Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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A IATA na Legislação Aeronáutica Brasileira

Helio de Castro Farias
Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial.
Professor de Direito Aeronáutico do Instituto de Aviação Civil.
Presidente do Comitê de Facilitação da IATA(1987/1989).
Assessor da Delegação do Brasil à ICAO World-Wide CNS/ATM Conference(1998).

1. Introdução.

1.1 – Podemos afirmar que a IATA(sigla da "International Air Transport Association") entrou na legislação aeronáutica brasileira pela porta da frente e foi convidada a tomar assento na sala de visitas onde permanece sentada em confortável poltrona por mais de cinco décadas e, ao que tudo indica, continuará fazendo parte do Direito Aeronáutico Brasileiro no próximo milênio.

1.2 Certo é que, desde 1946 quando foi firmado o primeiro Acordo Bilateral de Transporte Aéreo pelo Brasil(Acordo Aéreo Brasil/U.S.A.), as regras e os mecanismos sobre tarifas aéreas da IATA passaram a serem inseridas expressamente nos Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo assinados pelo Governo do Brasil; daí em diante não somente os preços das passagens e do transporte da carga aéreas mas também o conjunto das Resoluções de Tráfego da IATA passaram a reger a parte econômica dos acordos bilaterais e plurilaterais de transporte aéreo assinados pelo Brasil. Aparentemente nos idos 1946 não fora percebido, talvez por não haver outra solução mais indicada e também por ser adotada em outros países, que essa inclusão na nossa legislação interna viria afetar todo o sistema da comercialização do transporte aéreo internacional no Brasil, inclusive regulando e disciplinando as atividades dos agentes de viagens e de carga aérea internacional, obrigando e subordinando o exercício dessas atividades à uma regulamentação internacional sobre a qual não temos ingerência direta e em detrimento das regras internas emanadas do Departamento de Aviação Civil(particularmente no transporte de carga aérea), da Embratur e do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias(SNEA), visto que, sem o credenciamento da IATA essas atividades ficam inviabilizadas. Somente com a "deregulation" introduzida na política do transporte aéreo pela administração do então Presidente Jimmy Carter(U.S.A.), esses parâmetros no que dizem respeito aos preços e certas condições foram abrandados para admitir outros critérios formadores das tarifas aéreas(preços) internacionais, inclusive permitindo uma "controlada livre concorrência" entre as empresas aéreas designadas para operarem os serviços previstos nos acordos bilaterais e plurilaterais de transporte aéreo.

1.3 – Ao adotar o tarifário da IATA como regra oficial foi incorporado à nossa legislação aeronáutica não somente os preços mas todo o sistema econômico, financeiro e regulamentar resultante dos mecanismos das Resoluções de Tráfego da IATA, condição "sine qua non" para a aplicabilidade das tarifas, visto que o preço da passagem está inseparavelmente ligado a um universo de regulamentos, incluindo desde a comercialização, prazo de validade, condições gerais, etc. etc. etc. até a fiscalização.

2. Algumas informações sobre a IATA.

2.1 – A IATA é uma associação de direito privado com características "sui generis" visto que seus membros são em grande parte pessoas jurídicas controladas pelos respectivos governos, os quais são possuidores ou da maioria do capital votante ou, por meio de algumas modalidades de subsídios, indicam estar o controle indireto subordinado à uma entidade governamental; embora podendo ser classificada como uma associação não governamental, ou uma ONG, é na realidade uma associação quase(há exceções) intergovernamental.

