Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
CRIMES FALIMENTARES
Flávia Ramos Galvão
1. A FALÊNCIA
1.1.O Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, dispõe sobre a Lei de Falências. Em
seu artigo 1º, o mesmo decreto-lei caracteriza o falido como "...o comerciante
que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida,
constante de título que legitime a ação executiva."
1.2.O decreto-lei manteve e acentuou a tradição do direito brasileiro, filiado ao
sistema latino, no sentido de que o instituto da falência é peculiar à classe dos
comerciantes. Assim sendo, falido, somente o comerciante pode ser, ou, falecendo ele, o
seu espólio, conforme dispõe o art. 3º, I da LF. Pouco importa, contudo, a natureza da
obrigação, não se distinguindo entre as civis e as mercantis, porque tal distinção,
como é pacífico em doutrina, não tem nenhum sentido em face da unidade do patrimônio
do devedor.
2. DOS CRIMES FALIMENTARES
2.1.Se antes ou depois de decretada a falência o falido praticar certos atos previstos no
decreto-lei, como por exemplo o desvio de bens, ou qualquer ato fraudulento de que resulte
ou possa resultar prejuízo aos credores, poderá ele ser processado criminalmente.
Poderão ser também incriminados vários outros participantes do processo falencial
(arts. 186 a 199 LF).
2.2.Na prática, a grande maioria dos processos penais falimentares tem girado em torno
dos arts. 186, IV (irregularidade nos livros obrigatórios), 186, VII (ausência de
rubrica do juiz nos balanços), 188, I(simulação de capital), e 188,III(desvio de bens),
nessa ordem, com enorme preponderância do tipo citado em primeiro lugar.
2.3.Entende-se, unanimemente, que é obrigatório o Diário. E muitos julgados
entendem que são também obrigatórios o Registro de Duplicatas, se houver vendas
com prazo superior a 30 dias, o Registro de Compras, que pode substituído pelo
Registro de Entrada de Mercadorias, e o Registro de Inventário. Podem os livros
ser substituídos por registros em folhas soltas, por sistemas mecanizados ou por
processos eletrônicos de computação de dados.
2.4.Em regra, para os fins da lei comercial, a jurisprudência não menciona como
obrigatórios os demais livros fiscais e trabalhistas.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES FALIMENTARES
3.1.Relativamente ao sujeito do crime falimentar, pode-se tratar de crimes próprios ou
impróprios. Os crimes próprios são aqueles que só podem ser cometidos por uma
determinada categoria de pessoas, pois pressupõem no agente uma particular condição ou
qualidade pessoal. O crime próprio pode exigir do sujeito uma particular condição
jurídica (por exemplo acionista, funcionário público); profissional (por exemplo
comerciante, empregado, médico); de parentesco (por exemplo pai, mãe); ou natural (por
exemplo gestante, homem). Nesse sentido, os crimes falimentares são aqueles praticados
pelo falido ou pelo representante legal da sociedade falida.
3.2.Por outro lado, os atos criminosos praticados por outras pessoas envolvidas na
falência que não o falido - síndico, escrivão, perito, contador, juiz,
representante do Ministério Público, oficial de justiça, escrevente constituem
os crimes impróprios, ou comuns, que são aqueles que podem ser praticados
por qualquer pessoa.
3.3.No que se refere ao momento do crime falimentar, são pré-falimentares os atos
criminosos praticados antes da decretação da falência, e dos quais também se pode ter
conhecimento através de ação revocatória. Os crimes pós-falimentares são
praticados, portanto, após a decretação da falência.
4. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO POR SUA OBJETIVIDADE
4.1.Muito discute a doutrina sobre a natureza dos crimes falimentares, de modo que ainda
não se obteve uma unanimidade quanto ao tema. As diversas opiniões variam em classificar
o delito falimentar como crime contra a fé pública, outros consideram como sendo crime
contra a economia pública, há ainda aqueles que sustentam a tese de se tratar de crime
contra a administração da justiça, crime contra o patrimônio, crime contra o
comércio, e ainda os mais cautelosos sustentam ser crime pluriobjetivo.
