Revista Brasileira de Direito Aeroespacial

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O Dano Moral em Direito Aeronáutico
(Panorama da Jurisprudência Brasileira)

Pedro Gordilho (Brasil)

I - A REGRA MORAL NAS OBRIGAÇÕES CIVIS

1. Vou iniciar esta palestra lembrando o grande jurista brasileiro Professor Caio Tácito, em visão rica de imagens e enternecida pela moldura do coração, exposta, muitos anos passados, nessa mesma cidade de Salvador (arquivo pessoal do autor): "Nenhum brasileiro chega à Bahia. Todos nós - os de outros rincões - aqui estamos como quem regressa às origens do nascimento nacional. Aqui aprendemos a sabedoria da vivência pausada, a um tempo produtiva e lúdica, o doce modo baiano de viver e conviver, do qual participam todos os sentidos, inclusive o saborear o tempo, ao invés apenas de consumi-lo. Imagino como seriam diversas as instituições brasileiras se aqui houvesse permanecido o Poder Central. Não mudaria somente o centro de gravidade da economia, nem somente o estilo da política ou a técnica de administrar: a cultura baiana, mesclando o agudo senso da realidade com a pausa manemolente da expectativa, certamente irradiaria os fluxos de sua amável qualidade de vida. É sempre assim que retomo à Bahia para o sabor das virtudes melhores da inteligência e da cordialidade.".

2. É assim que também me sinto, Senhoras e Senhores, sempre que aqui retorno. Começo essa palestra, pois, evocando essas palavras ternas, louvando a lembrança dos organizadores e lhes agradecendo a oportunidade que me oferecem de estar de novo em minha terra, reaprendendo a sabedoria do imediato e do permanente neste cenário que é de todos os santos e de todos os brasileiros.

3. A questão do dano moral está na ordem do dia nos pretórios brasileiros. O tema que me foi apresentado - O Dano Moral em Direito Aeronáutico -, a todo momento, sob ótica multifária, está sendo colocado perante juizes e tribunais. As questões mais estranhas têm sido levadas a juízo com pedido de indenização por dano moral. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.". A regra é do art. 159 do Código Civil. Esta regra, apoiada no art. 5º, incisos V e X da Constituição, hoje constitui um verdadeiro filão de ouro. Não é preciso argumentação densa para justificar uma ação de indenização por supostos "danos morais". E alguns juizes - ao avaliar a dor moral causada por eventuais agressões - têm sido excessivamente benevolentes quando os réus são instituições bancárias e, mesmo, naquilo que toca diretamente aos interesses que nos reúnem nesta assembléia, quando no pólo passivo acham-se empresas de transporte aéreo. Heresias jurídicas têm sido praticadas, transformando tais ações numa verdadeira fonte de interesses, nem sempre fundamentados nos severos mandamentos do bom Direito.

4. Todos têm presente aquela cena insólita mostrada no horário nobre das televisões brasileiras. De um lado, um empresário maranhense. De outro lado, o Banco do Brasil. Entre eles, o magistrado com exercício na Vara Cível da capital do Maranhão, que estipulou o valor de uma indenização por danos morais - em favor do empresário - em R$ 255.000.000,00, a maior já concedida em nosso país, em ações similares, e responsável pela instauração do caos entre os correntistas do Banco naquele Estado. Esses foram os protagonistas de um processo que resultou até mesmo na apreensão, com o uso de maçarico, de todo dinheiro disponível nas unidades do Banco do Brasil em São Luís. E a polêmica decisão sobre a apreensão do dinheiro depositado nas agências - ocasionando o fechamento das unidades e a paralisação dos serviços bancários em São Luís - somente foi interrompida, uma semana depois de autorizada, com o deferimento de liminar, pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, em mandado de segurança impetrado pelo Banco.

5. Eis por que desejo invocar, no frontispício dessa palestra, a obra magistral de Georges Ripert, que deveria estar na cabeceira de todos que militam direta e pontualmente com o Direito. E desta obra vou ressaltar seu pensamento que pede cautela na aplicação das regras que exprimem o ideal de justiça, que não se deve justificar pela sua banalização. É essa a lição do grande civilista (A regra moral nas obrigações civis, 1937, Livraria Acadêmica, p. 7):

"Há centenas de anos que uma regra moral precisa criou a civilização ocidental; esta civilização exprime-se no seu direito. Defendendo as regras fundamentais deste direito, impedindo que desapareça esta concepção moral do mundo. Mas estas regras fundamentais não são a expressão dum vago ideal de justiça comum a todos os povos. Não se procure justificá-las banalizando-as e defendendo-as em nome dum ideal comum a todos. Devemos, pelo contrário, mantê-las nos seus severos mandamentos e na sua necessária intransigência."

II - A REPARAÇÃO É IMPERIOSA

6. Sobretudo depois da Constituição, nenhuma hesitação existe na jurisprudência. A vítima da falta, avaliando ela própria a importância pecuniária do dano moral que sofreu, pede indenização em compensação desse dano. Os contornos da teoria continuam indecisos, como vamos ver com o exame da jurisprudência recentemente colhido, mas o princípio está estabelecido: é imperiosa a reparação.

7. Mas em que casos e condições tem sido ela concedida ou fundamentadamente denegada no âmbito do direito aeronáutico ? É o que pretendemos mostrar, fazendo breve exame - nos limites desta palestra - notadamente da jurisprudência predominante nos pretórios brasileiros, focalizando temas relacionados à indenização da pessoa jurídica, cumulação do dano moral com dano material, subsistência das normas da Convenção de Varsóvia, ainda que contrarie o Código de Defesa do Consumidor, o dano moral decorrente de cancelamento de vôo, de atraso de vôo, de extravio de bagagem e, finalmente, o tema recorrente que tem provocado o mais amplo debate e que toca à fixação do valor da indenização por dano moral, que o Superior Tribunal de Justiça, sensível aos excessos cometidos, em ousada e aplaudida jurisprudência, tem decidido arbitrar no âmbito do recurso especial.

8. Saímos, não faz muito tempo, de um prolongado período de obscurantismo, marcado pela supressão dos direitos. Com a Constituição, os direitos suprimidos retornaram acrescidos de novos direitos, indefinidos ou ambíguos na precedente ordem jurídica. A vontade nacional desejava ver, em forma escrita, aquilo que lhe havia sido subtraído, agora revigorado por novos preceitos garantidores de sua eficácia. Aquilo sobre o que havia dúvida ou incerteza.

9. A indenização por dano moral é um desses direitos reafirmados no âmbito do ordenamento constitucional. Antigo diploma anterior ao Código Civil, a chamada Lei de Responsabilidade Civil das Estradas de Ferro, já o admitia em seu art. 21, para os casos de lesões corporais, conquanto sem usar da expressão dano moral. O Código Civil, ao tratar da liquidação das obrigações de atos ilícitos, regula hipóteses que configuram dano moral. A consagração do direito à reparação do dano moral, segundo a doutrina e a jurisprudência, encontra-se no próprio art. 159 do Código Civil. Dispondo amplamente sobre o dever de indenizar, que se impõe a quantos violem direito ou causem prejuízo, abrange esta regra, segundo os tribunais brasileiros, as duas espécies de dano. O Título do mesmo Código Civil que versa sobre a liquidação, envolve, especificamente, algumas hipóteses. E assim determina porque existe a norma que estabelece a obrigação de indenizar, pouco importando que se haja tratado apenas de alguns casos. Aqueles que não estão diretamente regulamentados serão evidentemente liquidados mediante arbitramento. Pois bem: sem o embargo da disciplina da lei civil contemplar o dano moral, inseriu-se, na Constituição, preceito expresso, dispondo sobre a indenização por dano moral. Não é um novo direito, mas nova roupagem constitucional vestindo o velho e discutido direito. No item V e no item X do art. 5º estão os dispositivos. O primeiro assegura direito de resposta, tanto pelo dano material, como pelo dano «moral ou à imagem». O segundo garante a indenização pelo dano moral e material decorrente da violação à intimidade, vida privada, honra e imagem.

10. Creio poder afirmar que, nesses momentos que sobrevêm às definições atualizadas ou à dilatação normativa do universo de direitos, é compreensível - pelo menos numa primeira fase, que depois será virtualmente desbastada - que os pretórios venham a sufragar a essência dos preceitos nem sempre sob o limite das molduras que os contêm, por se acharem, juizes e tribunais, envolvidos, ainda que inconscientemente, pela vontade nacional que terá protagonizado a sua inserção no direito positivo, notadamente quando esta inserção se dá, como no caso, em texto constitucional.

11. Nenhum cenário se apresenta, pois, com maior atualidade para focalizar nosso tema do que o oferecido pelos pretórios - mesmo porque pouco restou para a doutrina após a notável monografia do Dr. Eduardo Consentino intitulada El Daño Moral en el Campo del Transporte Aéreo (Bol. Inf. AITAL, año 7, nº 35, p. 22) -, conquanto - ouso assinalar - o direito aplicado ainda não se ofereça com estatura que coloque os vereditos no patamar da jurisprudência brasileira sobre tão instigante questão, ganhando o estágio de maturidade que permita tê-los como usus fori.

