Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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Conceito de Medida Liminar

Reis Friede
Mestre e Doutor em Direito Público, é atualmente professor Titular e Coordenador dos Cursos
de Pós-graduação lato sensu na UNESA, Magistrado Federal e ex-membro do Ministério Público, é
autor da obra "Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares".

O vocábulo liminar (do latim "liminare", adj., da soleira, posto à entrada, à frente, que antecede o assunto principal, preliminar (vide Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed. Nova Fronteira, RJ, 1986, p. 1.032)), no âmbito da ciência do Direito, se constitui há muito em expressão complexa e controvertida e, em grande medida, em termo técnico altamente equívoco, não obstante a inexorável necessidade do rigor técnico na linguagem jurídica.

Por intermédio da designação genérica de liminar, por exemplo, podem ser traduzidos, sem maior cerimônia, alguns dos mais diversos institutos jurídicos processuais de maneira simplificada (e nem sempre obedientes à orientação técnico-jurídica e ao rigor terminológico preconizado pela legislação processual pátria, como nas hipóteses vertentes do despacho liminar positivo (decisão interlocutória inicial do julgador, relativa à primei-ra fase do processo de saneamento, que determina a citação dos integrantes do polo passivo da relação processual), da apreciação liminar do juiz, entre outras.

Há, todavia, uma tradução mais específica (e, em certo aspecto, peculiar) do vocabulário em questão, que tem ganho especial relevo nos últimos 20 anos. Trata-se da liminar como forma efetiva de revestimento instrumental de providências cautelares em ações de conhecimento reputadas especiais (tais como "Habeas Corpus", Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública e Ação Direta de Inconstitucionalidade), cujo objeto, próprio e particular (alusivo a direitos fundamentais individuais e coletivos e também difusos), acabou por influenciar o legislador no sentido de procurar prover – de uma maneira mais segura – a plena efetividade (inteireza) do pronunciamento jurisdicional final de caráter cognitivo.

À guisa de flagrante excepcionalidade, concedida por imposição da própria evolução do instituto da garantia cautelar (inicialmente apenas a ação de "Habeas Corpus" e o "Writ of mandamus" possuíam previsão cautelar ínsita no contexto do processo cognitivo das mesmas, em forma de medida liminar), a legislação processual pátria entendeu por bem estender a liminar, na qualidade de autêntico continente formatizante da medida cautelar pretendida (no bojo da providência cautelar genérica vindicada) a algumas outras ações, como a Ação Popular (introduzida em nossa legislação por força da Lei nº 4.717/65, mas somente dotada de previsão de medida liminar em 1977 (art. 34 da Lei nº 6.513/77), a Ação Civil pública (Lei nº 7.347/85) e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN, art. 102, I, p. da CF/88), ampliando, sobremaneira, o restrito espectro de atuação desta modalidade "sui generis" de provisão assecuratória da plena utilidade da prestação jurisdicional originária requerida.

Em todas as demais hipóteses, a necessidade de acautelamento genérico, com o propósito de afastar a ameaça de risco (atual ou iminente e de difícil ou impossível reparação) de comprometimento do resultado da sentença final de índole cognitiva, encontra-se condicionada ao ajuizamento (preparatório ou incidental) de ação cautelar autônoma (porém, sempre vinculada e dependente da denominada ação principal), através de correspondente processo de idêntica natureza.

Não é por outra razão que a doutrina mais abalizada sobre o tema vem repudiando, com relativa veemência, os pedidos expressos de medida liminar em ação cautelar (deve ser observado que o preceito legal contido no art. 804 do CPC alude expressamente a uma condicional possibilidade " (...) quando a citação do requerido puder torná-la ineficaz (...)" de antecipação "in limine" da medida cautelar e conseqüentemente da providência cautelar genérica, e não propriamente a uma efetiva medida liminar), posto que a liminar e a ação cautelar, neste diapasão são formas diversas e excludentes de exteriorização de providências cautelares.

(O emprego da expressão medida liminar nas hipóteses de antecipação in limine da medida cautelar, apenas continua sendo autorizado em homenagem à tradição forense e, em certo aspecto, em respeito à própria essência da ciência jurídica que alude, em sua hermenêutica particular, a uma necessária interpretação de seus dispositivos normativos de forma transcendentes à simples literalidade, permitindo, não obstante a permanente busca do necessário rigor terminológico, a utilização relativa de termos de fraca ou insignificante precisão vocabular.)