2.2 Essa associação é sucessora da Air Traffic Association fundada em Haia, 1919, ano em que foi operado o primeiro serviço aéreo internacional regular. A atual IATA foi fundada em Havana, Cuba, abril de 1945, objetivando a cooperação entre as associadas para promover segurança, regularidade e economia no transporte aéreo em benefício dos usuários. A antecessora teve um desenvolvimento pequeno embora gradual até 1939 quando a empresa Pan American passou a ser uma associada dando maior dimensão à sua estrutura e organização; esse desenvolvimento foi ainda mais acentuado a partir de 1945 com o fim da segunda guerra mundial. Com a participação da Pan American a IATA passa a endossar a política de que não deveria haver competição de preço entre as empresas aéreas, a preferência deveria ser disputada pela qualidade do serviço oferecido ao público, pela rapidez, conforto, conexões, número de freqüências operadas, tipo de equipamento utilizado e/ou pela rota mais direta, política que perdurou por muito tempo em nossa legislação aeronáutica devido a aceitação das regras da IATA. Com essa política de competição controlada a Pan American cresceu até ser a segunda maior empresa aérea do planeta(pelo critério de passageiros/milhas voadas, a primeira era a Aeroflot de bandeira da ex-U.R.S.S.); fundou ou ajudou a fundar várias empresas filiadas em outros países e controlava boa parte das aquisições das aeronaves fabricadas nos Estados Unidos da América, inclusive recolocando equipamentos usados, exercendo influência junto aos Bancos oficiais para a concessão dos financiamentos, hipotecas e outras garantias creditístas e ainda participando do controle de empresas aéreas de capital misto, a bem da verdade, sempre estribada nos respectivos governos. Esse conjunto de empresas aéreas foi designado como Pan American World Airways System, Inc., pelo qual era evitada a competição direta entre os participantes desse sistema, bem como possibilitava o exercício da quinta liberdade como se fossem terceira e quarta liberdades. No Brasil foi criada a então Panair do Brasil S.A.(cuja falência foi decretada pelo Juízo da 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro em fevereiro de 1965) para, além do tráfego doméstico, operar a rota América do Sul\ Europa/Oriente Médio, da qual a Pan American não participava, entretanto, a Panair do Brasil estava "impedida" de voar para os Estados Unidos da América para não competir com a Pan American. No Hemisfério Ocidental a rota do Atlântico Sul era operada pela Pan American, a do Pacífico pela afiliada Pan American Grace Line e restando para Panair do Brasil as rotas do Brasil para Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Perú pois os outros segmentos eram exclusivos da própria Pan American, tais como, U.S.A., Venezuela, Colômbia, Trinidad, México e demais países da América Central e Caribe, sendo essa exclusividade decorrente do "desinteresse" da Panair do Brasil em concorrer com a Pan American, inclusive no filé mignon que era rota Rio de Janeiro-New York e Rio de Janeiro para a costa do Pacífico dos Estados Unidos da América com prolongamento para o Oriente, ao depois operada pela p empresa brasileira denominada REAL S/A.

2.3 –A partir da vigência da Convenção da Aviação Civil Internacional(1944), entre outros relevantes aspectos técnicos operacionais, foram resolvidas as questões da soberania do espaço aéreo(pelo menos até o lançamento do primeiro "Sputinik") e das liberdades do ar, porém, no âmbito das relações comerciais e da economia do transporte aéreo internacional nada foi decidido pelos Governos signatários dessa Convenção Internacional. Na ausência de uma regulamentação internacional a nível governamental para esse assunto foi o mesmo aberto às negociações bilaterais entre os Estados Contratantes participantes da Organização da Aviação Civil Internacional(OACI), uma Agência Especializada da Organização das Nações Unidas(ONU), fundada logo após ser concluída a Convenção da Aviação Civil Internacional(Chicago, 1944).

2.4 - Já ao término da primeira guerra mundial(1918), ao menos entre os países do ocidente, havia um consenso de que a aviação representava um importante fator para o desenvolvimento da economia dos países possuidores da tecnologia e recursos para operar serviços aéreos, bem como prevalecia o entendimento de que esse desenvolvimento para o benefício coletivo da humanidade deveria ser regulado com um cunho internacional, assim, desde seu início, a aviação civil teve um tratamento globalizado, a fim de, em tese, melhor servir a comunidade internacional.

2.5 Como registro histórico cabe mencionar que a Convenção da Aviação Civil Internacional(Chicago, 1944) substituiu, entre os Estados signatários da mesma, as Convenções de Paris(1919), que regulamentou a navegação aérea internacional e a de Havana(1928), sobre a aviação comercial; esses Atos de Direito Internacional Público mantinham o princípio de que essas matérias deveriam serem regulamentadas de forma a abranger o planeta como um todo.

