Revista Brasileira de Direito Aeroespacial
"Um Novo Tempo para a Aviação Comercial Brasileira"
Brig.-do-Ar Venancio Grossi
(Chefe do Subdepartamento de Planejamento do DAC)
INTRODUÇÃO
A Indústria do Transporte Aéreo tem algumas características muito especiais, como por exemplo:
Portanto, farei aqui uma abordagem do tema, sob o enfoque da autoridade aeronáutica, discorrendo sobre alguns tópicos que nos guiarão numa rápida visão histórica quanto à evolução, à situação atual e às perspectivas da Aviação Civil Brasileira nesta proximidade á entrada do Século XXI.
BREVE HISTÓRICO
Durante as década de 40 e de 50, observou-se pouca ou quase nenhuma regulamentação do Estado na atividade do transporte aéreo, caracterizando a fase da "Política dos Céus Abertos". Neste período, muitas empresas foram fundadas, criando-se um ambiente bastante competitivo, mas com uma boa parte delas carentes de organização, de suporte econômico e de capacitação técnica, o que resultou em um processo de concentração da indústria.
Nos anos 60, o ritmo de desenvolvimento do tráfego aéreo diminuiu. Em conseqüência, a partir de então, o Estado passou a regulamentar fortemente a atividade, caracterizando-se a chamada fase da "Concorrência Controlada". Nessa época, o enfoque da atuação do Estado era no sentido de evitar a competição ruinosa entre as empresas, através do controle da oferta, de linhas e freqüências, e das tarifas aéreas. Em termos de tarifas, por exemplo, foi aplicada a "Política da Realidade Tarifária", cujo fundamento básico era a idéia de que o usuário deveria pagar o justo valor pelo serviço de transporte de que utilizava, cabendo ao "Poder Concedente" fixar as tarifas adequadas aos custos operacionais relacionados a tais serviços, incluindo a respectiva justa remuneração do capital investido.
A década de 60 caracterizou-se pelo contínuo crescimento da demanda, resultando na aceleração do reequipamento das empresas com aeronaves cada vez mais modernas e de maior capacidade. Em conseqüência da aquisição desses aviões maiores, a aviação comercial regular passou a atender um número mais reduzido de localidades.
Para fazer frente a esta problemática criou-se, em 1976, o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional - SITAR.
Com a implantação do SITAR, passou-se a operar, no mercado doméstico, dois níveis de serviços aéreos regulares bem definidos. Nas ligações regionais de baixa densidade, operavam as aeronaves de propulsão turboélice, com uma capacidade média e baixa para passageiros e carga. Nas ligações domésticas e internacionais, de alta densidade e etapas longas, operavam as aeronaves a jato de grande e média capacidade para passageiros e carga.
Na década de 80, intensificou-se o uso das aeronaves de fuselagem larga, os chamados "wide-bodies", para a operação das linhas de alta densidade e de etapas longas.
A partir de 1989, o Poder Concedente passou a adotar uma "Política de Flexibilização Tarifária", considerada como sendo o primeiro passo na transição gradual de um regime de preços totalmente fixados pelo governo, para uma situação que privilegia as livres forças do mercado como instrumento adequado na busca da eficiência.
O ano de 1991 foi marcado pela realização da "Quinta Conferência Nacional de Aviação Comercial - V CONAC". As recomendações emanadas da V CONAC, fruto do amplo e livre debate entre as diferentes forças atuantes do Sistema de Aviação Civil, produziram um impacto considerável no desenvolvimento da moderna aviação comercial brasileira, cuja situação atual é analisada no tópico a seguir.
SITUAÇÃO ATUAL
Como resultado da "Quinta Conferência Nacional de Aviação Comercial"- V CONAC foi elaborada a "Política para os Serviços de Transporte Aéreo no Brasil", que juntamente com toda legislação emitida pelo Ministério da Aeronáutica, a partir dessa conferencia, tem representado a formalização da denominada "Política de Flexibilização do Transporte Aéreo Brasileiro", caracterizada, em síntese, pela progressiva liberalização dos mecanismos normativos.
Esta liberalização se traduziu, concretamente, nos últimos cinco anos na:
A aplicação da Política de Flexibilização tem refletido de modo significativo no desenvolvimento de toda a Indústria do Transporte Aéreo, como será visto a seguir, tanto para os mercados doméstico de âmbito nacional e regional, quanto para o mercado internacional.
RESULTADOS DA POLÍTICA
Mercado Doméstico de Âmbito Regional
Os principais resultados da Política de Flexibilização no Mercado Doméstico de Âmbito Regional foram:
Os dados relativos ao resultado operacional ("break-even" e aproveitamento) e quanto à evolução da frota, observados no período de 1986 a 1997, são apresentados nos gráficos a seguir.