1.Medida Liminar, Providência Cautelar e Medida Cautelar

A inconteste caracterização do Direito como o genuíno representante da ciência hermenêutica tem permitido, conforme reconhecem os mais importantes juristas da atualidade contemporânea, cada vez mais o pleno desenvolvimento científico dos mecanismos de interpretação da norma jurídica, independente da simples e objetiva literalidade dos diversos dispositivos legais.

Tal fenômeno não só tem contribuído para a evolução mais consentânea da própria Ciência do Direito, como também tem tornado muito mais complexas as suas interações no campo interno e externo.

Como conseqüência natural, o Direito moderno vive um verdadeiro conflito, concernente ao aparente paradoxo que se exterioriza entre a necessidade imperativa do estabelecimento definitivo de expressões normativas com absoluto rigor terminológico e a cada vez mais reduzida importância da estrita literalidade do regramento legal no contexto comparativo com os demais mecanismos (métodos) de interpretação da lei "lato sensu".

Partindo da premissa básica de que a lei, em seu sentido amplo, jamais comporta qualquer tipo de incongruência, posto que as normas jurídicas, de modo geral, em nenhuma hipótese, conflitam entre si (o conflito, quando existe, é sempre aparente (irreal) e deve ser "resolvido" pelo sistema hermenêutico de interpretação através dos diversos métodos e à luz das regras básicas que determinam que o conhecimento imperativo da norma jurídica deve ser sempre integral, escalonado e sistêmico), é lógico concluir que as diversas expressões do vocabulário jurídico (em grande parte equívocas e controvertidas) devam ser interpretadas (e, sobretudo, empregadas) com extremo cuidado e efetivo rigor científico.

É exatamente neste contexto particular que os termos técnicos alusivos à disciplina cautelar devem ser analisados, procurando debelar, em sua origem, as eventuais impropriedades não só de natureza terminológica, mas, especialmente, as de caráter hermenêutico-interpretativo, particularmente quando presentes em expressões fundamentais como medida liminar, providência cautelar, medida cautelar, ação cautelar e processo cautelar.

Destarte, devem ser consignados, com máxima precisão, os contornos próprios e particulares de cada um dos vocábulos em epígrafe, permitindo, em última análise, delinear o significado específico (e correto) de tão importantes (e mesmo vitais) manifestações terminológicas.

Para tanto, mister se faz que seja, desde já, compreendida a abrangência generalizante da expressão providência cautelar (traduzindo o eventual receio e, por efeito, o desejo do requerente (ou do Estado-juiz) no sentido de ver estabelecida a proteção cautelar) vis-à-vis com a descrição limitada dos termos medida cautelar (referente ao pedido específico da providência cautelar) e medida liminar (concernente ao revestimento instrumental (ou à forma) de se prover, de forma geral, a providência cautelar e, no contexto particular, a medida cautelar nominada (típica) ou inominada (atípica) pretendida).

Também deve ser bem entendido que as convencionalmente chamadas medidas liminares, neste encadeamento lógico de raciocínio eminentemente restritivo, se equiparam ao resultado final (sentença) da ação cautelar (e do conseqüente processo cautelar), na qualidade de instrumento formalizante necessário para a obtenção da providência cautelar genérica (e da medida cautelar específica) vindicada nas ações cognitivas (regra geral) que não possuem previsão normativa de liminar (a dispensar a necessidade de inauguração de um novo processo (cautelar) conexo e dependente do principal).

2. Conceito restritivo de Medida Liminar

Delineados os contornos próprios e específicos da expressão liminar (em seu contexto técnico-jurídico restritivo) e conhecidas as interações do vocábulo com os demais termos científicos do instituto cautelar resta, ainda, em necessária complementação elucidativa, consignar que a denominada medida liminar também pode ser conceituada, de forma complementar, como autêntico provimento jurisdicional de cunho binário administrativo-cautelar, fundado no poder discricionário do juiz e admitido sempre que se destaquem relevantes e urgentes os fundamentos do pedido, em mira do qual estará um ato ou omissão capaz de baldar o pronunciamento judicial que reconheça, afinal, o Direito impetrante no Mandato de Segurança, do paciente no "Habeas Corpus", ou do autor na Ação Popular, na Ação Civil Pública e na ADIN (positiva ou negativa). Constitui-se, portanto, a medida liminar, em efetiva provisão judicial obrigatória se comprovado estiver que os efeitos imediatos do ato impugnado – ou da omissão, caracterizadora de outra lesão de Direito líquido e certo ou equivalente –, ameaçam frustrar os objetivos da própria Ação Mandamental, Popular, Civil Pública entre outras ações que expressamente admitem esta forma "sui generis" de provimento cautelar.