2.6 Diante da omissão de regras vinculadas ao Direito Internacional para fixação das tarifas aéreas(preço da passagem) e "vis-à-vis" a aceitação da política de que a competição de preço era perigosa no transporte aéreo(segurança do serviço, "dumping", etc.), coube à IATA oferecer, na ocasião, valiosa contribuição para o estabelecimento das tarifas(preços) oficiais e outros procedimentos de tráfego a serem aplicados no transporte aéreo internacional. Entre outros países, o Brasil foi atrelado à essa conceituação de política econômica e, cada vez mais, as regras da IATA eram mantidas incorporadas ao nosso Direito Aeronáutico, pela via dos Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo e de outros Atos do Poder Executivo nessa mesma linha de orientação política.

2.7 – A IATA embora sendo uma associação(organização) não governamental(ONG) criada para cooperar com a Organização da Aviação Civil Internacional e regular o transporte aéreo internacional operado pelos seus membros, objetivando segurança, economia e eficiência, tem, na realidade, efetiva participação governamental visto que, muitas empresas membros serem empresas governamentais, como, entre outras, as empresas aéreas designadas para operara os serviços aéreos internacionais de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Holanda, Países Escandinavos(SAS), Áustria, Polônia, Bélgica, Suiça, grupo de Países Africanos(AIR AFRIQUE), Austrália, Filipinas, Perú, Colômbia, México e Argentina, resultando um domínio indireto dos governos na política e decisões tomadas pela IATA. Atualmente a IATA mantem duas sedes, uma em Montreal( que foi a inicial e localizada nessa cidade devido a sede da OACI ser também em Montreal) e outra em Genebra, devido o número de empresas membros com sede na Europa Ocidental e, obviamente, por questões monetárias. A IATA é dirigida por um Comitê Executivo que elege um Diretor Geral com função de executar a política emanada desse Comitê Executivo; o seu órgão máximo é a Assembléia Geral que elege os membros do Comitê Executivo( em geral procurando atender os critérios da representação geográfica e a participação de grandes e pequenos transportadores, tomando por base o número de quilômetros voados e/ou passageiros/quilômetros transportados) e determina as diretrizes a serem observadas pelo Comitê Executivo e o Diretor Geral.

2.8 – A fixação das tarifas aéreas internacionais e a aprovação de outras Resoluções de Tráfego(*) de aplicação obrigatória entre as empresas membros, decorria do critério da unanimidade, procedimento que assegurava o direito de veto a qualquer membro que se julgasse prejudicado e resultando para aprovação das tarifas aéreas internacionais e demais Resoluções de Tráfego exigir uma ampla negociação entre os membros da IATA. Essa negociação sempre dinâmica é realizada ao menos duas vezes por ano nas chamadas Conferências de Tráfego, das quais podem participar todos os membros. Aprovadas as tarifas e as regras de tráfego são esses valores e regras, de imediato, incorporados à lei interna dos países que as incluíram nos seus respectivos acordos de transporte aéreo, não obstante existirem certas exigências de ordem burocráticas a serem cumpridas junto às administrações de aeronáutica civil, nas quais se incluem a do Brasil.

2.9 – Nas Conferências de Tráfego são votadas as tarifas(de passageiro e de carga aérea) e outras matérias, tais como e principalmente as questões relacionadas à designação de agentes autorizados a representar as empresas aéreas na comercialização das passagens e emissão dos conhecimentos de carga aérea(airwaybill).