Segmento Doméstico Regional - Resultado Operacional
Mercado Doméstico Nacional
Para as empresas que operam no segmento de transporte aéreo doméstico de âmbito nacional os principais resultados decorrentes da nova Política foram:
Em resumo, pode-se afirmar, com absoluta convicção, que a "Política de Flexibilização" aumentou a competição entre as empresas nacionais, criando condições de incremento ainda maior da competitividade, com o surgimento das novas empresas.
Deve-se mencionar que a realização da V CONAC também coincidiu com o início das operações de aeronaves a jato na "Ponte Aérea Rio-São Paulo", por parte das empresas domésticas de âmbito nacional. Com isso, as empresas participantes do "pool", que até então arrendavam antigas aeronaves do tipo Electra, de propriedade exclusiva da VARIG, passaram a oferecer seus serviços com aeronaves próprias, de última geração, diversificando e elevando o padrão dos serviços oferecidos.
A seguir, é apresentado o resultado operacional (aproveitamento e "break-even"), observado no segmento doméstico regular de âmbito nacional, no período de 1986 a 1997.
Segmento Doméstico Nacional - Resultado Operacional
A partir desse gráficos, pode-se observar que o seguimento vêm apresentando apenas um tênue crescimento desde 1992. Isso tem obrigado as empresas a serem bastante conservadoras no aumento e diversificação de seus serviços. Apesar disso, em parte devido ao rigoroso controle dos custos e aos resultados benéficos do plano de estabilização econômica, as empresas aéreas conseguiram manter , a partir de 1994, o seu ponto de equilíbrio operacional em torno de 50%, ao mesmo tempo em que atingiram um índice de aproveitamento de cerca de 60%. A conjugação desses fatores têm permitido as empresas nacionais recuperarem parte das pesadas perdas ocorridas em anos anteriores.
Mercado de Transporte Aéreo Internacional
Os principais fatos ocorridos, nos últimos anos, no segmento do Transporte Aéreo Internacional, e em particular após a realização da V CONAC, foram:
Observou-se ainda, nos últimos anos, o início das operações no Brasil de empresas estrangeiras, com nítidas características de operação globalizada. Esta competição tem servido de grande estímulo para a elevação dos padrões de qualidade de nossas empresas.
O gráfico, a seguir, apresenta um panorama do resultado operacional, e da evolução da participação das empresas nacionais no mercado internacional, para o período de 1986 a 1997.
Segmento de Transporte Aéreo Internacional - Evolução do Mercado e Resultado Operacional
Mercado Não-Regular
No segmento de Transporte Aéreo Não-Regular, a V CONAC, e a Política dela resultante, tratou com maior ênfase o mercado hoje conhecido como o de "Charter". Atendendo à diretriz de se estabelecer uma regulamentação mínima para proteger os interesses dos usuários do mercado e da higidez das empresas, com regras de funcionamento, oportunidade e competição simplificadas, e para isto foi emitida, em 01 de setembro de 1994, a IMA 58-51 - "Normas para Autorização de Vôos Charter Domésticos de Passageiros".
Após um breve período de rápida expansão, durante o qual se verificou o surgimento de várias empresas, este mercado mostrou-se pouco lucrativo. Isto se deu em função de suas peculiaridades e da acirrada competição promovida pelas empresas regulares, principalmente as regionais, que também estão autorizadas a executar estes serviços. Este segmento do transporte aéreo está sendo objeto de estudos, por parte do DAC, visando à sua restruturação, de modo a melhor se adequar à realidade nacional, aos objetivos de governo (setor turístico) e às necessidades do mercado brasileiro.
VISÃO PROSPECTIVA
Transporte Aéreo e Desempenho da Economia
Sendo visto como atividade meio, fundamental na cadeia produtiva de importantes setores econômicos, como a indústria do turismo, por exemplo, o transporte aéreo é capaz de influenciar, e, simultaneamente, ser diretamente afetado pelas condições de desenvolvimento da economia do país como um todo. Este fato faz com que muitos especialistas possam até mesmo afirmar que o transporte aéreo é um dos melhores termômetros da economia.
Assim, no momento, a maior expectativa da Indústria do Transporte Aéreo é quanto a estabilidade da economia, tendo em vista a alta correlação que existe entre a demanda por esse meio de transporte e a atividade econômica.
Prognósticos
Estudos realizados pelo Instituto de Aviação Civil - IAC, do Departamento de Aviação Civil, têm indicado promissoras perspectivas de desenvolvimento para todos os segmentos da Aviação Comercial Brasileira. Estes estudos estão fundamentados na aplicação de modernas técnicas de modelagem econométrica e na análise de cenários futuros quanto ao crescimento da economia do país.