"A liminar é medida administrativa de juízo (...) e só é tomada no exclusivo intuito de garantir a inteireza da sentença" . (J.M. Othon Sidou in As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos Segundo a Nova Constituição, 2ª ed., Forense, RJ, p. 230).

Desta feita, na iminência de grave lesão ao Direito vindicado, através das diversas ações que a prevêem ou, como aludem diversos autores, em forma de antecipação "in limine", por intermédio da ação instrumental cautelar (e de seu conseqüente processo cautelar), nos casos de ações principais que não possuem a previsão expressa, lança-se mão da medida liminar que, em última análise, impedirá a consecução do ato, ou de seus efeitos, ou mesmo afastará a omissão, conforme traduzir-se a natureza da ilegalidade, abuso de poder, lesão ao patrimônio público etc.

Por todas as razões, a medida liminar se traduz em sinérgico provimento jurisdicional de caráter emergencial, ou, em outras palavras, solução acauteladora de um possível direito agravado no instante do ajuizamento da respectiva ação, ou ameaçado com esse agravo, o que, em ambos os casos, poderá impor prejuízo irreparável se não for assegurado de imediato, tornando inócua a concessão da segurança desejada, a efetiva repressão a danos ao meio ambiente, lesões ao patrimônio público ou a qualquer outro tipo de tutela vindicada, demonstrando-se, por efeito tardio, qualquer provimento judicial meritório (e definitivo), tendente ao reconhecimento de direito já impossível de ser exercido, quer parcialmente, quer em sua plenitude.

Os motivos que levaram os legisladores à criação da medida liminar deve-se, pois, inegavelmente, a essa urgência em assegurar-se nas ações que aludem, sobretudo, a direitos fundamentais, que o eventual julgamento no sentido do deferimento do pedido originário, de caráter meritório, no seu tempo terá, efetivamente, os resultados esperados, não se concretizando em uma simples declaração de direito "vazia", sem o poder de transformar ou impedir situações de conseqüências irreversíveis.

De acordo, também, está o vocábulo liminar, que não deixa dúvida sobre a finalidade dianteira da medida, sem qualquer vínculo com o assunto principal (mérito) da ação com que se ocupará a sentença no seu momento devido.

Liminar: "que antecede o assunto ou objeto principal". É exatamente este o sentido desta medida, de caráter administrativo-cautelar, tomada sempre com o inafastável e exclusivo intuito de garantir a inteireza da sentença.

Necessário se torna, no entanto, identificar de forma bastante clara o seu objeto, para que não mais se dê margem à ligeira confusão que ainda se observa no que tange aos fundamentos e objetivos aos quais a medida liminar deve o seu próprio fundamento e efetivo nascimento.

3. Objeto específico das Medidas Liminares

Em princípio, além dos pressupostos tradicionais, pelo menos dois requisitos genéricos devem estar transparentes na peça inaugural das respectivas ações que prevêem expressamente a medida liminar na qualidade de revestimento instrumental da providência cautelar pretendida: "relevância dos motivos em que se assenta o pedido da inicial e a possibilidade (provável e plausível) da ocorrência de lesão irreparável do direito do autor, se vier a ser reconhecido na decisão de mérito".

São essas, em linhas gerais, as razões principais do deferimento da medida liminar. Os motivos do ajuizamento da ação de conhecimento não estão, ao contrário, vinculados aos do pedido de liminar. Ainda que haja – como em princípio é essencial –, um nexo causal que se desprende do mesmo direito que o autor quer ver reconhecido ("fumus bonis iuris"), o objeto da medida liminar não é, em nenhuma hipótese (pelo menos em princípio), o mesmo da ação meritória originariamente ajuizada, em face de sua exclusiva referembilidade processual (distante, pois, em qualquer caso, do Direito material controvertido).

O mandado de segurança, por exemplo, visa a impedir conseqüências danosas causadas por autoridade pública quando a mesma aja ilegalmente ou com abuso de poder. Esse é o objeto do mandado de segurança, ou seja, o ato coator ilegal ou abusivo, que constranja, lese ou ameace o direito do impetrante.

A ação popular, por outro lado, objetiva obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos ao patrimônio público, em qualquer de suas respectivas esferas administrativas – federal, estadual ou municipal – ou, ainda, de suas relativas autarquias, entidades paraestatais e demais pessoas jurídicas subvencionadas com recursos públicos.

Já quanto à medida liminar, em qualquer hipótese – seja no mandado de segurança ou em qualquer outra ação que expressamente a admita –, o objetivo é outro. O que se pretende é, apenas e tão-somente, assegurar que o eventual julgamento com eventual provimento de mérito favorável ao autor não perca o sentido, garantindo, em última análise, a efetiva e sinérgica existência de matéria à sentença a ser editada, afastando por completo o eventual risco de qualquer inviabilidade executiva da decisão terminativa de caráter meritório.