III - PESSOAS JURÍDICAS TAMBÉM DEVEM SER INDENIZADAS POR DANO MORAL

12. A questão hoje já está pacificada mas pareceu-me devesse figurar nessas considerações. Os pretórios brasileiros não aceitaram, a princípio, a tese de que a pessoa jurídica está afeta ao dano psicológico. Eventual prejuízo sofrido teria indenização por perdas e danos, mas não indenização por dano moral, que visaria indenizar a dor da pessoa pela ofensa. Essa tese, como todos sabem, manteve-se por muitos anos nos tribunais brasileiros, podendo-se ainda apontar julgados recentes que a sufragam (TARS, ap. 194101911, 7ª Câmara, julgado em 26.4.95, RT, 717/249). Mas o entendimento hoje predominante é no sentido de que a pessoa jurídica tem legitimidade para sofrer dano moral e pleitear a indenização correspondente, na consideração de que possuindo, a pessoa jurídica, legítimos interesses de ordem imaterial, embora não tenha psiquismo próprio, nem sinta dor, ela pode sofrer dano moral passível de reparação (TJRS, Relator o então Des. e hoje Ministro do STJ, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, AC 587.064/718, arquivo pessoal do autor).

13. Vários julgados do STJ têm reconhecido o dano moral de empresa. Sirva de exemplo o julgado proferido pela 3ª Turma em recurso especial em que era recorrente a Seagram do Brasil Indústria e Comércio Ltda. e recorrida a Comercial Baco Ltda., de Belo Horizonte. A disputa judicial começou quando a Baco ingressou na justiça com ação de indenização por danos materiais e morais contra a Seagram. O argumento era de que a sua reputação e seus negócios foram prejudicados depois que a Seagram protestou títulos indevidamente. Os títulos seriam referentes à aquisição de bebidas pela Baco feita em dezembro de 1991. Apesar de quitados há mais de 15 dias, os títulos foram protestados em cartórios. A empresa argumentou que, em conseqüência do protesto, teve suspensos vários pedidos de fornecedores e canceladas algumas entregas. A Seagram resolveu recorrer ao STJ, depois de ser condenada em 1ª e 2ª instâncias ao pagamento de 20 vezes o valor dos títulos protestados. A alegação era a de que pessoas jurídicas não têm direito à indenização por dano moral porque não têm psicologia própria. Seguindo o voto do Min. Waldemar Zveiter, a 3ª Turma concluiu que pessoas jurídicas também podem entrar na justiça com ações de indenização para ressarcir danos morais. Para pleitear o direito, a empresa precisa ter sofrido efetivamente prejuízo à sua reputação ou a seu conceito no mercado, como abalo de crédito, perda de chances de negócios e concretização de contratos comerciais. Além, pois, da demonstração do fato, haverá que se comprovar, cabalmente, o prejuízo na sua reputação ou ao seu conceito. (Gazeta Mercantil, 6.6.97 e arquivo pessoal do autor).

IV - CUMULAÇÃO DE DANO MORAL COM DANO MATERIAL

14. Examino agora a questão relativa à possibilidade de cumulação de dano moral com dano material. A Súmula 37/STJ a admite amplamente. Mas a 3ª Turma do STJ tem denegado a pretensão de cumular-se a indenização, diante de dano material e de dano moral, quando se trata de indenização limitada (conquanto mencionando, de modo não adequado, a expressão tarifada). No recurso especial nº 51.372-3/RJ, do qual foi relator vencido em parte o Min. Nilson Naves, decidiu a 3ª Turma que a indenização há "de ser restrita ao valor legalmente tarifado". Tratava-se de ação de indenização por danos pessoais proveniente de queda de helicóptero de propriedade da empresa aérea. Houve alegação de culpa grave da transportadora não comprovada. Pediu-se indenização por danos materiais e indenização por dano moral. O julgado do tribunal local decidiu que a condenação fundada na responsabilidade objetiva deve ser restrita ao valor legalmente limitado, razão pela qual não tinha cabimento a condenação por dano moral. O recurso sustentou a contrariedade ao art. 159/CC e dissídio com a súmula 37 do STJ. O Relator deu-lhe provimento nesta parte pela alínea a, entendendo que a indenização por dano moral não é incompatível com a responsabilidade objetiva. Extrai-se, com efeito, do voto do Min. Nilson Naves: «O dano moral é bem distinto do dano material. Eles têm pressupostos diversos. Aquele pode ser reparado sem que esse o seja. Nesta 3ª Turma já foi deferida indenização a tal título, a despeito de não comprovada a culpa do causador do acidente. O autor daquela ação não tinha reparação pelo dano material por ele sofrido, mas lhe demos aqui indenização pelo dano moral.» E acrescenta o relator em seu voto, que não prevaleceu: "Não creio ainda que a indenização tarifada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica torne insuscetível a indenização por dano moral. Os limites têm a ver com o dano material. Mas a indenização não pode ser apenas essa. Nem o é por tal dano quando resulte de dolo ou culpa grave do transportador. Logo, tem cabimento outra indenização." Divergindo, o Min. Eduardo Ribeiro ressaltou, como fundamento do seu voto: "Sendo a indenização limitada legalmente, posto afastada a alegação de culpa grave, não há como conceder mais com base em que houve dano moral. A limitação compreende toda a indenização não importando a que título.» No mesmo sentido votou o Min. Waldemar Zveiter: "Sr. Presidente, também solicito vênia ao em. Ministro-Relator para não aderir à interpretação que S.Exa. dá à legislação específica. Cuida ela, tão só, da indenização tarifada, como salientado pelo em. Min. Eduardo Ribeiro. O fato indenizável vem descrito na lei como sendo o óbito, e o valor nela também estabelecido. Não vejo como se aplicar, no caso, o princípio para outras hipóteses que temos adotado de cumulação de dano moral com a indenização do dano material."

15. Aqui está a ementa, que resume a controvérsia e que merece ser reproduzida na íntegra pela importância da tese (Resp nº 51.372-3/RJ, DJ, 19.12.94, Rel. Min. Nilson Naves, arquivo pessoal do autor):

"Transporte aéreo. Queda de helicóptero. Danos pessoais. Ação de indenização. 1. Culpa grave do transportador. Ausência de prova, segundo a instância ordinária. Questão, portanto, de fato, não examinável no especial (Súmula 7). 2. Inflação relativa ao mês de janeiro de 1989. Questão não prequestionada. "Matéria a ser delimitada na fase de execução do Julgado". 3. Dano moral. Conforme o entendimento da Turma, a indenização "há de ser restrita ao valor legalmente tarifado". Voto vencido do relator: em tal caso, a indenização limitada não exclui a indenização por dano moral. 4. Recurso especial não conhecido, vencido, em parte, o Relator."

V - SUBSISTÊNCIA DAS NORMAS DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA SOBRE TRANSPORTE AÉREO AINDA QUE DISPONHAM DIVERSAMENTE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

16. Vários acórdãos de tribunais estaduais, notadamente do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, têm admitido que o Código de Defesa do Consumidor afeta as disposições do Tratado que consubstancia a Convenção de Varsóvia. Aí estão, entre outras, as decisões publicadas na Revista dos Tribunais 727/98, 727/200/ 727/209. Mas brilhante julgado da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, aplicando pontualmente os princípios, decidiu que, em caso de extravio de bagagem, em viagem internacional, não se devia reformar o acórdão do tribunal mineiro que afirmara - em face de não haver denúncia do Tratado - que esse deveria prevalecer quando posto em confronto com norma de direito interno. Para não conhecer do recurso do passageiro, afirmou o Relator, Min. Eduardo Ribeiro (Resp 58.736-MG, RSTJ, v. 83, p.175):

"Considero que tem razão o recorrente quando combate a doutrina sustentada na decisão impugnada, que não corresponde ao entendimento hoje mais aceito. O Tratado não se revoga com a edição de lei que contrarie norma nele contida. Rege-se pelo Direito Internacional e o Brasil a seus termos continuará vinculado até que se desligue mediante mecanismos próprios. Entretanto, perde eficácia quanto ao ponto em que existia a antinomia. Internamente prevalecerá a norma legal que lhe seja posterior.

Ocorre que, tendo em vista a sucessão temporal das normas para saber qual a prevalecente, aplicam-se os princípios pertinentes que se acham consagrados na Lei de Introdução ao Código Civil. No caso, o estabelecido pela Convenção constitui lei especial, que não se afasta pela edição de outra, de caráter geral. As normas convivem, continuando as relações, de que cuida a especial, a serem por ela regidas. E não há dúvida alguma do cunho de generalidade das regras contidas nos artigos invocados do Código de Defesa do Consumidor.

Entendo, por essa razão, que a edição daquele não afasta a aplicabilidade das disposições especiais, relativas ao transporte aéreo internacional."

17. Houve pedido de vista do Min. Nilson Naves, que votou concedendo a indenização por dano moral invocando o precedente de sua autoria tomado no Resp 13.813 (RSTJ, v. 47, p. 159). Mas o Min. Eduardo Ribeiro voltou à questão e, em aditamento ao voto, ponderou não haver discutido a tese de a indenização do dano moral escapar das limitações que resultam da Convenção de Varsóvia. Diz ele: "Cingi-me ao contido no acórdão que não reconheceu a existência de pressuposto de fato indispensável para que se pudesse cogitar da reparação àquele título."

18. Este acórdão recebeu a seguinte ementa, por si só esclarecedora (RESP nº 58.736-MG, Relator Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ, v. 83, p. 175):

"Lei - Tratado.

O tratado não se revoga com a edição de lei que contrarie norma nele contida. Perderá, entretanto, eficácia, quanto ao ponto em que existia antinomia, prevalecendo a norma legal.

Aplicação dos princípios, pertinentes à sucessão temporal das normas, previstos na Lei de Introdução ao Código Civil. A lei superveniente, de caráter geral, não afeta as disposições especiais contidas em tratado.

Subsistência das normas constantes da Convenção de Varsóvia, sobre transporte aéreo, ainda que disponham diversamente do contido no Código de Defesa do Consumidor."