4.2.O Prof. Oscar Stevenson, em sua obra Do Crime Falimentar, afirma que os crimes
falimentares ensejam a idéia de crime contra o comércio, vez que não se dirigem à
propriedade do credores, e sim à do próprio falido. Alega também que a falência dolosa
abala a confiança pública, trazendo prejuízo aos interesses sócios-econômicos.
4.3.A posição do Prof. Landrove Diaz é de que a falência criminosa é um delito contra
a administração da justiça. Concorda o doutrinador Nuvelone, que, em sua obra II
diritto penale del fallimento, expõe: "se as normas incriminadoras encontram a
sua base em um pressuposto concursal e, isto, nas concepção dos credores como massa
e não como simples indivíduos, isto significa que o interesse jurídico imediatamente
lesado é um interesse publiscístico-processual: o que exclui, naturalmente, que sejam
necessariamente lesados interesses patrimoniais, sendo, de outra parte, evidente que o
interesse processual, por sua natureza, é a defesa de um bem substancial".
4.4.Por fim, alguns doutrinadores como o Prof. Sady Cardoso de Gusmão e Rubens Requião
atribuem aos crimes falimentares a natureza de crime pluriobjetivo, pois a lei falimentar,
em seus artigos 186 a 190, mescla delitos contra a fé pública, contra o comércio e a
economia, contra a administração da justiça e contra a propriedade.
5. CRIME DE DANO OU DE PERIGO?
5.1.Outra discussão que se faz necessária no estudo da lei falimentar em seu âmbito
penal, refere-se à classificação de crime de dano ou crime de perigo. Sabe-se que
crimes de dano são aqueles que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico.
Exs.: Homicídio, lesões corporais, etc. Isso porque uma vez caracterizado o dano,
haverá a modificação do mundo exterior, resultando em perda ou diminuição de um bem
ou um interesse humano.
5.2.Destarte, os crimes de perigo são aqueles que se consumam apenas com a possibilidade
do dano. Exs.: perigo de contágio venéreo, rixa, incêndio, etc. O perigo se configura
em uma modificação do mundo exterior, voluntariamente causada ou não impedida (ação
ou omissão), contendo a capacidade de produzir a perda ou diminuição de um bem.
5.3.Assim, nos crimes de dano, a ação ou omissão provocarão, efetivamente, um dano ou
uma lesão; nos crimes de perigo, basta a possibilidade de dano ou lesão para que seja
configurado o ilícito penal. Essa possibilidade de dano é criada através de uma ação
ou omissão do agente dano potencial.
5.4.Analisando a divergência doutrinária, para aqueles que tomam a posição a favor da
caracterização do delito como crime de dano, a explicação decorre do fato de os crimes
falimentares serem punidos não apenas em razão do perigo, vez que a punição depende
efetivamente da falência. Por esse motivo, punidos como são dependentes de decretação
da falência após a verificação do dano e decorrido o perigo, falha seria a lei no seu
caráter preventivo, pois seria mais prático punir o devedor logo que este pusesse em
risco os direitos dos credores.
5.5.Em contrapartida, o Prof. Oscar Stevenson sustenta, em suas próprias palavras: "Em
todos os delitos falimentares o evento é de perigo, determinado por culpa ou dolo de
perigo. Num caso ou noutro, perigo para o comércio e para a economia pública."
5.6.Na realidade, a Lei de Falências contém figuras delituosas caracterizadas como
crime de dano ao lado de crimes de perigo, o que denota a complexidade dos crimes
falimentares.
6. A UNIDADE DO CRIME FALIMENTAR
6.1.Os autores não discutem quanto a unidade do crime falimentar. Há unidade do
desígnio quando resulta de um complexo de linhas representativas de várias infrações,
que se harmonizam na identidade do fim, de modo que, cada uma perde a sua autonomia para
parecer um fragmento do todo. Opera como se cada crime constituísse fase de execução de
apenas um comportamento delituoso. As várias violações apresentam-se na consciência do
agente como uma unidade delitiva, como um fato único que se projeta em um fim
específico.
6.2.Daí poder-se dizer que o crime falimentar absorve os crimes antes praticados para
garantia da execução de um único delito, configurado na Lei Falimentar.
6.3.Há, nesse sentido, vários julgados que confirmam a tese supra mencionada.