(Neste sentido é sempre correta a afirmativa segundo a qual a medida liminar (e, por extensão, a própria sentença na ação cautelar) efetivamente antecede (no exato sentido de vir antes da prolação da decisão final de mérito), mas jamais objetivamente antecipa (exceto por vias transversas) o pronunciamento judicial final.)

É, portanto, em razão dessa possível "frustração" futura, que se fez necessária a existência da medida liminar. Uma medida de índole acautelatória que garanta, em última instância, que a solução final do pedido meritório trazido ao conhecimento do Poder Judiciário – qualquer que seja ele – produza realmente os efeitos devidos, e não se torne inane ante às conseqüências previsíveis no momento da interposição da respectiva ação mandamental, popular, civil pública, entre outras, ou mesmo do ajuizamento da ação principal (no caso da medida liminar como simples antecipação "in limine" da medida cautelar vindicada).

"A medida cautelar visa tão-somente a resguardar a situação de fato que garanta à parte a satisfação de seu direito a ser discutido na ação principal, nela não podendo ser examinadas e decididas as questões pertinentes ao processo principal" (ac. unân. da 2ª Câm. do TAMG de 2.3.84, na apel. 24.279, rel. juiz Edelberto Lellis Santiago; RJTAMG 18/173).

É essencial, portanto, delinear as diferenças entre os objetivos das diversas ações que prevêem a medida liminar (incluindo neste diapasão as ações principais que se instrumentam por ações cautelares preparatórias ou incidentais) em relação à própria medida liminar. Ainda que de uma possa, tangencialmente, inferir o objetivo da outra – pois não são assuntos estanques –, as identidades quanto ao objeto, quando não compreendidas claramente, podem dar início até mesmo a interpretações errôneas e distorcidas, descaracterizando totalmente esta forma instrumental de providência cautelar, matéria específica, em última análise, do presente estudo.

Uma das interpretações que não julgamos acertada, e que se repete com constância na prática, consiste em considerar, de maneira simplória, que o julgamento preliminar, no sentido de improcedência do pedido autoral, automaticamente, acarretaria a suspensão da liminar eventualmente deferida, ou, ao contrário, o seu julgamento pela procedência absorveria a medida liminar, sem que fosse necessário ratificá-la expressamente na sentença. Nessa linha de raciocínio, a medida liminar indeferida inicialmente parece instalar-se também, automaticamente, no momento em que é concedida a segurança ou deferido o pedido meritório.

Acolher esse entendimento, "data maxima venia", significa, acima de tudo, subtrair um pouco das características fundamentais da medida liminar.

Como dissemos acima, o objetivo particular da medida liminar é acautelar um direito que pode ou não ser reconhecido ao final da sentença. Não é, de modo algum, constituir uma antecipação da decisão meritória, que, embora com ela se relacione, a ela de nenhuma forma se encontra diretamente vinculada, em razão de sua própria e específica referembilidade ao processo (e não ao direito material posto em julgamento). (1)

"(...) A liminar concedida em providência cautelar deve ser cassada, se evidenciado o seu caráter satisfativo. Afinal, tanto a doutrina como a jurisprudência tem se rebelado com o deferimento de medidas desta natureza, eis que o objetivo da medida liminar de feição cautelar é garantir a utilidade e a eficácia da futura prestação jurisdicional (...)" (ac. 1ª T/TRF 1ª R, AI 920103439-3/MG, rel. juiz Plauto Ribeiro, 13.04.92).

"A tutela cautelar não tem como fim a antecipação de efeitos, mas sim manter o equilíbrio entre as partes de modo que a prestação jurisdicional seja útil e eficaz" (Francesco Carnelutti in Derecho y proceso, Ediciones Jurídicas Europa, América, Buenos Aires, 1971, p. 415).

Se houvesse vínculo, junção, ou dependência, estaria o juiz agindo com leviandade, precipitando-se em julgar o mérito do pedido autoral consignado na ação, levada a seu conhecimento, sem antes ouvir a outra parte apontada como autoridade coatora, requerida, ou simplesmente ré, conforme o caso, em virtual desafio ao princípio constitucional do contraditório. (2) (3)

(Deve ser registrado, por oportuno, que a constante tensão dialética que caracteriza a permanente disputa entre o amplo acolhimento do princípio do contraditório, por um lado, e a completa garantia no que tange à plena proteção de efetividade da prestação jurisdicional, por outro, simplesmente, inexiste, numa análise mais consetânea do Direito Processual, no âmbito da tutela cautelar (salvo em termos formais), uma vez que tal preocupação só pode ser verdadeiramente admitida em situação de satisfatividade do provimento jurisdicional, alusivos a denominada jurisdição própria de caráter cognitivo com referembilidade ao Direito material controvertido "sub examen.)"