VI - CANCELAMENTO DE VÔO

19. Recolhi na pesquisa, no tocante ao cancelamento de vôo, acórdão que mostra alheamento à especialidade do tema. Refiro-me a julgado do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo que assinala ser dever de toda empresa aérea não só oferecer aos passageiros a aeronave perfeitamente revisada, sem qualquer perigo de acidentes antes de iniciar a viagem, como também, para evitar atrasos, manter outras aeronaves de reserva nos locais de escala e próximo a estes ou, quando não, ter convênio com outras companhias visando substituições de imediatas em vôos alternativos. Fazendo uma associação entre preceitos da Convenção de Varsóvia e do Código de Defesa do Consumidor, esse julgado, em face de cancelamento de vôo - sendo sucedido por vôo realizado 21 horas depois do horário previsto, justificando-se o cancelamento por problema técnico na porta do porão da aeronave, que teria bloqueado inclusive o carregamento - decidiu dar provimento à apelação do passageiro, porque considerou que, pela Convenção de Varsóvia, a transportadora responde pelos danos provenientes do atraso do transporte dos viajantes, não sendo o transportador responsável se provar que tomou ou tomaram seus propostos todas as medidas necessárias para que não produzisse o dano, ou que lhes não foi possível tomá-las (Convenção de Varsóvia, art. 19 e art. 20, alínea 1). A companhia aérea, em face do dano grave apresentado na porta do porão em sua aeronave, acomodou os passageiros em hotel e foi obrigada a atrasar o vôo por quase 24:00 horas, mas o julgado não aceitou a ressalva do art. 20, alínea 1, ressaltando que a empresa aérea deve oferecer aos passageiros a aeronave perfeitamente revisada, sem qualquer perigo de acidente, antes de iniciar a viagem. E mais: deve manter, diz o acórdão, outras aeronaves de reserva nos locais de escala ou próximas a estes. Ou, quando não, ter convênio com outras companhias visando substituições imediatas em vôos alternativos. Daí por que, aplicando os arts. 14 e 20 do Código de Defesa do Consumidor (que se aplicaria à espécie por se tratar de vôo iniciado no Brasil), combinados com os preceitos da Convenção de Varsóvia (arts. 19 e 22, inc. 3º) e do Código Brasileiro de Aeronáutica (art. 266, item 2º), o acórdão aplicou a multa de 5.000,00 francos Poincaré, "que é o mínimo fixado para atraso na entrega de objetos cuja guarda conserve consigo passageiro" (sic). E finaliza o acórdão: "Assim se estará atendendo unicamente - como verdadeira cláusula penal ope legis - a desvalorização do serviço."

20. Este acórdão veio a ser mantido por decisão da 10ª Câmara do Tribunal de Alçada Civil, que reafirmou ser a responsabilidade do transportador aéreo, por atraso de vôo, de cunho legal, independente de culpa ou dolo da empresa. Significa que, mesmo diante de imprevisão (defeito ou quebra da aeronave), militaria em favor do passageiro a presunção de culpa da empresa. (Emb. Inf. 593. 178-2/01, j. 3.10.95, Rel. desig. Juiz Paulo Hatanaka, RT, 727, p.200).

21. Votou vencido o Juiz Edgard Jorge Lauand, que reafirmou, em declaração de voto, princípios basilares do direito aeronáutico em referência ao cancelamento do vôo. Pela pertinência, convém reproduzir parte desse voto (1º TACIVSP, Embargos Infrigentes 593.178-2-0; 10ª Câmara, julgado em 3.10.95, RT, 727-200): "No caso em análise, o atraso, à evidência, não decorreu de qualquer falha da companhia aérea mas sim de seu zelo em não deixar a aeronave partir com o dano na porta do porão que traria problemas com a pressurização. Não haveria necessidade da embargante provar a efetiva ocorrência do dano na aeronave. Isto porque, como de praxe ocorre, cuidou de providenciar hospedagem aos passageiros até que fosse reparado o avião para seguir viagem (...)

Todo contrato de transporte, não só o aéreo, é de resultado, e o fornecedor responde pelos vícios de qualidade que o tome impróprio ao consumo ou diminua o valor.

A embargante observou como prestadora do serviço as regras para ofertar o resultado adequado, qual seja: conduzir com segurança todos os passageiros a seu destino, conforme contratado.

Diversa seria a situação se o atraso, porventura, tivesse origem na impossibilidade de transporte dos passageiros por ofertar a companhia prestadora do serviço poucas vagas na aeronave, insuficiente para o número de pessoas a serem transportadas (...).

Ao contrário do que afirma o v. Acórdão, não poderia e nem haveria condições para as companhias aéreas manterem aviões reserva nos locais de escala ou próximos a estes e nem tampouco prever quando iria ocorrer algum dano que necessitasse acionar avião reserva ou outra companhia com a qual tivesse convênio.

Como bem salientou, em suas razões, a embargante, se fosse seguida a orientação do acórdão haveria um encarecimento neste tipo de transporte que o inviabilizaria. Acrescente-se que seria mesmo impossível manterem-se aviões reserva espalhados pelo mundo. Têm-se dúvidas se haveria inclusive espaço físico para tanto. O ideal está previsto no acórdão teoricamente porque, na prática, se mostra inatingível a pretensão. Não de pode enquadrar o transporte aéreo para e simplesmente nas normas do Código de Defesa do Consumidor para se falar em vícios de qualidade e impropriedade ao consumo ou diminuição do valor do serviço prestado, mormente no caso em tela onde os passageiros tiveram toda a assistência da embargante.

Quanto à aplicação das normas da Convenção de Varsóvia, induvidosamente há necessidade da existência do efetivo prejuízo para ocorrer o dever de indenizar.

No caso do embargante, como reconhecido no acórdão, não houve qualquer insinuação do prejuízo ou efetiva prova de sua ocorrência. Foi transportado ao seu destino por uma outra companhia, sem qualquer ônus.

Segundo os termos do art. 19 da Convenção referida:

"Responde o transportador pelo dano proveniente do atraso no transporte aéreo do viajante, bagagem ou mercadorias.»

No art. 20, é isentado o transportador de responsabilidade se provar que tomou todas as medidas para que não produzisse o dano.

Não se pode considerar que haja dano da ocorrência em análise, por si só, sem qualquer demonstração da parte interessada.

A multa tarifada do art. 22 exige a comprovação do dano para que seja fixada a responsabilidade do transportador na quantia de 4.150 direitos especiais de saque por passageiro.

Sem o prejuízo, não há que se falar em indenização.

Embora o "Protocolo Adicional 3» tenha alterado substancialmente o art. 22, de modo a prever indenização para atraso também quanto ao passageiro, alterando o padrão da indenização, não pode ser analisado isoladamente, mas sim deve ser examinado juntamente com os demais artigos da Convenção de Varsóvia a prever a responsabilidade de indenizar o transportador ante a ocorrência do dano.

Se o embargado, como vem dito no acórdão, não demonstrou qualquer prejuízo, não há de se aplicar penalidade tarifada à transportadora.»

22. Eis aí, pois, um pronunciamento isolado que faz honra aos princípios da responsabilidade civil no campo de transporte aéreo.

VIII - ATRASO DE VÔO

23. Passo agora à tormentosa questão de atraso de vôo. O primeiro precedente que desejo reproduzir não toca à questão de dano moral, mas mostra como alguns julgadores cuidadosos - no caso, um juiz de primeiro grau - observam as regras da disciplina do transporte aéreo, aplicando-as modelarmente. No processo nº 1055/90, o Juiz da 14ª Vara Cível de São Paulo, em 20.8.96, julgou improcedente ação movida por passageiros de transportadora aérea, que pediram indenização, sob fundamento de que, tendo adquirido bilhetes para o vôo São Paulo - Los Angeles - São Paulo, com horário de partida para 2:00 horas da madrugada, até às 4:00 horas da madrugada não haviam partido. A empresa aérea levou todos os passageiros para o hotel, onde permaneceram até o dia seguinte, retornando para o embarque às 19:00 horas, sendo que somente embarcaram por volta de 21:00 horas. Perderam, assim, um dia de passeio e uma diária de hotel. A empresa aérea comprovou a impossibilidade do aparelho, que estava destinado a realizar o vôo com os autores, decolar do aeroporto em Nova Iorque, onde se encontrava, em razão de abalroamento que danificou sua turbina, obrigando-o a reparos na cidade americana. Além disso, a companhia aérea comprovou a forte nevasca que se manifestou naqueles dias. Ao julgar a ação improcedente, o Juiz decidiu, com irrecusável acerto (14ª V. Cível, S. Paulo, Capital, proc. 1055/90, arquivo pessoal do autor):

"Se os autores perderam um dia de passeio e uma diária de hotel, a ré também teve seu prejuízo demonstrado nos autos, que também não será ressarcido, em razão da ocorrência do fortuito.

Fato notório, também, é que todas as empresas aéreas encontram-se operando com déficit, o que as obriga a reduzir o número de aparelhos em operação, sendo, pois, impossível a destinação do outro aparelho para atender àquela necessidade.

Somente por motivo de força maior, ou fortuito, uma empresa aérea mantém um aparelho estacionado no aeroporto de Nova York em razão das altas tarifas ali cobradas.

Por outro lado, mesmo que se desse pela procedência do pedido, a importância pretendida pelos autores jamais poderia ser acolhida, porque a Convenção de Varsóvia estabelece o máximo da multa, por passageiro, em 5.000 dólares-poincaré" (sic).