Transcreveremos abaixo, apenas a título de ilustração, um julgado do Tribunal de
Justiça de São Paulo:
CUMULAÇÃO DE PENAS de reclusão e detenção. Pretendida nulidade de sentença.
Incoerência. Crime falimentar.
Quanto à argüição de nulidade da sentença por imposição cumulativa de penas de
reclusão e detenção, certo é que tal procedimento não tem sido havido como acertado.
A unidade do crime falimentar leva à aplicação tão-só da pena relativa à infração
mais grave (RT, vol. 329/203).
A sentença que contempla as duas penas, todavia não é nula. Pode-se conceder que seja
sentença errada, suscetível da correção pelas vias adequadas. Mas o excesso não a
contamina, eivando-a de nulidade, mesmo para os que admitem que a pena deve ser una. Pelo
motivo apontado, a correção se restringiria ao cancelamento de pena mais leve, que o
paciente pode obter em recurso próprio. Talvez mesmo em "habeas-corpus", se
impetrado com esse objetivo. Na espécie, como o paciente deseja apenas a declaração da
nulidade da sentença, sem pretensão de correção do eventual excesso, a ordem é ser
denegada. CCCr do TJ/SP, v.u. em 25-VI-1968, RT-397/71, h.c. nº 95.879.
6.4.Ainda no mesmo sentido, o STF, em decisão plenária, fixou o princípio da absorção
do estelionato pelo crime falimentar de que o acusado foi absolvido. (Hab. Corp. nº
42.525, CE, in RTJ, 35/474).
7. PRESSUPOSTO DA PUNIBILIDADE DO CRIME FALIMENTAR
7.1. sentença de falência a punibilidade dos crimes falimentares é
subordinada à condição objetiva da falência. Em conseqüência, a sentença
declaratória da falência constitui uma condição de processibilidade do delito
falimentar, sendo também uma condição objetiva que caracteriza esse delito, de modo
que, sem a declaração judicial da falência, inexiste o crime falimentar.
7.2.Pode-se deduzir desse axioma jurídico que a reforma da sentença declaratória de
falência extingue a punibilidade do sujeito. Além disso, parece-nos, a princípio, que o
sujeito ativo do crime falimentar sempre será um comerciante. Porém, tal afirmativa,
embora genérica, não é absoluta, vez que pessoas não comerciantes podem incidir nas
sanções penais falimentares, não somente como co-autores, mas também como autores,
como é o caso do contador, que por determinação do empresário, frauda a escrita
contábil, e na hipótese do art. 189,I da LF.
7.3.Além disso, poderá ser sujeito ativo do crime falimentar o não-comerciante, como é
o caso dos diretores, administradores, gerentes ou liquidantes, que conforme o art. 191,
são equiparados ao devedor ou falido, para os efeitos penais previstos na LF.
7.4.Retornando ao foco do assunto, sem a declaração de falência, não há crime. A
insolvência do devedor é um estado econômico de fato, que passa a constituir um estado
de direito com o reconhecimento judicial declaratório, surgindo o estado de falência.
7.5.Nesse sentido, importa salientar que não compete ao juízo criminal indagar da
sentença civil do juízo falimentar. Na realidade, a sentença declaratória da quebra é
o elemento jurídico e ponto de referência para todos os efeitos civis e penais do estado
de direito que dela decorre.
7.6.Há, no entanto, uma hipótese em que o crime falimentar independe da sentença
declaratória para configuração do ilícito penal. Decorre do art. 143, parágrafo
único da LF, no que tange aos embargos à concordata preventiva, que considera fundamento
para os embargos a ocorrência de fato que caracterize crime falimentar.
7.7.Apenas nesse caso, o juiz considerará a possibilidade de existência de crime
falimentar, para negar a concordata preventiva. Trata-se de uma situação anormal, e por
isso mesmo os fatos incriminados devem parecer aos olhos do juiz com grande intensidade,
pois ele antecipa, com o reconhecimento do ato criminoso, a declaração da falência.
Daí a prova da existência do crime dever ser robusta, concludente.
7.8.Por fim, importante salientar que a falência por si somente não se caracteriza em um
delito. Mas se a falência não é, em si, crime, é conditio sine Qua non do crime
falimentar.