Os resultados destes estudos são apresentados na forma de três cenários distintos (pessimista, médio e otimista), calculados de acordo com a dispersão estatística da série histórica observada.
MERCADO DOMÉSTICO
Mercado Doméstico Nacional - Prognósticos de Demanda
Com relação ao mercado doméstico de passageiros de âmbito nacional, estes estudos indicam que este segmento deverá apresentar um crescimento médio anual entre 4 e 8%, nos próximos dez anos. Isto significa que, dentro de dez anos, este mercado deverá apresentar um volume de tráfego cerca de duas vezes e meia o tráfego observado no ano de 1997.
Mercado Doméstico Regional - Prognósticos de Demanda
Quanto ao mercado doméstico de âmbito regional, que apresentou, nos últimos 18 anos, a expressiva taxa média de crescimento anual de 18%, espera-se um arrefecimento neste comportamento. Mesmo assim os estudos indicam a possibilidade dele, também, crescer até 8% ao ano, o que será suficiente para dobrar o volume de tráfego atualmente observado, nos próximos dez anos. Neste segmento, em particular, observou-se, nos últimos cinco anos, a criação de 11 novas empresas, atendendo nichos específicos de mercado ou explorando "claros" deixados por empresas de maior porte.
MERCADO INTERNACIONAL
Prognósticos de Demanda no Mercado Internacional
Para o mercado internacional, que apresentou, nos últimos dezoito anos, uma taxa média de crescimento de 8% ao ano, os estudos do IAC indicam que existe ainda um grande potencial de crescimento. As previsões apontam para um crescimento anual entre 5 e 11% ao ano. Isto significa, considerando-se a hipótese otimista, que este mercado poderá praticamente triplicar nos próximos dez anos.
Neste segmento, entretanto, prevê-se o acirramento da competição por parte das empresas estrangeiras, principalmente através da oferta de serviços globalizados. As empresas brasileiras, visando se adequar a estas novas condições de concorrência, têm buscado formalizar alianças com algumas empresas estrangeiras, em particular através do estabelecimento de operações em código compartilhado. Considerando esta realidade, o Ministério da Aeronáutica aprovou, através do Aviso n.º 001/GM5/006, de 12 de março de 1996, uma complementação da "Política para os Serviços de Transporte Aéreo no Brasil", específica para as operações em código compartilhado.
Ainda no contexto do mercado internacional, a grande novidade se refere à implantação do "Sistema Sub-regional Sul de Transporte Aéreo", que tem por objetivo fomentar e desenvolver a malha aeroviária complementar àquela que une os territórios do Brasil e dos países do Cone Sul, e que poderá ser explorado pelas empresas de âmbito regional. Esse "sistema" deverá revolucionar as práticas adotadas até o momento pelo Brasil em termos do estabelecimento de acordos de transporte aéreo com outros países, através da celebração de Acordos Multilaterais de Transporte Aéreo.
CARGA AÉREA
Outro mercado que se encontra em expansão, principalmente a partir de 1991, é o de Carga Aérea. Esse mercado vem sendo explorado tanto por empresas não-regulares quanto por empresas regulares, neste caso, em parte através do aproveitamento dos espaços disponíveis nos porões das aeronaves de passageiros ou em aproveitamento de aeronaves no fim de linhas.
Nos últimos dezoito anos, este mercado, tanto a nível doméstico quanto internacional, apresentou um crescimento consistente da ordem de 7% ao ano e os estudos indicam que deverão ser observados, num futuro próximo, modificações e desenvolvimento consideráveis. Os resultados desses estudos apontam para crescimentos médios anuais de até 10%. Isto significa que, considerando-se a hipótese otimista, pode-se esperar que, dentro de dez anos, este mercado deverá ser duas vezes e meia maior que o atual, conforme se verifica nos gráficos a seguir.
Carga Aérea - Mercado Doméstico Nacional
Prognósticos de Demanda
Carga Aérea - Mercado Internacional
Prognósticos de Demanda
CONCLUSÃO
A Indústria do Transporte Aéreo é complexa, dinâmica e sujeita a rápidas mudanças e inovações, o que impõe grandes desafios, tanto para as Empresas quanto para o Órgão Regulamentador.
O trato dos assuntos da Aviação Civil exige pessoal com capacitação técnica específica, compatível com a complexidade do setor, e para enfrentar esses desafios, principalmente considerando a nova realidade resultante do processo de globalização. Entretanto, o sucesso não dependerá exclusivamente da eficiência empresarial, pois os pontos também terão grandes influências neste destino:
Portanto, os promissores prognósticos apresentados serão mais ou menos verdadeiros, dependendo da capacidade da indústria em saber equacionar e delinear estes pontos apresentados de modo a fazer com que o próximo milênio seja de fato "Um Novo Tempo Para a Aviação Comercial Brasileira".