Não se confunde, por efeito conseqüente, neste quadro, o objeto da medida liminar com o objeto da ação própria em que a mesma se encontra contida, por força de reconhecida imposição legislativa. Daí porque ao ser julgado improcedente o pedido meritório, há necessidade de se suspender expressamente a liminar eventualmente deferida, sem o que deve-se entender que continua a medida a produzir seus efeitos até que se transite em julgado a sentença, operando-se o seu conseqüente efeito preclusivo. Isto porque, sendo outros os motivos de sua concessão, a decisão que apenas não reconhece o direito vindicado na ação própria não implica, tacitamente, considerar a desnecessidade da medida liminar até o transcurso do prazo recursal. Se a lesão (ou risco de lesão) continua sendo iminente, potencialmente destruidora do direito que ainda pode ser reconhecido, a regra é mantê-la até a decisão final, cristalizando o objetivo último da medida liminar que é exatamente a garantia de inteireza do  "decisum" meritório e de sua conseqüente executabilidade plena..(4)

(É imperioso salientar, entretanto, que esta posição, de caráter doutrinário e jurisprudencial amplamente majoritária, não é pacífica, existindo aqueles que defendem posições diametralmente opostas, especialmente no caso específico do Mandado de Segurança, como Othon Sidou, Coqueijo Costa e Celso Agrícola Barbi.)

Notas:

(1) Conceito Específico de Medida Liminar e Diferença entre Medida Liminar, Medida Cautelar e Providência Cautelar

Muito embora existam algumas controvérsias, a doutrina mais abalizada a respeito do tema tem entendido pela conceituação de medida liminar como um autêntico provimento judicial, de natureza complexa e binária do tipo administrativo-cautelar.

Não obstante a possibilidade excepcional de se ter liminares desprovidas de um caráter flagrantemente cautelar (cf. a respeito Ovídio Barbosa da Silva in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XI, Ed. Letras Jurídicas, RS, 1985, p. 66; e JJ. Calmon de Passos in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. X, São Paulo, Ed. Rev. dos Trib., 1984, p. 61) estas medidas se constituem, como bem afirma a propósito Galeno Lacerda (in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, Tomo I, Forense, RJ, 1980, ps. 71, 103 e 162), em autênticas providências de cunho cautelar, ou mesmo espécie formal de exercícios da função cautelar (Calamandrei, Celso Agrícola Barbi, Renato Maneschy, Francisco Barros Dias etc.).

Sob este prisma, melhor seria entender, por todos os motivos, a medida liminar como uma forma de exteriorização de determinada providência cautelar. Por efeito, a medida liminar, em regra, se constitui no aspecto continente de uma providência cautelar que, por sua vez, traduz em seu bojo algum tipo de medida cautelar de urgência, que pode ser de forma geral, nominada (típica, ou seja, expressamente prevista na legislação em vigor) ou inominada (atípica).

(2) Medida Liminar e Antecipação da Tutela Cognitiva de Caráter Meritório

A medida liminar (e as providências cautelares, de forma geral), é importante frisar, não possue, em nenhuma hipótese, objetivo específico de antecipar a tutela cognitiva de caráter meritório, não obstante uma parcela da jurisprudência praticamente isolada possa assim, eventualmente, sustentar.

"A segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional atende em regra à necessidade de proteção imediata de pessoas, bens, ou prova, justificando-se no primeiro caso pela relevância dos valores humanos em jogo, estendendo-se essa antecipação no campo das cautelas inominadas, em dimensões notáveis. Admitem os processualistas modernos que, sob o prisma do interesse, é inegável que as medidas cautelares, quando deferidas, possuem eficácia satisfativa. Satisfazem elas, em primeiro lugar, o interesse genérico processual. Fim precípuo de todas elas, de atender à necessidade de segurança quanto ao resultado útil do processo principal e, em segundo lugar, ao interesse material (...)" (ac. TRT da 10ª R. no MS 98, rel. Juiz Heráclito Pena Júnior; Adcoas, 1990, nº 126.838).