8. A TENTATIVA NOS CRIMES FALIMENTARES
8.1.Sabe-se que a tentativa é a execução iniciada de um crime, que não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente (CP, art. 14, II). Assim, é necessário que
o começo da execução de crime esteja em relação de coexistência com a punibilidade
do fato, se consumado for.
8.2.Para os doutrinadores adeptos da admissibilidade da tentativa, o falido que tentar a
prática de qualquer ato nulo incide nas penas de tentativa, que serão as de falência
culposa ou fraudulenta, conforme dispuser o caso.
8.3.Reputa-se esse pensamento aos doutrinadores que caracterizam o crime falimentar como
de perigo. As explicações se voltam no sentido de que se o delito é de evento perigoso,
desvale toda e qualquer tentativa, pois a tentativa é essencialmente delito de perigo,
tornando-se absurdo impor um perigo a outro perigo.
9. SUJEITO ATIVO E PASSIVO
9.1.Conforme dito anteriormente, os atos que configuram crime falimentar podem aparecer
antes ou depois da declaração judicial da falência. Nesse sentido, nos crimes
ante-falimentares, o devedor será sempre o sujeito ativo. A responsabilidade penal de
outros agentes, no entanto, poderá ocorrer na forma de participação, devendo ser
aplicadas as regras da co-autoria. Nos crimes pós-falimentares, o sujeito ativo poderá
ser tanto o falido como qualquer outra pessoa, inclusive o síndico, o juiz, o perito,
etc. (arts. 189, IV e 190 LF).
9.2.Saliente-se que a pessoa jurídica não sofre, em nosso direito, nenhuma imputação
criminal, devendo ser atribuída a responsabilidade aos diretores, sócios, gerentes ou
liquidantes, que tiverem praticado o ato delituoso, dele participado, ou para ele
concorrido.
9.3.A princípio, o sujeito ativo é o credor. O falido pode ser sujeito passivo, desde
que um terceiro pratique o ato delituoso que fira seu interesse protegido pelo direito.
10. PRESCRIÇÃO EXTINTIVA DOS CRIMES FALIMENTARES
10.1.O artigo 199 da LF dispõe sobre o prazo prescricional dos crimes falimentares, que
se opera em dois anos. A divergência começou a ser criada relativamente à contagem do
prazo prescricional.
10.2.O STF sustentava que, para a fixação do início do prazo de prescrição mister se
impunha a sentença de encerramento da falência. Assim, estatuiu que a prescrição só
correria da data em que transitasse em julgado a sentença que encerrasse a falência.
10.3.No entanto, esse julgamento sofreu alguns embates de doutrinadores mais liberais,
inspirados pelo ideal de eqüidade, vez que sendo os processos de falência extremamente
morosos, dificilmente conseguir-se-ia o seu encerramento no prazo determinado pelo art.
132, parágrafo 1º, ou seja, em dois anos.
10.4.Assim, estendendo-se o processo de falência por anos, o prazo prescricional era
dilatado indefinidamente. Passou-se, então, a sustentar que o prazo prescricional de dois
anos se iniciava no dia em que deveria estar encerrado o processo de falência, isto é,
dois anos após a sentença declaratória de falência, salvo caso de força maior,
devidamente comprovado.
10.5.Inicialmente, o STF opôs-se a esse entendimento, mas a uniformidade da
jurisprudência dominante foi aos poucos sendo abalada, vindo a surgir acórdãos
divergentes, no sentido de que o prazo prescricional se conta a partir do dia em que o
processo da falência deveria estar legalmente encerrado, desde que não tivesse ocorrido
caso de força maior.
10.6.Finalmente, extinguiu-se a controvérsia com a inclusão da Súmula nº 147 do STF,
ditando a regra de que o termo inicial da prescrição nos crimes falimentares corre do
dia em que deveria estar encerrada a quebra.
10.7.Assim, se houver sentença de encerramento antes de dois anos da declaração da
falência, o prazo prescricional do crime falimentar inicia-se da data em que aquela
sentença passou em julgado. Se decorrido o prazo de dois anos, sem que haja sentença de
encerramento de falência, a prescrição criminal tem o seu início a contar do dia em
que aquela sentença deveria Ter sido proferida, ou seja, dois anos após a sentença
declaratória da falência.