24. A pesquisa revelou - conquanto pedido de indenização por atraso de vôo, em razão de dano material - outro julgado, agora do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, promovendo uma associação de preceitos da Convenção de Varsóvia com o Código de Consumidor, aqui figurando por mera curiosidade. Colhe-se, com efeito, do julgamento da apelação 629715/0 (10ª Câmara, julgado em 31.10.95, RT, 727-209):

"O contrato de transporte aéreo é de resultado, respondendo o fornecedor do serviço pelos "vícios de qualidade" que o tornem impróprio ao consumo ou lhe diminua o valor. Por isso, não se trata de obrigação aleatória, cabendo ao transportador, além da "obrigação de segurança", a de "prestabilidade", sob pena de ter o dever de indenizar, independentemente de qualquer discussão de culpa do contratante faltoso. A cláusula das "Condições de Contrato", que acompanhava o bilhete, por se tratar de cláusula unilateral, colocada em "contrato de adesão», só visando o interesse da companhia transportadora, não tem valor algum, conforme art. 51 da Lei 8.078/90 (CDC)."

25. Algumas decisões recentes mais afeiçoadas aos princípios já vêm observando a indenização limitada, em conformidade com os parâmetros legais. Sirva de exemplo o julgado da 8ª Câmara Especial do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo na Apelação nº 650.605-2 (Boletim da AASP nº 2015, de 17.8.97, julgado de 3.1.96):

"Transporte aéreo - atraso na prestação do serviço. Inobservância das alternativas que, pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, são impostas ao transportador. Dever de indenizar por pagamento de multa. Limitação, contudo, do valor da indenização, aos termos da lei. Indenizatória procedente. Recurso provido para esse fim."

26. Outro julgado do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, pela sua 9ª Câmara Especial de janeiro/97, repôs o tema em seu leito natural, assinalando que, na pretensão à indenização por dano moral em atraso de vôo internacional, é curial a demonstração efetiva da existência de prejuízo. Nesse precedente, houve efetivamente atraso. Pela Convenção de Varsóvia, em seu art. 19, "responde o transportador pelo dano proveniente do atraso no transporte aéreo de viajantes, bagagens ou mercadorias». A inicial pede indenização pelo dano moral, que estima em 15 salários mínimos, e multa prevista no protocolo de Haia (Decreto nº 56.463/65), que deveria merecer interpretação extensiva, embora refira-se à bagagem porque, na lógica do pedido, "o acessório deve acompanhar o principal", diz o acórdão, negando o pedido (1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 9ª Câmara Especial de janeiro/97, Apelação nº 718. 616-7, da Comarca de São Paulo, Relator o Juiz Hélio Lobo Júnior, arquivo pessoal do autor):

"Para seguir tal entendimento, mister seria que os Protocolos Adicionais ns. 1, 2 e 3 modifcativos da Convenção de Varsóvia seriam aplicáveis em nosso país, por força da promulgação, em 5.6.79, do Decreto Legislativo n. 22, e pedem os apelantes, com base em tais diplomas e precedentes Jurisprudências, a indenização correspondente.

Não lhe assiste razão, "data máxima venia".

É que, conforme precedente do E. Supremo Tribunal Federal (JSTF, ed. Lex, 117/173), a aplicação dos protocolos inicialmente referidos não se justifica, pois não chegaram a integrar o direito positivo do Brasil.

Confira-se, ainda, o julgado, também do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro Moreira Alves, "in" RTJ, 107/381."

27. Em outro ponto, o acórdão, dando prevalência à Convenção, recusa corretamente a aplicação das sanções previstas no art. 20 e os incisos do Código de Defesa do Consumidor, nos termos seguintes:

"Assim colocada a questão, com a impossibilidade de aplicação, também, das sanções previstas no art. 20 e incisos, do Código de Defesa do Consumidor, porque a Convenção Internacional disciplinou expressamente o assunto, já que o contrato de transporte refere-se a vôo internacional, devendo prevalecer essa norma, aceita pelo país, e que, pela forma correta integra sua legislação, sobre leis ordinárias que, quando muito, incidiriam sobre contratos de transporte aéreos nacionais, há que se cingir às regras da Convenção de Varsóvia, art. 19 e 22, as quais não prescindem da efetiva comprovação do aludido dano.

Desse modo, a indenização apenas pelo fato do atraso no vôo em si, sem demonstrar a existência de prejuízo, que não pode ser confundido com desconforto ou reparação moral, não encontra amparo legal."

28. Exigindo pontualmente a comprovação do dano e a observância do limite, conclui este importante julgado:

"Não se pode olvidar, para deslinde da espécie, das conseqüências da inexecução das obrigações (art. 1.056 do Código Civil) e da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos (art. 1.553 do

Código Civil), com a observação de que a responsabilidade não pode ser puramente objetiva e o dano proveniente do atraso precisa ser demonstrado, observando o limite, bem como a existência de dolo ou culpa a ele equiparada (art. 25, 1, da Convenção).

Na espécie vertente, como já referiu o douto magistrado, não há que se falar em dano moral, porque a empresa aérea, cumprindo a sua obrigação, hospedou condignamente os apelantes, sendo exagero supor que sofreram abalo emocional de monta com o adiamento, em tais condições, do passeio.

Depois, o atraso, conforme demonstrado fartamente nos autos, sem qualquer impugnação, pois trata-se de foto notório, deu-se em virtude da nevasca que prejudicou os vôos naquele aeroporto internacional, podendo, inclusive, ser classificado como motivo de força maior.

Eventual dano correspondente ao atraso de um dia no pacote de viagem ou diária do hotel já paga, não chegou a ser expressamente requerido na vestibular, quiçá por não terem os apelantes efetuado tal pagamento."

29. Este julgado, que teve como relator o Juiz Hélio Lobo Júnior, tendo participado do julgamento os Juizes Harmindo Freire Mármora e Roberto Caldeira Barione, está coroado pela seguinte ementa:

"Responsabilidade civil - Transporte Aéreo - Atraso de vôo Internacional - Necessidade da demonstração de existência de prejuízo decorrente do atraso - Pretensão à indenização por dano moral - Impossibilidade - Fato notório (nevasca) que prejudicou os vôos naquele aeroporto - Ação improcedente - Recurso impróvido."

30. Mas a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, deu provimento a recurso de passageiro para reconhecer a legitimidade por indenização por dano moral resultante de transtornos e angústia pela retenção em aeroporto estrangeiro por 12 horas. É o que está na ementa. Neste caso, houve retenção indesejável porque a doença do comandante impediu a companhia de prosseguir o vôo. Diz o acórdão (José Raffaelle Santini, Dano Moral, 1997, p. 587, Ed. de Direito Ltda., SP): "No caso dos autos, a doença do comandante, sendo necessários dois e não um, não poderia liberar a transportadora por ser acontecimento possível, e que a obrigaria a ter mais um disponível, e sem que isso possa justificar a alteração da escala porque ocorrente antes do vôo." Finaliza o voto vencedor:

"Contudo, resta evidenciado que se deu inquestionável dano moral - pelos transtornos provocados à parte, que teve que ficar, angustiada, cerca de 12:00 horas na identificação do aeroporto de Lisboa, em situação não prevista, não contratada e indesejada. O mínimo que se poderá atribuir à transportadora será este mal serviço fruto da execução defeituosa - equivalente a inadimplemento. Como compensação dele, o que se lhe pode atribuir é a perda das passagens, com que se indeniza o autor."

31. A controvérsia fica ilustrada com a reprodução do voto vencido, do Juiz Dalton Costa, que mostra aquilo que a maioria recusou-se a ver, vale dizer, a ocorrência de força maior excludente da responsabilidade. Assinala, efetivamente, o voto vencido: "Vencido, data venia, porque a sentença é incensurável na sua conclusão, embora não tenha posto em destaque merecido a questão relacionada à força maior, excludente argüida pela apelada, a meu ver com alto nível de procedência.» E acrescenta, assinalando a força maior e a segurança do vôo: «Ora, a providência adotada pela companhia teve inspiração em regulamentos oficiais, ditados pelo dever de resguardar a integridade física sua e dos passageiros, o que, data venia, sugere a ocorrência de força maior, afastando o dever de indenizar, segundo as normas gerais do direito. Nem o Código Civil, nem o Pacto de Varsóvia foram alvo de afronta, como diz o apelante.

O agudo raciocínio, desenvolvido na petição do apelo, foi destruído pelas contra-razões do apelado: o "serviço de vôo de uma tripulação" não é realizado apenas quando a aeronave está no ar, voando, senão que compreende as horas que antecedem a decolagem e aquelas que se seguem ao pouso. Assim, o "serviço de vôo" numa viagem "Rio-Porto-Lisboa" supera o período de 12h, exigindo a presença de dois comandantes."

32. Em caso específico de atraso de vôo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, pela sua 11ª Câmara, em acórdão da lavra do Des. Pinheiro Franco, na apelação 217.320-2, julgada em 16.6.94, decidiu (JTJ-LEX, 158-83 ou Rui Stoco, Responsabilidade Civil, 1995, p. 118):

"Indenização - Responsabilidade civil - Dano material - Mudanças e atraso em escala de vôo - Compra de novas passagens e gastos com hospedagem - Verba devida - Recurso provido para esse fim - Dano moral incabível - "Não cabem, no rótulo de dano moral, os transtornos, aborrecimentos ou contratempos que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um. Já se proclamou que "simples sensação de desconforto e aborrecimento, ocasionada pela perda ou extravio de bagagem, não constitui dano moral, suscetível de ser objeto de reparação civil. O dano moral tem origem no que Polacco chama de lesão da personalidade moral."

33. Convém destacar do texto do acórdão o seguinte trecho culminante, que repele, com irrecusável propriedade, na reparação por dano moral, "os acontecimentos do dia a dia" (JTJ, LEX, v. 158, p. 84):

"Não há razão para indenização por dano moral na hipótese sub judice.