Muito pelo contrário, a razão de sua existência cinge-se exclusivamente à outorga de uma sinérgica garantia de efetividade da própria decisão final de conhecimento que, muitas das vezes – em face da inerente complexidade da lide (como bem assim, da excessiva burocracia processual e mesmo procedimental) e da necessidade imperiosa da observância de todos os mecanismos referentes ao princípio constitucional do devido processo legal –, demanda uma grande quantidade de tempo capaz, em última análie, de comprometer a inteireza (efetividade) da decisão definitiva (sentença).

Por efeito, a providência cautelar, de maneira geral, e particularmente a medida liminar se constitui em efetivo provimento de segurança que apenas, por vias transversas, oblíquas ou indiretas, atingem (sem se constituir em seu objetivo) o aspecto meritório, de natureza cognitiva, da questão principal.

"A medida cautelar não pode e não deve antecipar decisão sobre direito material, posto não ser de sua natureza autorizar uma espécie de execução provisória" (ac. unân. da 17ª Câm. do TJSP de 4.9.85, na apel. 93.57-2, rel. des. José Cardinale; Rev. Jur. TJSP 97/196).

Muitos autores têm tido notável dificuldade em perceber este fato e alguns – prevalecendo-se de uma leitura, no mínimo, controversa da obra de Calamandrei – chegam mesmo a admitir a simples (e lícita) antecipação do mérito, através do provimento administrativo-cautelar (e, em grande parte, também judicial) da medida "liminar inaudita altera pars", esquecendo no mínimo, a existência insuperável do princípio constitucional do contraditório que veda, ainda que provisoriamente, tal antecipação.

"Tendo, como é sabido, as providências cautelares e as de mérito conteúdos e funções totalmente diferentes, não pode a medida preventiva ser considerada, em nenhum caso, uma antecipação da providência de mérito (...)

A verdade é que nenhuma providência cautelar, seja específica e determinada, seja genérica e indeterminada (atípica), constitui, em hipótese alguma, uma antecipação provisional da resolução do conflito de interesses" (Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, ps. 1.119 e segs.).

Sob este diapasão, deve ser registrada a opinião, de cunho interpretativo alusivo a outros autores (e, em nosso particular entender, desprovida de correção), de Betina Rizzato Lara (in Liminares no Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1993) que salienta de forma generalizada, e, sob este prisma, "data maxima venia", de forma equivocada, pela existência de um pretenso caráter antecipatório da tutela cautelar "in limine, verbis":

"O conceito de liminar, apresentado por grande parte dos autores, ressalvadas as diferenças terminológicas, possui um ponto em comum: configurar uma antecipação daquilo que se obteria ao final da ação, com a prolação da sentença.

Assim, por exemplo, Antonio Cezar Lima da Fonseca diz que a medida liminar antecipa os efeitos futuros da sentença final. Hamilton de Moraes e Barros define a medida liminar como a entrega provisória e antecipada do pedido. Ovídio Baptista da Silva fala em antecipação de alguma eficácia sentencial contida nas liminares. Cretella Júnior se refere à liminar como uma decisão provisória anterior que se opõe à medida posterior. Rodolfo de Camargo Mancuso, por sua vez, afirma que as ‘liminares’, em qualquer tipo de processo, provocam uma antecipação, ainda que provisória, da tutela pretendida ‘principaliter’. Elas são como que uma retroprojeção de uma imagem que possivelmente será representada na sentença final."

Apesar de a autora em questão, procurando minimizar o alcance de seu entendimento, referir-se ao fato de que "a medida liminar não caracteriza jamais uma antecipação da própria decisão de mérito contida na sentença", (o que, todavia, também não é, "data venia", absolutamente correto, uma vez que, em caráter excepcional, tal pode ocorrer), e sim apenas a uma antecipação restrita "aos efeitos que decorrem dessa decisão e que não aludem à natureza declaratória ou constitutiva do conteúdo da sentença", tal afirmativa não encontra o necessário respaldo na doutrina mais abalizada sobre a questão, não tendo esta tese, em nosso particular entender, obtido a necessária incorporação social a que alude com mérita propriedade Calmon de Passos.

"A concessão de liminar – mormente de conteúdo satisfativo – não deve ser, "data venia", prodigalizada, dentre outros motivos, porque afasta um dos pilares do processo, que é o contraditório" (TRF/ 2ª Região, AG 0210277, 3ª T/RJ, DJ 30.05.96, rel. Juiz Arnaldo Lima, unânime).