10.8.Relativamente à prescrição da condenação em crime falimentar, como a Lei de
Falências é omissa, seguem-se as regras estabelecidas no Código Penal. Com isso, se
dentro do prazo de dois anos foi apresentada a denúncia do crime falimentar, conta-se a
prescrição da data da denúncia, em vista de ser a denúncia causa interruptiva da
prescrição (art. 117, I, do CP).
10.9.Em resumo, na esfera falimentar, a prescrição extintiva da punibilidade, ao
contrário de adotar as regras penais comuns pertinentes, adota o prazo prescricional de 2
(dois) anos, que, note-se, independe do prazo estipulado para a pena privativa de
liberdade. Além disso, a data da consumação do delito não importa para a contagem da
prescrição extintiva da punibilidade, o que vale dizer que tal prescrição não será
admitida antes da sentença condenatória.
11. CRIMES CULPOSOS
11.1.O art. 186 da LF enumera as hipóteses em que o devedor é punido com detenção de
seis meses a três anos, quando concorrer com a falência alguns dos fatos ali descritos.
Analisando especificamente as figuras legais, temos que:
a) inc. I neste inciso descriminam-se os gastos pessoais ou de família do falido,
excessivos ao seu cabedal. Os gastos pessoais de todo o sujeito prudente se contém dentre
de suas possibilidades financeiras. Aqui, os gatos manifestamente excessivos configuram o
ilícito falimentar, desde que venha a existir a falência. O conceito legal de família
deve ser o mais amplo possível, não devendo ser aplicado apenas para a família
legalmente constituída. Nesse raciocínio, se o falido constitui irregularmente uma
família, a justificativa dessa despesa, permitida pela deficiência do cabedal, é tão
justificável como se fora de um casamento legítimo.
Apenas para esclarecimento, "cabedal" em linguagem jurídica significa os
capitais e bens que o empresário põe à disposição de sua atividade. Enfim, é o seu
patrimônio, que juridicamente constitui a garantia de seus credores.
Os gastos não configuram crime se os "cabedais"do comerciante forem vultosos, e
ele os contivesse prudentemente com o advento das dificuldades financeiras de sua empresa.
Quer a lei punir o empresário que, pela sua imprudência, dilapidou, com gastos
excessivos, o patrimônio que era a garantia de seus credores.
b) inc. II serão aplicadas sanções para o falido que tenha efetuado em sua
empresa despesas injustificáveis em relação ao capital e ao objeto do negócio. Deve
ser ressaltada a idéia de que apenas as despesas gerais injustificadas são passíveis de
penalidade cominada pelo ref. inciso. Isto porque muitas das vezes, o comércio impõe
instalações sofisticadas como forma de atrair clientes. Mas poderá essa conduta ser
admitida, dependendo do caso concreto.
c) inc. III são requisitos do delito o emprego de meios ruinosos e o objetivo
consciente de assim encobrir a insolvência e retardar a necessária declaração de
falência. Saliente-se que a intenção deve ser dolosa, pois visa a retardar a
declaração da falência, em prejuízo `a massa de credores, embora possa vir a
beneficiar alguns deles.
É natural que o empresário procure lutar contra a ruína que se avoluma sobre a sua
empresa, vindo a envidar todos os esforços, mobilizando todos os recursos para evitá-la.
Mas para que não incida sobre ele a pena prevista neste artigo, deverá agir de boa-fé,
sem o intuito procrastinador, que venha a beneficiar apenas alguns credores.
d) inc. IV Constitui crime falimentar o abuso de responsabilidade de mero favor.