2.10 – Até bem pouco tempo, com raras exceções, a maioria das empresas designadas pelos governos nos acordos de transporte aéreo eram estatais(maioria do capital votante pertencendo a esses governos) ou recebiam significativa subvenção governamental, como ocorreu no Brasil até 1970, o que implicava indiretamente na participação desses governos na IATA. Dessa forma a rentabilidade operacional não era tão importante como o prestígio do país possuir uma empresa de transporte aéreo internacional, escritórios bem localizados nas principais cidades do exterior e, com destaque, as facilidades que transporte aéreo proporcionava; um capítulo inteiro poderia ser escrito sobre os chamados vôos inaugurais, nos quais as regras da IATA permitiam oferecimento de passagens grátis e muitas outras mordomias. Durante anos o Brasil acolheu a doutrina pela qual a frota aérea comercial tinha forte conotação na segurança nacional pois podia ser convertida(requisitada) para o transporte de tropas, portanto o investimento na aquisição de aeronaves comerciais trazia benefício à segurança nacional; diante desse critério as empresas aéreas brasileiras praticamente adquiriram quase todos os modelos de aeronaves de uso comercial ou com possibilidade de adaptação para esse uso, disponíveis no mercado internacional, entre outras, aeronaves de fabricação francesa, inglesa e até japonesa . Nesse quadro do transporte aéreo internacional a IATA era uma solução adequada para os aspectos comerciais, considerados de importância relativa, sendo reservados para os governos as negociações sobre os direitos de tráfego, 5ª liberdade, capacidade, oferta, quadro de rotas, equipamentos, etc.

2.11 – O vínculo da IATA com a empresa Pan American(originariamente NYRBA, sigla de New York, Rio e Buenos Aires) decorre do interesse que tinha a Pan American em fundar empresas filiadas em diversos países, como ocorreu, entre outros, no Brasil, Perú, Colômbia, Panama, Honduras, México, Filipinas e Paquistão, formando o então Pan American World Airways System, Inc. Todas essas empresas, embora com personalidade jurídica autônoma estavam subordinadas à matriz e nessa condição deviam respeitar as regras emanadas da IATA, objetivando evitar uma concorrência danosa entre elas. Esse vínculo, além de outros benefícios, trazia a vantagem da tecnologia desenvolvida pela Pan American a um custo razoável e o prestígio de participar do "System".

3. A IATA no Direito Interno do Brasil.

3.1 – Como afirmado no início da presente análise, a IATA marcou presença no nosso Direito Interno a partir dos acordos bilaterais de transporte aéreo firmados pelo Brasil; ao ser baixado o Decreto Executivo aprovando o acordo firmado o mesmo era inserido no nosso Direito Interno, ou seja, passava a ser obrigatório seu cumprimento e lá estava a IATA comandando o assunto.

3.2 – Para pronta referência reproduzimos a seguir trechos pinçados dos Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo entre Brasil e Estados Unidos da América(1946), Brasil e Reino Unido(1946) e Brasil e Chile(1947), nos quais a IATA é expressamente mencionada pelas Partes Contratantes:

3.3

Acordo Brasil/Estados Unidos:

"d) – O "Civil Aeronautics Board" dos Estados Unidos da América, tendo aprovado pelo prazo de um ano, a começar em fevereiro de 1946, o mecanismo da conferência de tráfego da "Associação Internacional de Transportes Aéreos"(doravante denominada I.A.T.A.), os acordos sobre tarifas concluídos segundo aquele mecanismo durante o aludido prazo e que interessem às empresas aéreas dos Estados Unidos da América, serão submetidos à aprovação do aludido "Civil Aeronuatics Board". Os acordos sobre tarifas concluídos por intermédio do referido mecanismo poderão igualmente ser submetidos à exigência de aprovação pelas autoridades dos Estados Unidos do Brasil, por força dos princípios enunciados no parágrafo b, supra."

Acordo Brasil/Reino Unido:

"d)- O Governo dos Estados Unidos do Brasil, não tendo ainda aprovado o mecanismo da conferência de tráfego da "Associação Internacional do Transporte Aéreo"(doravante denominada I.A.T.A.) os acordos sobre concluídos segundo aquele mecanismo que compreenderem empresas aéreas designadas pelo Estados Unidos do Brasil, serão submetidos à aprovação de suas autoridades aeronáuticas, segundo as condições estabelecidas no subparágrafo "b" acima."

Acordo Brasil/Chile(1947)

Anexo IV item "d"

d) As recomendações da Associação Internacional de Transporte Aéreo(I.A.T.A.) serão tomadas em consideração para afixação das tarifas.

3.4 - Como as Resoluções de Tráfego da IATA, entre outros assuntos, também regulavam as condições gerais do contrato de transporte aéreo, o texto desses referidos documentos são submetidos ao Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica para aprovação e uma vez aprovado por Portaria Ministerial ou outro Ato passava a viger no Brasil, marcando continuada presença da IATA na legislação aeronáutica brasileira.