Com efeito, não cabem no rótulo de "dano moral" os transtornos, aborrecimentos ou contratempos que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um.

Já proclamou a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação Cível n. 1.825, de 1990, relatada pelo eminente Desembargador Renato Maneschy, que "simples sensação de desconforto e aborrecimento, ocasionada pela perda ou extravio de bagagem, não constitui dano moral, suscetível de ser objeto de reparação civil. O dano moral tem origem no que Polacco chama de "lesão da personalidade moral."

Os danos morais passíveis de indenização são aqueles traduzidos mais especificamente pela dor intensa, pela elevada vergonha, pela injúria moral, etc.

Nestes casos, "a amenização da dor pode-se obter através de prestações materiais, que possibilitem aquisição de bens ou serviços, que dêem alegrias, que distraiam a dor, conforme sugere o próprio Agostinho Alvim. "(...) não se pode admitir que o dinheiro faça cessar a dor, como faz cessar o prejuízo material. Mas o conforto que possa proporcionar mitigará, em parte, a dor moral, pela compensação que oferece. Assim, o pai que perde o filho (...) pode melhorar sua situação, em proveito dos outros filhos, tornando-se apto a ampará-los mais eficazmente no que concerne à saúde e à educação. Esta satisfação, aliás, muito nobre, será uma compensação, ainda que imperfeita, pela dor sofrida" ("Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências", pág. 208, Editora Saraiva, 1946).

Lembrava Alberto Trabucchi quando ensinava a seus alunos: "o ressarcimento dos danos morais não tende a restitutio in integrum do dano causado; tende mais a uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, em certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Se substitui o conceito de equivalência (próprio do ressarcimento) pelo de reparação que se obtém atenuando, de maneira indireta, em conseqüência dos sofrimentos daquele que padeceu uma lesão"("Instituciones de Decreto Civil», vol. 1/228, Editorial Revista de Derecho Privado, Madri, 1967) ("RT", vol. 584/229)."

34. Cuidando de evitar a vulgarização do dano moral, decidiu a Dra. Zoni Ferreira Vargas, da 1ª Vara do Juizado Especial Civil de Taguatinga, Distrito Federal, em 22.8.97 (arquivo pessoal do autor):

"(...) E, mesmo que tenham ocorrido alguns transtornos em razão das escalas, a autora não foi diligente o suficiente para se informar antes do embarque, como não procurou se certificar do trajeto. Por outro lado, também não logrou demonstrar que os transtornos ocorridos em razão das escalas fizeram piorar o seu estado de saúde, a tal ponto de persistir a dor no tempo. Não trouxe aos autos nenhum documento neste sentido, ou seja, de que as escalas e o tempo em que ficou em São Paulo aguardando o vôo 476 para Brasília fizeram com que piorasse seu estado de saúde, vindo a ter gastos materiais em razão deste fato.

Ainda que se inverta o ônus da prova, haja vista as condições das partes, pois, de um lado, tem-se uma grande empresa e, de outro, uma consumidora, o fato é que está registrada uma reserva com número e horários totalmente diferentes daqueles que a autora tinha contratado, o que faz presumir que aceitou as condições que lhe foram oferecidas.

Por outro lado, o fato de ter dormido no aeroporto, em São Paulo, em razão da requerida não lhe ter encaminhado para um Hotel e, consoante as provas que trouxe aos autos, não permitem que se conclua que esses transtornos tenham causado-lhe uma dor insuperável que mereça uma compensação pecuniária à título de dano moral.

E, como dito, o dano não pode ser presumido, há que existir um mínimo de lógica para que o julgado possa determinar o quantum necessário para reparar essa dor. Não se pode partir de dados puramente subjetivos, há que existir elementos objetivos para que se possa avaliar a dor que enseja a reparação.

A jurisprudência dos Tribunais tem seguido uma orientação rígida nesse sentido, como forma de evitar que a indenização por dano moral se tome uma forma imoral de obter vantagem econômica. Vejamos (...):

"EMENTA:

- Processual civil - Ação rescisória - Erro de fato (art. 485, inc. 9, par. 2, CPC) 1. Dano moral - Inclusão indevida do nome da autora no DPC do Clube de Diretores Lojistas - O fato por si só não prova dano moral, que deve ser demonstrado pela existência de conseqüência. 2. Erro de fato é erro do Juiz ao admitir fato inexistente, ou considerar inexistente fato ocorrido - Atos ou documentos da causa - Documentos fora da causa não servem para caracterizar erro de fato - Podem servir para outro fundamento: "Documento novo". 3. Matéria examinada na sentença - controvérsia dirimida - óbice do par-2 do art-485, inc-9, CPC - Ação rescisória improcedente.» (AR 357/92/93/DF, 1ª Câmara Cível, Rel. José de Campos Amaral, DJ 02.02.94, pág. 629) grifos acrescentados.

Assim, ainda que a autora tenha experimentado alguma sensação de desconforto pelas escalas e pela espera que teve que suportar durante o percurso aéreo, estes transtornos não configuram um dano capaz de fundamentar uma compensação pecuniária, a titulo de dano moral, nos termos da Legislação vigente.

Também não demonstrou a autora a existência de danos materiais que pudessem fundamentar uma reparação".

35. Examinamos o atraso de vôo à luz da jurisprudência. A versatilidade sugere que se ponha a questão jurídica também em sua moldura normativa.

36. Coloca-se sob a égide da teoria da responsabilidade contratual, disciplinada, genericamente, no art. 1056 do Código Civil. Entre a transportadora e seu contratante, existe um vínculo jurídico derivado do contrato de transporte, diferentemente da responsabilidade aquiliana, geralmente mencionada ao invocar-se o art. 159 do Código Civil, que não supõe qualquer liame jurídico existente entre o suposto agente causador do dano e a vítima.

37. Mas a questão jurídica é de direito aeronáutico. É, pois, regulada pelos tratados, convenções e atos internacionais de que o Brasil seja parte, pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19.12.86) e pela legislação complementar. Os §2º e §3º, do art. 1º do Código Brasileiro de Aeronáutica, dispõem:

"Parágrafo 2º. Este código se aplica a nacionais e estrangeiros, em todo o território nacional, assim como no exterior, até onde for admitida sua extraterritorialidade.

Parágrafo 3º. A legislação complementar é formada pela regulamentação prevista neste código, pelas leis especiais, decretos e normas sobre matéria aeronáutica."

38. Os lesados pelo atraso queixam-se ordinariamente de haver amargado longa espera nos aeroportos. É essa a tônica dos pleitos. Hipótese equiparada a atraso da partida, disciplinado no art. 230 do Código Brasileiro de Aeronáutica, assim redigido:

"Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem."

39. De seu turno, o Regulamento contido na Portaria nº 957/GM5, de 19.12.89, que aprova as condições gerais de transporte, dispõe, em seu art. 11:

"Art. 11. Quando o usuário portador de bilhete com reserva confirmada deixar de embarcar no horário a que tem direito, em razão de preterição ou excesso de passageiros, deverá ser acomodado pela empresa de outro vôo, próprio ou de congênere, no prazo máximo de 04 (quatro) horas após a partida da aeronave.

Parágrafo Único. Se o usuário concordar em viajar em outro vôo do mesmo dia ou do dia seguinte, a empresa transportadora deverá proporcionar-lhe facilidades de comunicação, hospedagem e alimentação em locais adequados, bem como transporte de e para o aeroporto, se for o caso."

40. Até quatro horas, nenhuma consideração mereceu o atraso de vôo da disciplina normativa. Caso o atraso de partida ultrapasse este limite, duas alternativas se oferecem: providenciar-se o embarque do passageiro em aeronave que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituir-se imediatamente, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem. Na primeira hipótese, a transportadora deverá proporcionar-lhe as facilidades descritas no art. 11 da Portaria 957/GM5, como visto.

41. JOSÉ DA SILVA PACHECO, reconhecido justamente como o mais celebrado comentador do Código, escreve sobre o art. 231 (Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, Forense, 1990, p. 449):

"O portador de bilhete de passagem, com reserva confirmada, que deixar de embarcar, no horário previsto no respectivo instrumento de contrato de transporte, por excesso de passageiros (overbooking); deverá ser embarcado pela empresa em outra aeronave, para o mesmo destino, em serviço executado pela própria empresa, ou por outra, no prazo de quatro horas após a partida da aeronave para a qual tinha a reserva confirmada.

Se a transportadora não tiver condições de embarcar o passageiro nesse período, deverá oferecer-lhe a opção:

a) ou viajar em outro horário, após as quatro horas;

b) ou receber o reembolso do valor do bilhete."

42. Admitindo-se que a transportadora não tenha cumprido o contrato, a questão se põe sob a disciplina do art. 256, inc. II, do Código Brasileiro de Aeronáutica, que dispõe:

"Art.256. 0 transportador responde pelo dano decorrente: (...)

II - de atraso do transporte aéreo contratado."

43. 0 atraso da partida, por período superior à tolerância legal, obriga o transportador a providenciar ao passageiro o embarque para o mesmo destino ou restituir-lhe, de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem.

44. Se o atraso é de mais de quatro horas, e a transportadora não providenciar a viagem, como lhe impõe o art. 230, ou restituir o valor do bilhete, caso seja essa a preferência do passageiro prejudicado, o passageiro pode pleitear perdas e danos, se houver, dentro dos limites do art. 257 do mesmo C.B.A.. Vale dizer: ainda que se admita o atraso (o descumprimento das obrigações legais constantes do art. 230), a questão estaria sob a chancela do art. 256, mas desde que alegado e provado prejuízo patrimonial. E a indenização, caso estabelecida, deverá obedecer os limites observados no art. 257, do mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica, que assim dispõe. JOSÉ DA SILVA PACHECO, em comentário ao art. 256 do Código, descreve o ritual a ser cumprido (ob. cit., p. 512):

"Pelo que se depreende da leitura do art. 230, o atraso da partida, por mais de quatro horas, obriga o transportador a providenciar-lhe o embarque para o mesmo destino ou restituir-lhe, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.