Geralmente o ato é praticado através do aceite ou emissão de títulos de crédito
cambiários. São as chamadas "letra de mero favor", que não tem como causa uma
operação econômica, e sim o crédito. Importante salientar que o delito não se limita
aos casos de abuso de emissão ou aceite de títulos de crédito, pode-se configurar
através da concessão de avais, endossos e de fianças.
e) inc. V Os prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive jogos na
Bolsa, configuram também crime falimentar. O preceito legal não incrimina os prejuízos
verificados normalmente na atividade do empresário. O risco é inerente ao negócio. O
que não se admitem são os prejuízos advindos de operações levianas ou imprudentes.
f) inc. VI a inexistência dos livros obrigatórios ou a sua escrituração
atrasada, defeituosa ou confusa, configura o ilícito penal. Os livros comerciais são a
essência do comerciante. Neles encontra-se retratada a vida comercial da empresa, podendo
ser revelado o caráter do empresário, pela sua organização, ordem, clareza e
precisão.
g) inc. VII A falta de apresentação do balanço, dentro de 60 dias após a data
fixada para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o
estabelecimento principal é a última capitulação do art. 186. O legislador pretendia
evitar que as empresas comerciais atrasassem a escrituração, mantendo-a sempre em dia.
Por isso impunha, anualmente, a rubrica do juiz no balanço lançado no livro
"diário".
O parágrafo único do art. 186 exclui da punibilidade o devedor desde que tenha
instrução insuficiente e explore o comércio exíguo. A pequena empresa está dispensada
de manter livros e escrituração contábil.
12. CRIMES DOLOSOS
12.1.O art. 187 prevê que será punido com reclusão, de um a quatro anos, o devedor que,
com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes
ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízos
aos credores. E o art. 188 apresenta um elenco de fatos, os quais no sistema da lei
anterior caracterizavam a falência como fraudulenta. A consciência e a vontade do falido
de criar ou assegurar injusta vantagem, para si ou para outrem, de que haja possibilidade
de resultar ou resulte prejuízo para os credores, configuram flagrantemente o dolo. São
esses, pois, os crimes de falência fraudulenta. Observe-se que a fraude é o elemento
necessariamente integrante e configurativo de cada um desses fatos delituais.
13. CONCURSO FORMAL
13.1.Em seu art. 192, a Lei Falimentar manda que sejam aplicados os termos do parágrafo
1º do art. 5 do Código Penal, no caso de ser verificado algum ato que, segundo a Lei
Falimentar, constitua crime por si só, independentemente da declaração da falência.
13.2.Com o advento da promulgação do novo texto penal em 11 de julho de 1984, a matéria
sobre o concurso formal passou a ser tratada no art. 69, parágrafos 1º e 2º, do CP.
Tem-se, portanto, que, se o ato previsto na LF constituir crime por si somente,
independentemente da declaração da falência, será aplicada a regra do art. 69 e
parágrafos, do CP.
13.3.Importante ressaltar que o preceito ora analisado se enquadra perfeitamente na teoria
que sustenta a unidade do crime falimentar, acima estudada.
14. ATOS FRAUDULENTOS PRATCADOS POR FALIDOS E TERCEIROS
14.1.O art. 188 enumera os fatos que constituem crime falimentar que, pela sua natureza,
somente podem ser praticados pelo falido, sem se dispensar o concurso de terceiros, sejam
credores ou não. O art. 189 enumera outros fatos, puníveis mais suavemente, que podem
ser tanto de autoria do falido como de terceiros.
15. OCULTAÇÃO OU FULGA DO FALIDO
15.1.Não é raro que o devedor, apavorado com o escândalo da falência que compromete
seu prestígio social e enfurece os credores, fuja de seu domicílio ou nele se oculte.
Pela lei vigente não configuram crime esses fatos, ao contrário da lei anterior.
16. INTERDIÇÃO DO EXERCÍCIO D COMÉRCIO
16.1. O art. 195 estabelece como efeito da condenação a interdição do exercício do
comércio. Em seqüência, o art. 196 dispõe que a interdição torna-se efetiva desde
logo que passe em julgado a sentença, mas o seu prazo começa a correr do dia em que
termine a execução da pena privativa de liberdade.
16.2.O comerciante condenado por crime falimentar, seja ele o devedor, seja o credor ou
terceiro, perde a idoneidade para comerciar. A pena acessória visa ao saneamento da
atividade mercantil, em defesa do crédito e da economia coletiva.
17. REABILITAÇÃO DO FALIDO
17.1.A reabilitação é, por sua natureza, instituto pertencente à órbita do direito
penal. Como, entretanto, a falência suscita o exame de matérias que constituem objeto
não somente do direito penal, a LF acolheu o instituto, dando-lhe feição híbrida.