(3) Princípio do Contraditório

É importante esclarecer que, em termos acadêmicos, é comum classificar o princípio do contraditório em duas diferentes acepções: o contraditório material (alusivo ao Direito material controvertido (e, conseqüentemente, ao aspecto jurisdicional próprio, de caráter meritório) e o contraditório formal (relativo a aspectos exclusimente processuais). O contraditório material (verdadeiro) é sempre "a priori", ou seja, qualquer decisão (antecipada ou não) de natureza meritória somente pode ser concluída com a oitiva prévia das partes contentoras. Já o contraditório formal (ficcional e impróprio), embora também deva ser "a priori", pode ser efetivado, excepcionalmente "a poteriori" ou, em outras palavras, a decisão processual (não meritória) pode ser, à guisa de exceção, tomada sem a oitiva de uma das partes (ou até eventualmente de ambas (decisões ex officio)) e, somente após sua efetivação, permitir vistas à outra parte (ou ambas as partes).

No que concerne à matéria cautelar, em face de sua indiscutível ausência de conteúdo meritório, o contraditório é sempre formal, permitindo, desta feita, a ampla possibilidade não só de concessão de liminares "ex officio" (através do exercício do chamado poder cautelar genérico do magistrado), mas também o sinérgico deferimento das liminares inominadas "inaudita altera pars" (por intermédio do regular exercício do denominado poder cautelar geral do julgador).

(4) Medida Liminar como Sucedâneo da Lentidão da Prestação Jurisdicional

Um dos maiores desafios jurídicos dos últimos anos tem sido exatamente o tratamento desvirtuado, conferido por parcela minoritária (porém expressiva) de julgadores, quanto ao instituto específico das medidas liminares que, em grande parte, vem subvertendo o objeto próprio das providências cautelares concedidas "in limine".

Abalizado por parte minoritária (senão condenável) da doutrina (que ainda não percebeu os graves riscos de tal iniciativa desafiadora dos precisos limites da segurança cautelar ínsita nas medidas liminares), muitos membros do Poder Judiciário têm simplesmente utilizado, nos últimos tempos, das providências cautelares "in limine" (requeridas expressamente ou, em menor grau, concedidas "ex officio") para conferir uma desejável (porém, nem sempre possível) celeridade à prestação jurisdicional como um todo, ou senão, pelo menos, para antecipar resultados (e efeitos) fáticos (e, em alguma medida, também jurídicos) da sentença meritória.

Muito embora seja praticamente pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o fato de que a medida liminar – possuindo nítido caráter de providência cautelar, com objetivo específico e restrito à segurança e à garantia da inteireza da tutela meritória de conhecimento requerida –, em nenhuma hipótese (salvo por vias transversas e na qualidade de virtual efeito colateral), antecipar (ou objetivar a antecipação) o merito cause (ou mesmo quaisquer efeitos, inclusive fáticos) presentes no conteúdo da decisão terminativa a ser proferida pelo Judiciário a seu tempo, algumas vozes discordantes – em sublime desafio à própria finalidade da tutela cautelar – têm admitido, de forma pretensamente legítima, a possibilidade de a liminar, em caráter provisório (que, muitas vezes, na prática, tem assumido o condão da definitividade), antecipar (embora o seu objetivo seja único e exclusivamente o de assegurar a efetividade do "decisum meritório") o conteúdo, ou, no mínimo, os efeitos (fáticos e/ou jurídicos) que só seriam licitamente obtidos com o advento da prolação final da sentença de caráter cognitivo.

"Através deste instituto processual (a medida liminar) é possível obter-se na forma antecipada e provisória, algo que só seria conseguido com a prolação da sentença" (Betina Rizzato Laro in Liminares no Processo Civil, 2ª ed., atualizada, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1994).

Esse entendimento, ainda que, de nenhuma forma, tenha, até o presente momento, se constituído em uma autêntica tese jurídica, socialmente incorporada pelo mundo do Direito, sem dúvida tem, no mínimo, conseguido, em muitos casos, "perturbar" a ordem jurídica estabelecida, subvertendo, em grande medida, o objetivo fundamental (e o próprio objeto específico) das medidas liminares (e demais institutos cautelares).

"Nenhuma liminar, por razões óbvias, deve esvaziar o mérito". (Francisco de Oliveira, in O Processo na Justiça do Trabalho, "Dos Recursos", RT, p. 577).