Entretanto, se o transportador atrasa mais de quatro horas e não providencia a viagem, como preceituado no art. 230, nem restitui o valor do bilhete, se o passageiro preferir, pode este obter as perdas e danos, se houver, dentro dos limites do art. 257."

45. Impõe-se ao prejudicado alegar e comprovar, claro, o prejuízo, sem o que não lhe servem as regras do direito positivo. Em caso de transporte aéreo internacional, que obedece os mesmos parâmetros, decidiu o 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, pela sua 9ª Câmara Especial, em janeiro de 1995 (JTACSP, Lex, v. 153, p. 153):

"No caso, pretendeu o autor uma indenização apenas pelo fato do atraso no vôo em si, sem demonstrar a existência de prejuízo, que não pode ser confundido com desconforto ou reparação moral.

Ora, como o próprio magistrado salientou, ao se referir às conseqüências da inexecução das obrigações (artigo 1.056 do Código Civil) e à liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos (artigo 1.553 do Código Civil), a responsabilidade não pode ser puramente objetiva e o dano proveniente do atraso precisa ser demonstrado, observado o limite, inexistindo dolo ou culpa a ele equiparada (artigo 25, I, da Convenção), previsto no artigo 22 do mesmo diploma legal.

Não comprovado o dano, ônus que competia ao autor, a improcedência da ação se impõe."

46. Reproduzo o texto do art. 257 do CBA:

"A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN)."

47. Comentando essa disposição, assinala JOSÉ DA SILVA PACHECO (ob. cit., p. 517):

"Agora, o art. 257, do atual Código, fixa em 3.500 OTN por passageiro no caso de morte ou lesão e 150 OTN no caso de atraso. Com a extinção da OTN, prevalece o valor do tÍtulo de Obrigações do Tesouro Nacional que a substituiu, com eficácia similar."

48. A questão assim posta tem recebido consagração pretoriana, como se vê do acórdão proferido pelo 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, através da sua 12ª Câmara Especial, na apelação nº 657.886-5, de São Paulo. Neste precedente, decidiu-se pela adoção de uma multa compensatória pelo atraso, nos termos seguintes:

"Optaram os apelantes por dispensar a demonstração dos prejuízos e pleitear a indenização prevista para o atraso da bagagem, ou seja, cinco mil francos (art. 22, inc. 3).

Tem a jurisprudência acatado essa interpretação: "no atraso do embarque, onde é prejudicado o próprio passageiro, resulta injustável a não indenização, pois se trata do principal prejudicado. Daí ser justificada a adoção dessa multa compensatória" (Apel. n.

543.251, SP, 1º TACSP, 10ª Câm., Rel. Juiz Antônio de Pádua Nogueira, j. 19.04.94, m.v.).

Nessa medida, a indenização tarifada da bagagem passa a servir como piso para o atraso de pessoas, independentemente da comprovação do prejuízo (cfr. Apel. n 591.218-3, SP, 11ª Câm., Rel. Juiz Silveira Paulino, j. 15. 03. 95, v.u.).

4) A forma de conversão do franco poincaré, que não é moeda circulável, mas medida de valor monetário, não foi determinada pela r. sentença. Deverá ser fixada em eventual liquidação ou por ocasião da execução, não sendo passível a exame da matéria nesta sede, sem anterior definição em 1º grau."

49. Desde, pois, que a transportadora tenha cumprido o ritual de diligências que as obrigações legais e contratuais lhe impõem, nada pode ser reclamado. Mas, se não o fizer, qualquer indenização, a ser fixada, deverá atender os limites constantes do art. 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica, ou da Convenção de Varsóvia, que constituem a disciplina normativa do direito aeronáutico e, pois, do transporte aéreo nacional e internacional.

50. Uma colocação peculiar merece o tema do overbooking. Rege-se pelo direito comum, ficando fora do âmbito da aplicação do direito aeronáutico. Cuida-se de inadimplemento contratual, que não está alcançado por nenhuma causa excludente prevista na Convenção de Varsóvia, nem na lei interna. O dano sofrido pelo passageiro não constitui um evento que tenha ocorrido a bordo da aeronave, nem durante as operações de embarque e desembarque.

51. A pesquisa revelou caso judicial recente. O transportador aéreo, pelo seu proposto, reconheceu em juízo ter havido excesso de passageiros. Num vôo determinado, a transportadora vendera número maior de bilhetes do que comporta a sua aeronave, o que ficou comprovado pelas declarações de seu proposto, em juízo. Daí a sentença que julgou procedente a ação de indenização por dano moral, sob o fundamento de que não se aplicam as normas do direito aeronáutico e sim as normas do direito civil, que ordenam a reparação do dano por quem o causou, ou correu o risco de fazê-lo. A sentença assinalou, com acerto, em decisão que transitou em julgado, da lavra da Juíza Silvana da Silva Chaves (Processo 27901/96, 19ª Vara Cível do Distrito Federal, 31.7.97):

"A empresa, ao assim proceder, também assume o risco de todos os passageiros comparecerem, causando aos que não puderam embarcar transtornos, aborrecimentos, que configuram o dano moral, diante da sensação de impotência ao ver o avião alçar vôo, e nele não poderem viajar, não tendo naquele momento específico a quem recorrer para fazer valer seus direitos, tendo que se submeter à decisão unilateral da empresa aérea, de ser o mesmo acomodado em outro vôo, já que tem que chegar ao destino previsto, ainda que posteriormente.

É relevante anotar que o representante da ré afirmou (fls. 86) que os consumidores não são informados dessa prática, ou seja, de que os mesmos podem correr o risco de, mesmo chegando no horário correto, não embarcarem devido ao número maior de vendas de passagens.

O arbitramento da indenização por dano moral deve ser moderado e eqüitativo, evitando-se que se converta a dor em instrumento de captação de vantagem. Necessário analisar a condição pessoal da vítima; a capacidade econômica do ofensor; a natureza e a extensão do dano moral.

Tenho que R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais) são suficientes para tal, sendo que o arbitramento desse valor é necessário inclusive para o desestímulo à ré na prática de tais atos que atingem a moral da pessoa como consumidor que é, arcando assim a requerida com os riscos da prática que emprega para evitar prejuízos de ordem patrimonial ao vender bilhetes de passagens, de número acima do que dispõe para o vôo. Não se pode admitir a superposição de interesses do capitalismo ao respeito para com a pessoa humana, o que seria uma inversão de valores abominável."

IX - PERDA OU EXTRAVIO DE BAGAGEM

52. Examino agora as conseqüências de perda ou extravio de bagagem. Na indesejável situação de perda ou extravio de bagagem, a justiça brasileira sempre procurou ser fiel aos princípios: não constando do conhecimento o valor da mercadoria transportada, para efeito de indenização, aplica-se, no transporte aéreo internacional, o art. 22 da Convenção de Varsóvia. Este é que é o entendimento, este é que é o preceito normativo. Agora, os pedidos vêm cumulados com indenização por danos morais, além dos materiais. E, ressalvado o devido respeito aos que pensam o contrário, abusivo que se traga, a título de aplicar a relevante instituição, além da indenização pelos danos materiais, uma indenização por danos morais, que só faz, em casos corriqueiros, injustificadamente banalizá-la. A pesquisa revelou algumas sentenças de primeira instância de Juizados Especiais que já vêm aplicando pontualmente princípios consagrados, às vezes esquecidos pelas cortes superiores. Em julgado proferido pelo 7º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, no processo 7.852/96, decidiu-se prescrever a indenização correspondente a 250 francos por kg. de bagagem registrada de acordo com art. 22 da Convenção de Varsóvia, mas, quanto ao dano moral, entendeu-se incabível, sob o fundamento de que "o simples aborrecimento ou sensação de desconforto que alega a autora ter sofrido não constitui dano moral suscetível a indenização."(arquivo pessoal do autor).

53. Outro relevante julgado da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo o des. Barbosa Pereira como relator e integrada pelos desembargadores Olavo Silveira, Marcos Andrade e Cunha Cintra, decidiu que o desvio de bagagem, mesmo em viagem de núpcias, não tem estatura para tornar concretos os pressupostos que caracterizam a dor moral e, pois, a indenização pela comprovação dessa dor. Não passa de mera sensação de desconforto e aborrecimento, não constituindo dano moral suscetível a reparação civil. Convém transcrever o voto do desembargador Barbosa Pereira, que se reporta a julgado da 1ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, ao ressaltar (Embargos Infringentes nº 266.917-1/1-01, arquivo pessoal do autor):

"Não há razão para indenização por dano moral na hipótese sub judice.

Com efeito, não cabem no rótulo de dano moral os transtornos, aborrecimentos ou contratempos que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um.

Já proclamou a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos de Apelação nº 1.825, de 1990, relatada pelo Eminente Desembargador Renato Maneschy, que diz que 'simples sensação de desconforto e aborrecimento, ocasionado pela perda ou extravio de bagagem, não constitui dano moral, suscetível de ser objeto de reparação civil. O dano moral tem origem no que POLLACO chama de lesão da personalidade moral.

Os danos morais, passíveis de indenização, são aqueles traduzidos mais especificamente pela dor intensa, pela elevada vergonha, pela injúria moral (RJTJESP vol. 158/84).'"