17.2.Esse hibridismo, com efeito, se revela no duplo aspecto da reabilitação civil e
penal. A exoneração das responsabilidades civis, inexistindo crime falimentar, dá
motivo a uma sentença declaratória da extinção das obrigações. Com a sentença
declaratória da extinção de suas obrigações, estabelece o art. 138 que fica
autorizado o falido a exercer o comércio, reintegrando-se em todos os poderes de
disposição de seus bens e de sua atividade. Se o falido sofreu as sanções penais, a
reabilitação criminal se constitui no meio de fazer cessar a interdição do comércio
do devedor falido condenado por crime falimentar.
17.3.O requerimento de reabilitação do falido será dirigido ao juiz da condenação,
acompanhado da certidão de sentença declaratória da extinção de suas obrigações.
Ouvido o representante do Ministério Público, proferirá o juiz a sentença. Negada a
reabilitação, caberá recurso em sentido estrito (art. 198, parágrafo único).
18. DO INQUÉRITO POLICIAL
18.1.Destina-se o inquérito judicial à apuração de fatos ou circunstâncias que possam
servir de fundamento à ação penal por crime falimentar. Os autos do inquérito judicial
correm paralelamente aos autos principais da falência, a partir do primeiro relatório do
síndico, o qual não poderá apresentar o seu segundo relatório enquanto o inquérito
judicial não tiver solução definitiva. Por isso, o retardamento do inquérito
prejudicará fatalmente o andamento dos autos principais, prejudicando, inclusive o
falido, que não poderá obter concordata suspensiva enquanto não estiver definida a sua
situação no inquérito.
Os autos de inquérito judicial são formados com a primeira via do primeiro relatório
do síndico, instruída coma primeira via do laudo pericial elaborado pelo contador.
As segundas vias do relatório e do laudo pericial vão para os autos principais (art.
103, parágrafo 2º).
Ficam então os autos em cartório, pelo prazo de cinco dias, a contar da entrega do
relatório do síndico, para manifestação dos credores, que poderão alegar e requerer o
que entenderem conveniente à finalidade do inquérito (art.104). O prazo corre
independentemente de publicação ou intimação (art.204).
Os autos de inquérito judicial formam-se automaticamente, logo que o síndico entregue em
cartório o seu relatório, juntamente com o laudo do perito (art.103, parágrafo 2º). O
inquérito propriamente dito, porém, a realizar-se dentro destes autos, pode, às vezes,
nem sequer iniciar-se. Na verdade o inquérito só se estabelece a requerimento do
síndico, no próprio relatório, ou dos credores, no prazo do art. 104, ou do
representante do Ministério Público, no prazo no art. 105. Pode instaurar-se ele também
de ofício, por ordem do juiz.
Findo o prazo anterior, haja ou não a manifestação dos credores, vão os autos com
vista ao representante do Ministério Público, pelo prazo de três dias, o qual
requererá o que for de direito para a finalidade do inquérito (art. 105).
Nos cinco dias seguintes, poderá o falido contestar as arquições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente (art. 106).
O falido deve ser intimado pessoalmente para defender-se no inquérito judicial.
Especialmente devem ser intimados os sócios da sociedade falida, bem como terceiros,
quanto às arquições que lhes digam respeito. Sob pena de se ferir o princípio do
contraditório e o direito de defesa. Há, porém, muitos julgados que dispensam a
intimação do falido ou sócio.
Findo o prazo concedido ao falido, vão os autos conclusos ao juiz, que em 48 horas
deferirá ou não as provas requeridas (art. 107). As provas deferidas deverão
realizar-se no prazo máximo de 15 dias,
Se não houver prova a realizar, ou realizadas as deferidas, voltam os autos novamente
com vista ao representante do Ministério Público (art. 108), que no prazo de cinco dias
oferecerá denúncia contra o falido e outros responsáveis, ou exporá, em cota
fundamentada, as razões pelas quais deixa de oferecer denúncia, pedindo seja o
inquérito judicial apensado aos autos principais da falência. O apensamento, no caso,
eqüivale ao arquivamento.