Nesse diapasão, convém registrar que alguns julgadores, muitos dos quais motivados por razão de desídia, preguiça, indolência, descaso, desleixo (ou ainda, o que é pior, por considerações de ódio, afeição contemplação ou para, de modo geral, satisfazer interesse pessoal (o que caracteriza o delito de prevaricação, tipificado no art. 319 do Código Penal) têm simplesmente ignorado os mandamentos legais (que estabelecem claramente não só a finalidade restritiva, como também os requisitos limitadores da medida liminar) para afirmar tal providência, de natureza jurídica especificamente administrativo-cautelar, como verdadeiro sucedâneo a sua inescusável (e, em certo aspecto, inexplicável) demora na prestação da função jurisdicional de conhecimento, afastando, de maneira efetiva, eventuais reclamações, da parte autora, quanto à virtual lentidão do exercício da atividade judicante. Outros, camuflando a absoluta verdade dos fatos numa eterna e insuperável consideração a respeito do excessivo número de processos em tramitação em seu juízo, procuram – através de uma hermenêutica particular (e distorcida) e, de nenhuma maneira, autorizada pela lei em sentido amplo – justificar a concessão liberal de liminares, muitas das quais satisfativas do direito reclamado, em prol de uma pretensa e inadmissível prevalência da "justiça" (abstrata e eminentemente subjetiva) sobre a lei, em particular, e o Direito, de modo geral.

Esquecem estes mesmos magistrados, entretanto, que para se atender, em sua plenitude, aos diversos princípios constitucionais, relativos ao devido processo legal, como bem assim, ao próprio princípio amplo do contraditório, é necessário um transcurso temporal mínimo, sem o qual a leviandade do julgador restaria, por si só, consignada no próprio "decisum" – em absoluto desfavor da necessária correção da prestação jurisdicional –, contribuindo, sobremaneira, para o descrédito e o desprestígio da Instituição da Justiça.

"Para a prestação de uma tutela jurisdicional eficaz e segura, o juiz deve ter tempo de avaliar a matéria fático-jurídica que é levada ao seu conhecimento até chegar à solução que entender correta" (Donaldo Armelin in A Tutela Jurisdicional Cautelar, R. Proc. Geral do Estado de São Paulo, 23/115-16).

Se, por um lado, como já afirmava Rui Barbosa "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça jurisdicional qualificada e manifesta", por outro, deve ser esclarecido que a prestação jurisdicional que não atenda aos preceitos mínimos do bom senso (como o princípio basilar de que a parte contrária deve ser sempre ouvida) não pode ser validamente conduzida, ainda mais quanto admitida, sob o singelo argumento em favor da imposição forçada de uma pretensa celeridade instrumentalizada, "contra a legis", por mecanismo que não lhe são próprios.

A medida liminar, nesse contexto, não se caracteriza, sob nenhum ângulo, como efetivo meio de resposta aos anseios de uma justiça mais veloz (a exemplo do julgamento antecipado da lide, a sumarização dos ritos processuais etc.), pois não é esta, em nenhuma acepção, a sua finalidade, nem a sua razão de existir. A liminar é, em termos precisos, uma garantia, uma segurança, uma cautela que visa exclusivamente a assegurar a efetividade da sentença meritória, permitindo que a mesma – após o regular transcurso temporal necessário para a sua perfeita prolação –, guarde a sua inteireza e não se torne, por efeito, inócua. Este é o seu desiderato único e fundamental.

Por todas essas razões, a medida liminar não pode servir, portanto, de verdadeiro apanágio viabilizador, em última instância, do exercício de uma tutela jurisdicional, leviana, imprudente, inconsiderada, precipitada, e, sobretudo, ilegítima.

Não podemos nos esquecer de que o juiz, como bem afirma Calmon de Passos, não é um homem para se contrapor à ordem jurídica; muito pelo contrário, o magistrado é um homem para dar concreção à ordem jurídica, tornando, em última análise, rigorosamente segura a prestação jurisdicional que lhe foi confiada e saciando as expectativas sociais nesse sentido.

Não é sem razão que, volta e meia, se retorna à carga quanto do propalado controle externo do Poder Judiciário, pois é muito difícil a qualquer cidadão, relativamente esclarecido, entender o grave paradoxo de que nos deparamos na presente atualidade, ou seja: como é possível a um magistrado de 1º grau de jurisdição (muitas vezes recém-concursado) – à guisa de uma interpretação equivocada da lei (e, em parte, viabilizada pelo princípio amplo da independência do julgador) – paralisar todo um país, por intermédio do deferimento irregular de uma medida liminar (ou, de outra feita, antecipar, esvaziando o mérito da questão controversa, sem ouvir a parte contrária, através de uma simples medida cautelar concedida in limine), quando a sua própria decisão definitiva – resultado de uma ampla reflexão jurídica (e do atendimento pleno de todos os preceitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais) – não possui qualquer efetividade, em face do efeito suspensivo do recurso de apelação que será interposto pela parte sucumbente ou mesmo do recurso que será estabelecido compulsoriamente em decorrência do princípio do duplo grau como condição de eficácia da sentença?

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