54. Em declaração de voto, o Desembargador Marcos Andrade acrescentou:

"A perda de uma das cinco malas embarcadas pelo casal autor não se define como fato que possa lhe ter causado prejuízo extrapatrimonial. Tal situação, como sabido, traz inconvenientes, desconforto e constrangimento, mas não propicia afronta à dignidade ou à respeitabilidade, de modo a justificar o ressarcimento por dano moral. Nem há que considerar que a viagem de núpcias do autor tenha sido prejudicada pelo evento, a ponto de empanar o encanto emocional desse momento. Não se registra qualquer perda não patrimonial com o extravio de uma de várias bagagens e alguns percalços disso decorrentes. Ademais, inexiste indicativo de que a empresa aérea ré tenha agido de forma desidiosa ou mesmo imposto ao embargante um dissabor desnecessário, traduzido por menosprezo ou menoscabo.

Não há suporte, assim, para a indenização contemplada no voto minoritário."

55. É bastante conhecido o acórdão do Superior Tribunal de Justiça no Resp 13.813/RJ, do qual foi relator o Min. Nilson Naves. Neste caso, considerou-se que, como o acórdão local firmara que o aborrecimento advindo do extravio de mala não seria capaz de causar desconforto a ponto de justificar a reparação por dano moral, não poderia o STJ fazê-lo julgando recurso especial, que não reexamina a prova. Daí registrar a sua ementa (Recurso Especial 13.813/RJ, RSTJ, v. 47, p. 159):

"1. Transporte aéreo. Extravio de bagagem. Pedido de indenização, por danos material e moral. Ação procedente em parte. Caso em que, ao indeferir o pedido de indenização por dano moral, o acórdão não ofendeu os arts. 183, 334-II e III 467, 473 e 515, do Cód. de Pr. Civil. Impossibilidade de conhecimento do recurso quanto a esse ponto, reputado relevante pelo Relator. 2. Inocorrência doutra parte de ofensa ao art. 21, parágrafo único, do mesmo Código. 3. Recurso especial, pela alínea a não conhecido."

56. Mas este acórdão foi reformado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 172.720-9, o conhecido julgado da 2ª Turma da lavra do Min. Marco Aurélio (arquivo pessoal do autor). Entendeu a 2ª Turma que a humilhação decorrente do extravio da mala - o acórdão descreve amplamente, conquanto sucumbente em segundo grau o prejudicado, os sentimentos de que se dizia tomado e que o STJ se considerara inibido de fazê-lo - impunha observar-se a Constituição nos incisos V e X do art. 5º, que se sobrepõem a tratados e convenções ratificados pelo Brasil. Neste julgado, o Tribunal afirmou a perturbação das relações psíquicas - que o acórdão recorrido havia negado cabalmente, assinalo mais uma vez - no julgamento de recurso extraordinário, reconheceu a ofensa à tranqüilidade, aos sentimentos e ao próprio afeto da pessoa do recorrente, configurando então o dano moral. O caso teria marcas próprias na visão do Relator, que veio a ser sufragada pela unanimidade dos integrantes da segunda Turma. Fez-se uma descrição bastante dramática, que terá tocado fundo a sensibilidade do julgador, pelo que a repercussão o fez inclinar-se pela concessão do pedido, afirmando - em apreciação que o STJ não se considerara habilitado para fazer - a existência do dano moral. Não se pode negar a importância do julgado; daí a grande controvérsia que gerou nos meios jurídicos brasileiros. Tem recebido críticas e, claro, sido desafiado pelo caráter paladino, senão corajoso, dos princípios que adotou. Mas em favor da ortodoxia dos procedimentos e dos limites da jurisdição que se há de esperar no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sinto-me estimulado a reproduzir a observação que fez o Min. Eduardo Ribeiro, do STJ, a este julgado, em recente palestra que proferiu sobre Dano Moral. Disse S. Exa. (Eduardo Ribeiro de Oliveira, Dano Moral, Revista de Direito Renovar, nº 7, 1977, janeiro/abril, p.7):

"Considerou o eminente relator, em primeiro lagar, que o tarifamento previsto na Convenção não abrangeria dos danos morais. A disposição em que estatuído só se referiria a danos materiais. Essa questão, em verdade, não construiria matéria, própria do recurso extraordinário. Decidir sobre a correta interpretação de tratados é tema de recurso especial, competente ao S.T.J. Apresentou-se outra razão de decidir, entretanto, de natureza constitucional. Entendeu-se que o texto da Convenção não se poderia sobrepor ao disposto na Constituição, em seu artigo 5º, itens V e X, onde prevista a indenização do dano moral.

Essa decisão me parece de extrema importância, embora não quanto à ineficácia interna da disposição de tratado, que esteja em desacordo com norma posterior, do direito nacional, ponto que me parece acima de dúvida. A relevância do acórdão está na interpretação larga que se deu às citadas normas constitucionais, fazendo-as abranger hipótese que, em uma exegese mais rigorosa, não estariam compreendidas por seus termos."

57. É fácil prever que virão outros julgados reafirmando a garantia que a Constituição introduziu, em caráter permanente, no ordenamento jurídico brasileiro. Mas espero firmemente que os princípios que a justificaram, e que estão na gênese de tão relevantes preceitos, deverão ser resguardados para aplicação caso a caso, efetuada a graduação do sentimento, da dor alegada, sem o que se terá, contrariando a instituição que recebeu a consagração da lixa do tempo, não uma reverência à sua inserção na ordem jurídica, senão a merecida e inevitável censura em face da banalização não justificada da suas superiores finalidades.

X - FIXAÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL

58. Neste capítulo, a comunidade judiciária brasileira tem testemunhado verdadeiras heresias jurídicas. Já tive a oportunidade de lembrar no início desta palestra o caso emblemático ocorrido na capital maranhense. A indenização montou a mais de duzentos e cinqüenta e cinco milhões de reais. É incompreensível que o abalo de crédito ou a dor moral - independente do critério que se tome para estimá-los - possa se traduzir em valor que alcance a estratosfera. A indenização moral visa reparar o sofrimento imposto à pessoa e é, claro, de valor inestimável. Deverá ficar não a critério de perito, mas a critério do Juiz, que haverá que levar em conta a lesão, a dor, a posição da pessoa, entre outros elementos. Mas não me parece admissível que a soma ou a síntese desses elementos possa produzir cifras tão portentosas, caracterizando intolerável enriquecimento ilícito.

59. Lembro que, logo após o noticiário envolvendo esse insólito episódio, colegas meus de escritório, pesquisando na Internet, verificaram que já estava no noticiário relativo ao Superior Tribunal de Justiça uma referência a precedente da Corte que oferecia perspectiva de revisão a esta aberração jurídica que se perpetrava em São Luís. Tive o ensejo de aprofundar a pesquisa e verifiquei que já então o Superior Tribunal de Justiça dispunha de entendimento pretoriano estabelecendo a possibilidade de reparação por dano moral, em caso de dano moral puro, por exemplo (cuidava-se então de devolução de cheque sem fundos), mas desde logo assinalava que a indenização deve ser arbitrada em valores razoáveis, não se justificando que a reparação constituísse um enriquecimento ilícito do lesado contra o ofensor.

60. A pesquisa foi revelando julgados que consagraram essa cautela, colocando, em face da corrente da felicidade que se formou em algumas unidades no país, embaraços intransponíveis à utilização abusiva da indústria da indenização por dano moral. Menciono, em primeiro lugar, julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no recurso perante o Juizado Civil nº 82/97-DF (acórdão nº 94182), com julgamento realizado em 8.4.97 pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Civis, tendo como relator o Desembargador Mário Machado (DJ, 6.5.97, arquivo pessoal do autor), o qual assinalou - em caso específico de dano moral em direito aeronáutico, conquanto permitindo a cumulação - ser indeclinável a moderação na fixação da indenização:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. INDENIZAÇÃO. DANO PATRIMONIAL E MORAL. SÚMULA NÚMERO 37, DO STJ.

Descumprida, no caso, a obrigação contratual de fornecer aos passageiros bilhete endossável, fato que, após peregrinação, por horas, nos balcões do aeroporto, com desrespeito ao direto dos consumidores, os obrigou a comprar nova passagem, em outra companhia aérea, para o regresso da família em uma mesma aeronave, inequívoco o dever de indenizar da prestadora do serviço com vício de qualidade, seja no que diz respeito ao dano material, seja quanto ao moral, porque também atingida a psique das vítimas. Sofreram estas violações da sua tranqüilidade, subtração da sua paz de espírito. Foram submetidas a constrangimento. Enfrentaram, em busca do seu direito, discussões. Perderam o vôo originário. Inegável o dano moral. São cumuláveis as indenizações por dano moral patrimonial e por dano moral, ainda que oriundos do mesmo fato. Súmula número 37, do STJ.

O arbitramento da indenização por dano moral deve ser moderado e eqüitativo, atento às circunstâncias de cada caso, evitando-se que se converta a dor em instrumento de captação de vantagens. Os critérios a se observar são: a condição pessoal da vítima; a capacidade econômica do ofensor; a natureza e a extensão do dano moral. Fixação de indenização por dano moral, no caso, em valor igual ao dobro da passagem que os consumidores foram compelidos a adquirir, com invocação analógica, em virtude da natureza do dano, no parágrafo único, do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. Recurso provido em parte."