Se o representante do Ministério Público não oferecer denúncia, os autos
permanecerão em cartório, pelo prazo de três dias, durante os quais o síndico ou
qualquer credor poderão oferecer queixa (art. 108, parágrafo único). Trata-se de queixa
subsidiária, vez que nos crimes falimentares a ação penal é pública. O art. 108,
parágrafo único, da LF adotou a regra do art. 100, parágrafo 3º, do CP.
O prazo de três dias não é de decadência, podendo o síndico ou qualquer credor
oferecer queixa subsidiária enquanto o juiz não determinar o arquivamento (ou
apensamento) do inquérito.
Após o despacho do juiz determinando o apensamento, ocorre evidentemente a preclusão da
oportunidade de oferecer denúncia ou queixa na esfera do procedimento cível falimentar.
4. AÇÃO PENAL PROCESSO E JULGAMENTO NO JUÍZO CRIMINAL
a) Os autos do inquérito judicial remetidos pelo Juízo da falência, estão sujeitos ã
distribuição que determinará a competência de uma das Varas Criminais para o
prosseguimento da ação penal.
b) A denúncia oferecida pelo representante do Ministério Público, e recebida pelo Juiz
da falência, dá início à ação penal, não se tornando necessário que se a renove ou
a inove no Juízo criminal, uma vez que, como preceitua o art. 504 do CPP, funciona na
ação penal o mesmo órgão do Ministério Público, que exerce, no processo da
falência, a curadoria da massa falida. Outro tanto se pode dizer em relação à queixa
oferecida no Juízo da falência pelo credor ou pelo síndico, pois que a lei atribuiu
aquele Juiz o encargo de iniciar a ação criminal, recebendo a mesma queixa em despacho
fundamentado.
c) A rejeição da denúncia ou queixa oferecida no inquérito judicial não obsta o
exercício da ação penal, que poderá ser intentada no Juízo criminal, quer quanto aos
mesmos fatos arquidos, quer quanto a fatos daqueles distintos (art. 113 da LF).
d) Recebidos pelo Juízo criminal, os autos da ação penal remetidos pelo Juiz da
falência, indicará dia e hora para o interrogatório do acusado, ordenando a sua
citação e a notificação do MP.
e) NO dia designado, presente o réu, o Juiz procederá ao seu interrogatório,
procedendo-o da advertência de que trata o art. 186 CPP e de acordo com as regras
traçadas nos arts. 188 e segs.
f) Se o réu não comparecer, sem motivo justificado, no dia e hora designados, o prazo
para defesa será concedido ao defensor nomeado pelo Juiz ( art. 396 parágrafo único
CPP).
g) Logo após o interrogatório, ou no prazo de 3 dias, poderá o réu, ou seu defensor,
oferecer alegações escritas com rol de testemunhas.
h) Apresentada ou não a defesa, proceder-se-à à inquirição das testemunhas que tenham
sido arroladas na queixa ou denúncia, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro
lugar.
i) Terminada a inquirição das testemunhas, as partes primeiramente o MP, ou o
querelante, dentro de 24horas, e, depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu
ou réus poderão requerer as diligências cuja necessidade ou conveniência se
origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos
conclusos, para o Juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelar partes.
j) Esgotados aqueles prazos, sem requerimento de qualquer das partes, ou concluídas as
diligências requeridas e ordenadas, será aberta vista dos autos, para alegações,
sucessivamente, por 3 dias, ao MP ou a o querelante, ao assistente, ao defensor do réu.
k) Findos aqueles prazos, serão os autos imediatamente conclusos, para sentença, ao
Juiz, que, dentro de 5 dias, poderá ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou
suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade.
l) A sentença será proferida pelo Juiz na forma prevista nos arts. 381 e seguintes do
CPP.
Jurisprudência
CRIME FALIMENTAR PRESCRIÇÃO
CRIME FALIMENTAR DELITO DE ESCRITURAÇÃO
CRIME FALIMENTAR DENÚNCIA CONTEÚDO
CRIME FALIMENTAR INQUÉRITO JUDICIAL AÇÃO PENAL NULA ORDEM
CONCEDIDA, COM EXTENSÃO AOS CO-RÉUS