3.5 – Por meio desse mecanismo as Resoluções de Tráfego da IATA passaram a regular, entre outras matérias, as tarifas aéreas internacionais, as condições gerais do transporte aéreo internacional, modelos dos formulários utilizados e as regras de comercialização direta e indireta pelos agentes de viagens e de carga credenciados pela própria IATA. A não observância dessas regras, a inadimplência e aplicação de tarifa em desacordo com a publicada pela IATA podia significar para o infrator pesadíssimas multas e até o descredenciamento. Um sofisticado sistema foi desenvolvido para exercer a fiscalização do cumprimento dessas regras por parte das empresas aéreas e pelos agentes credenciados pela IATA; "test ticket", "laranjas" e outras modalidades de fiscalização foram usadas para detectar as infrações. Além das regras comerciais aos agentes credenciados cabia atingir metas de vendas sob pena de descredenciamento determinado por um "Arbitration Board" composto por um membro indicado pela IATA, outro pelo agente envolvido e um terceiro escolhido de comum acordo entre a IATA e o agente; na falta de acordo o terceiro membro era indicado pela Câmara Internacional de Comércio. Tal procedimento draconiano implicava praticamente na cessação das atividades e, de acordo com o contrato de agenciamento, essa decisão era final e irrecorrível, mesmo para o âmbito da Justiça comum.

3.6 – A atuação da IATA no Brasil expandiu-se para regular e centralizar a prestação de contas dos agentes credenciados, com a adoção do sistema de pagamento bancário e de um bilhete de passagem padronizado e descaracterizado individualmente, apenas identificado pelo uso de uma plaqueta na emissão, a qual é feita com máquina semelhante à usada para emitir a boleta do cartão de crédito ou por meio de computador.

3.7 - Na década de 1960 a IATA foi autorizada a estabelecer no Brasil sua sede regional da Diretoria Técnica para América do Sul e Caribe, a qual chegou a ser cogitada para receber o "status" diplomático do Ministério das Relações Exteriores.

3.8 – A partir da década de 1970 com o surgimento e crescimento das empresas nâo IATA na área da Ásia(os chamados tigres asiáticos) surgia nova modalidade de competição, incluindo preço e qualidade do serviço, que obrigou a IATA rever certas regras, a fim de possibilitar competir com essas "non IATA carriers"; preços mais baixos, oferecimento de bebidas alcoólicas na classe turística e outras facilidades são permitidas em certas rotas. A guerra dos sanduiches marca uma etapa na liberação dos serviços da classe econômica para competir com os da primeira classe(com bastante criatividade o sanduiche da classe econômica torna-se uma refeição tão sofisticada como à oferecida na primeira classe).

3.9 – Em meados da década de 80 é decretada a falência da Pan American quando a totalidade das empresas filiadas já haviam sido desligadas da casa matriz, inclusive a Panair do Brasil S.A. cuja falência havia sido decretada pelo Juízo da 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro em 1965. Entretanto, a IATA continua viva e ainda representa uma necessidade para preencher lacunas deixadas pelo poder público na ordenação do transporte aéreo internacional.

3.10 –Entre os benefícios da IATA, merece destaque o Clearing House que atua como uma Câmara de Compensação Internacional para liquidação dos créditos e débitos das empresas, usando dezenas de moedas e valores cambiais; também no campo técnico operacional a IATA contribui efetivamente com os governos e a OACI na regulamentação dos procedimentos mandatórios para a segurança do vôo.

3.11 – Embora excluída de alguns acordos bilaterais a IATA continua participando direta e indiretamente da nossa legislação aeronáutica.

3.12 – Na parte relativa ao transporte de carga a IATA reina absoluta tendo presente que seus regulamentos editados para o transporte de animais vivos ou mortos, armas, munição, material ácido, tóxico, químico, corrosivos, explosivos, combustíveis, material nuclear ou com componentes nucleares, bem como qualquer outro material que possa causar danos previsíveis à aeronave e que não estejam expressamente cobertos pelo seguro constituem regras oficiais em muitos países.