61. Outro julgado, este do Tribunal de Justiça de São Paulo, pela Primeira Câmara de Direito Privado, proferido no Agravo de Instrumento nº 8.515-4/3-São Vicente, relator Desembargador Alexandre Germano, definiu mais uma vez os critérios que devem ser tomados na indenização por dano moral (Boletim da AASP nº 2002, 12 a 18.5.97, p.146):

"VALOR DA CAUSA. Indenização por dano moral. Estimativa que deve levar em conta as condições das partes, a gravidade da lesão e as circunstâncias fáticas. Deve o Juiz repelir o exagero do valor da causa, estimado arbitrariamente pelo autor. Redução determinada. Decisão reformada. Agravo proferido em parte (TJSP - 1ª Câm. de Direito Privado; Ag. de Inst. nº 008.515-4/3-São Vicente-SP; Des. Alexandre Germano; j. 10. 09.1996; v.u.)."

62. E acrescenta esse julgado:

"Na verdade, com relação à questão da fixação do valor na reparação civil por danos morais, há princípios legais, decisões jurisprudenciais e soluções doutrinárias a serem consideradas, mas deverá atentar o julgador, no caso concreto, para:

a) as condições das partes; b) a gravidade da lesão e sua repercussão; c) as circunstâncias fáticas. Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar, em artigo doutrinário na Tribuna da Magistratura (julho/96, p.33/37)"

63. Em hipótese de indenização por danos morais decorrentes de extravio de bagagem, o TRF/ 1ª decidiu, na Apelação nº 96.01.20213-7-BA, em acórdão da lavra do Juiz Tourinho Neto, que a empresa aérea está obrigada a entregar a bagagem do passageiro no ato de desembarque. Não o fazendo, deve ser condenada em valor indenizatório arbitrado em cem vezes o valor da passagem. Aqui está o texto deste acórdão proferido em 1º de abril de 1997 (AC nº 96.01.20213-7-BA, 1.4.97, DJ, 16.5.97):

"CIVIL INDENIZAÇÃO. EMPRESA AÉREA. EXTRAVIO DE BAGAGEM. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. FIXAÇÃO DO QUANTUM.

I- A empresa aérea está obrigada a entregar a bagagem do passageiro, no ato do desembarque.

II- Causando dano moral, com o extravio da bagagem do passageiro, a empresa aérea fica responsável pelo pagamento de uma soma, que é arbitrada com base na gravidade do dano, no desconforto e na contrariedade causados. Na hipótese, o passageiro não se dirigia para casa nem estava em viagem de lazer; ia fazer-se presente

a uma solenidade, representando a Ordem dos Advogados do Brasil. Logo, é razoável que o quantum indenizatório seja arbitrado em cem vezes o valor da passagem."

64. O acórdão afirmou o grau de culpa da empresa aérea, consignando no texto:

"Evidentemente que o autor, em face da perda da finalidade da viagem - comparecimento tão só a uma solenidade, realizada no mesmo dia da viagem -, não estava obrigado a pagar a passagem. A viagem do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção da Bahia, perdeu seu objetivo.

Também é certo que o Presidente sofreu dissabores, aborrecimentos, contrariedades, desconforto, perdendo seu dia de trabalho e o objetivo de sua viagem, que era prestar solidariedade ao Presidente da OAB, Seção do Piauí. Deve, pois, ser indenizado em quantia suficiente capaz de neutralizar ou, como disse o Des. Walter Moraes (in RTJE, V. 120/206), anestesiar o transtorno, o desconforto sofrido pelo segundo autor. Valor esse que tenho como acertado o indicado pelos apelantes - cem vezes o valor da passagem em questão.

65. E na fixação da indenização estabeleceu este julgado do TRF/ 1ª:

"O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ao julgar a AC nº 140.330-7, relator Juiz Brandão Teixeira, em novembro de 1992, decidiu que:

Para fixação do quantum em indenização por danos morais devem ser levados em conta a capacidade econômica do agente, seu grau de dolo ou culpa, a posição social ou política do ofendido, a prova da dor (apud Humberto Theodoro Júnior, Responsabilidade civil pelo dano moral, in Doutrina, Instituto de Direito, 1996, nº 1, p.93)."

No caso em estudo, onde o causador do dano é uma empresa aérea - a VASP, que agiu com elevado grau de culpa -, não houve razão para o extravio da bagagem, houve sim falta de cuidado, de preparo, dos seus propostos; e o ofendido era o Presidente de uma Secional da Ordem dos Advogados do Brasil, que viajava para se fazer presente em seu nome."

66. Adotando entendimento ousado e indispensável para coibir este estado de euforia, que tem cercado as questões de indenização por dano moral, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu que o arbitramento pode ser fixado perante o próprio Tribunal, buscando dar solução definitiva ao caso, com o objetivo de evitar inconvenientes e retardamento na solução jurisdicional. Para tanto, deverá levar-se em conta a culpa concorrente estabelecida, o nível sócio-econômico das partes, a perspectiva de vida, quando for o caso, e o porte da empresa autora da ofensa. Convém transcrever a conclusão do voto pioneiro do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira no recurso especial nº 74.532-RJ, julgado em 11.3.97 (DJ, 12.5.97):

"Resta a questão concernente à fixação dos prejuízos de ordem moral suportada pelo autor. É de proceder-se ao arbitramento nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso, com o objetivo de evitar inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.

O arbitramento em tela deve operar-se com moderação, proporcionalmente à culpa concorrente estabelecida, ao nível sócio-econômico dos autores, à perspectiva de vida da menor vitimada, sua futura ajuda e, ainda, ao porte da empresa recorrida.

Nestes termos, penso que fica bem para a hipótese o montante correspondente a 200 (duzentos) salários mínimos, a ser calculado à época do pagamento."

67. Esse notável julgado ficou coroado pela seguinte ementa, que reproduz, na parte essencial, a compreensão do tema proposto, ressaltando a possibilidade de arbitramento do dano moral pelo próprio Superior Tribunal de Justiça:

"Direito civil. Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Menor de dois (2) anos de idade vítima fatal de atropelamento. Culpa concorrente. Dano material inacolhido. Dano moral acolhido. Fixação nesta instância. Cabimento. Dissídio jurisprudencial. Provimento parcial. (...)

IV - O arbitramento do dano moral pode ser fixado nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso, com objetivo de evitar inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional, levando-se em conta, para tanto, a culpa concorrente estabelecida, o nível sócio-econômico dos autores, a perspectiva de vida da menor vitimada, sua futura ajuda e, ainda, o porte da empresa recorrida".

XI - PALAVRAS DE ESPERANÇA

68. Não há mais, portanto, como duvidar do princípio da reparação do dano moral, dado o fundamento constitucional que atribuímos à responsabilidade civil. Se é manifesto que o mandamento normativo sanciona o dever moral de não prejudicar outrem, não poderia ele, quando se defendem o corpo e os bens, ficar indiferente em presença de ato prejudicial que atinge a alma. Não devemos unicamente respeitar o patrimônio do próximo, mas também a sua honra, as suas afeições, as suas crenças e os seus pensamentos. Se o prejuízo é grave e público, a lei penal, considerando que perturba a ordem social, reprime-o. Se é ligeiro ou clandestino, pertence à vítima entrar em juízo com uma ação de reparação. Como vimos, a jurisprudência está acolhendo hoje estas ações com muito maior largueza, até mesmo no âmbito do Direito Aeronáutico, às vezes desatento aos seus princípios. Mas esta parte dos domínios da responsabilidade civil haverá de estar fortemente marcada pelo império da regra moral.

69. Desde o momento em que a regra de direito pôde ser formulada de maneira consciente graças ao poder normativo do Estado, já se passou da história da norma para a realidade dos juristas que a interpretam e para a da autoridade judiciária que a aplica. O ato legislativo tem sido ressaltado pelos juristas, e permite assinalar a mudança que vai do ponto de vista jurídico-histórico ao ponto de vista jurídico-dogmático. A pretensão de que, no Estado moderno, o direito, na acepção mais substantiva, deriva do ato consciente de sua formulação como norma geral, inclui igualmente a pretensão de que o jurista prático, especialmente o Juiz, haverá de ter em conta considerações do tipo finalista na aplicação do direito. Em outros termos, os juristas, especialmente o aplicador do direito, deverão assinalar uma identificação, um vínculo, entre o direito e a moral, laborando menos em conformidade com os ditames de uma suposta lógica e mais em atenção de considerações de conveniências públicas, de expectativas da sociedade, sempre sob a boa sombra dos severos mandamentos do ideal de justiça.

70. Acresce que a aplicação do Direito deve estar em mãos demasiadamente competentes para que a solução justa não seja sacrificada ao rigor do silogismo, porque, do ponto de vista jurídico, a natureza obrigatória na norma haverá de depender de sua coincidência com a lei moral. Não basta, pois, formular normas ou regras gerais e entregá-las ao intérprete para que, sem outro apoio que não o da lógica formal, proceda ele a uma justa resolução dos interesses em conflito. O sentido da regra formulada em termos gerais tem muito mais alcance do que o previsto pelo legislador que a editou. Daí se afirmar, com proveito, que não mais poder, senão mais saber, é isto que formula corretamente o direito. Creio poder afirmar, numa visão de esperança voltada para os aplicadores irrefletidos da lei civil que autoriza a indenização do dano moral, garantida desde 1988 por mandamento constitucional, que se a possibilidade de achar a solução adequada ao caso concreto, num labor de adaptar às circunstâncias o repertório existente de meios jurídicos, não depende, em grande medida, da perfeição técnica de tais meios, senão da destreza com que os juristas os aplicam, é forçoso reconhecer que um dos meios mais eficazes de aplicar o direito material haverá de fundar-se em uma seleção rigorosa de quem tem a seu cargo a elevada missão de julgar. O verdadeiro Juiz não deixará ruir, pela má aplicação do direito, este notável pilar do ideal de Justiça.

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