ficará restrita ao que permanecer como função essencial.

O desenho constitucional não nos autoriza a concluir que apenas as entidades assistenciais UNIVERSAIS é que se encontram amparadas por esta excepcional desoneração tributária.

O legislador constituinte não estabeleceu qualquer diferenciação, não sendo lícito ao intérprete fazê-lo.

Cumprindo os pressupostos enunciados no art. 14 do CTN, faz jus a entidade assistencial, à benesse fiscal, independentemente de seu caráter geral ou restrito a uma categoria ou segmento social.

A Fundação Ruben Berta, nos termos de seu estatuto, se destina a assegurar o bem estar dos funcionários da VARIG e de seus dependentes, mediante prestação de serviços médicos, dentários, farmacêuticos e hospitalares, a construção de casa própria e a concessão de empréstimos, o fornecimento de gêneros alimentícios e de refeições.

Estas atividades são efetivamente assistenciais e devem ser amparadas pela imunidade em discussão. NO ENTANTO, NO IMÓVEL SITUADO NA AV. LINO DE MORAES LEME, DENOMINADO RECREIO CHUVISCO, NOS TERMOS DA ATA GERAL ORDINÁRIA/90, ABRIGA UMA ÁREA DE RECREIO.

A FUNDAÇÃO PODE E DEVE PROMOVER ATIVIDADES QUE APERFEIÇOEM O ATENDIMENTO E O APOIO A SEUS ASSOCIADOS. PODE MANTER CLUBE E RESTAURANTE CAPAZ DE SERVIR A PREÇOS SUBSIDIADOS. TAL ATIVIDADE GUARDA, SEM DÚVIDA, ESTREITA AFINIDADE COM OS OBJETIVOS PRIMEIROS DA FUNDAÇÃO, MAS EM ABSOLUTO, PODEM SER TIDOS OU CONSIDERADOS COMO ASSISTENCIAIS.

EX POSITIS, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO, CONDENANDO A AUTORA AO PAGAMENTO DE TODAS AS DESPESAS DECORRENTES DO PROCESSO, E PAGAMENTO DE VERBA HONORÁRIA, QUE ARBITRO EM 10% DO VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA, CORRIGIDO DESDE O AJUIZAMENTO."

Como não podíamos concordar com tal, "data venia", absurda conclusão, ingressamos como recurso de Apelação para o 1o. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, cujo acórdão assim deixou consignado:

"Por primeiro, restou incontroversa nos autos a possibilidade de concessão de imunidade tributária, pois que, mesmo sendo entidade de assistência social privada, de abrangência restrita aos funcionários da Varig, tal circunstância não afasta o cumprimento dos requisitos legais pela apelante (ou seja, a Fundação)."

Após transcrever decisões a nosso favor proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, continua o acórdão:

"Destarte, indiscutível fazer jus a a apelante à imunidade tributária que lhe foi negada pela Municipalidade.

Avançando-se, agora, no tema restrito da apelação interposta, vê-se que o juiz rejeitou a pretensão porque no imóvel tributado está instalado um centro recreativo para uso dos funcionários, concluindo que esta atividade não está inserida no contexto de assistência social.

Todavia, como delineado no recurso da Fundação e nas razões do Ministério Público em ambas as instâncias, não merece ser mantida tal definição.

Com efeito, destina-se a Fundação Ruben Berta, consoante prevê seu estatuto social, a assegurar o bem estar dos funcionários da Varig e de seus dependentes, mediante a prestação de serviços médicos, dentários, farmacêuticos e hospitalares, a construção de casa própria e a concessão de empréstimos, fornecimento de gêneros alimentícios e de refeições.

Conquanto o lazer não esteja expressamente descrito como uma das atividades-objetivo da Fundação, resulta inegável que a mantença de um clube, destinado a práticas esportivas e recreação, favorecendo o convívio social dos beneficiários, configura atividade que, de forma induvidosa, acrescenta bem estar aos destinatários.

Evidencia-se , pois, que a destinação dada ao imóvel está inserida no conceito de assistência social definido em lei, assegurando, ainda, o bem estar dos funcionários da Varig, objetivo final da Fundação postulante."

Assim, nós ganhamos a causa, que se encontra, no momento, aguardando julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de recurso interposto Pela Municipalidade de São Paulo.

(1) Palestra proferida pelo Dr. Sergio De Lorenzi, Consultor Jurídico da Fundação Ruben Berta, em 18 de junho de 1998, no "3º Seminário para Membros do Colégio Deliberante da Fundação Ruben Berta"  (Volta ao texto)

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