3.13 – Essa influência da IATA no transporte aéreo comercial tende a se expandir ainda mais com a introdução das regras sobre o bilhete eletrônico(Electronic Ticket), documento com várias finalidades(Multiple Purpose Document), "Electronic Miscellaneous Documents", "Paper Less Travel" e outros empregos da eletrônica e informática na comercialização e controle do transporte aéreo comercial.

3.14 – Aparentemente muitas administrações de aviação civil, inclusive a do Brasil, continuarão aprovando os procedimentos desenvolvidos pela IATA, a fim de acompanhar o progresso nesse específico campo. A IATA dispõe da tecnologia a custo razoável devido o rateio entre seus membros, bem como suas Resoluções representam, no mínimo, a média da opinião dos seus membros, entre os quais estão as empresas designadas pelos governos para explorar o transporte aéreo internacional.

4. Da conclusão.

4.1 – É evidente que sem uma dispendiosa infra-estrutura o Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica não tem condição de analisar detalhadamente as Resoluções e Práticas Recomendadas da IATA aprovadas semestralmente; sua aceitação deve ser louvada na inexistência de inconvenientes explícitos e de recusa manifestada por parte dos membros brasileiros da IATA, assim, outra função não cabe ao DAC senão carimbar o "Aprovo".

4.2 – Entretanto, com o advento do nosso Código de Defesa do Consumidor algumas Resoluções da IATA passaram a conflitar com o nosso Direito Interno.

4.3 - As questões sobre "no-show", "overbooking", indenizações, perda e extravio de bagagem e carga, entre outras, tem sido objeto de decisões dos nossos Tribunais contrariando regras da IATA, mesmo quando consignadas nas condições gerais do transporte. A desatualização do sistema de Varsóvia tem possibilitado a construção de uma jurisprudência nacional desvinculada dos mecanismos da IATA e indicando que esses mecanismos devem ser revistos para prestigiar o direito do consumidor ora amplamente consagrado na lei.

4.4 - Evidentemente que na década de 1940 não era previsível o avanço da tecnologia aplicada ao transporte aéreo nem a dimensão e velocidade do seu crescimento e as conseqüências econômicas derivadas. À época a aceitação das regras da IATA representavam o preenchimento de lacuna existente na economia do transporte aéreo internacional, entretanto, a partir dos anos 60 a massificação dessa modalidade de transporte, a participação indireta de vários governos na IATA e os reflexos no Direito Interno dos países passaram nortear a imperiosa necessidade da intervenção do poder público para regular o detalhamento do transporte aéreo internacional, que na atualidade, entre outros assuntos, já inclui a proibição do tabagismo, a limitação do consumo de bebidas alcoólicas, comportamento dos passageiros e novos conceitos de certas Convenções Internacionais.

4.5 - Sem dúvida o assunto IATA na legislação aeronáutica brasileira constitui um campo a ser regulamentado pelo poder público de modo independente e soberano mas sem desconhecer a característica da internacionalidade que é intrínseca ao transporte aéreo, para poder contribuir para seu desenvolvimento em benefício dos seus usuários.

4.6 – É preciso ter em mente que os tempos mudaram, não mais prevalece a política nacional de que somente uma empresa aérea brasileira podia ser designada para operar determinado serviço internacional pois na atualidade é aceita a competição até entre empresas da mesma bandeira em todos os serviços internacionais. A fixação das tarifas deixa de ser estabelecida somente pelas planilhas de custos para acolher o elemento competição e, principalmente, as condições de marketing vigentes. Essa mudança dos tempos nos levam inexoravelmente às mudança das regras comerciais para enfrentar o desafio de uma nova ordenação do transporte aéreo internacional de modo a assegurar o tão propalado benefício dos usuários. Nesse novo ordenamento há espaço para a contribuição da IATA desde que subordinada ao interesse público.

Nota:

(*)  Houve época que na regulamentação interna do Brasil o termo „tráfego aéreo" era usado para referir-se ao movimento da aeronave no espaço aéreo e o termo „tráfico aéreo" para a comercialização do transporte aéreo, terminologia não mais seguida atualmente.  (Volta ao texto)

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